segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O VENDEDOR DE PICOLÉS

“Gostoso! Saboroso! Delicioso! Cinco picolés por apenas Um Real...” Estas palavras agudas e finas saídas dum alto-falante antigo sempre vinham acompanhadas duma música irritante. Como aquelas dos filmes quando aparece um circo. O carro passava em ponto morto, devagar, esperando pela molecada que como se hipnotizados por aqueles sons atacavam nossas moedinhas e voltavam para dentro de casa ostentando sua aquisição. Era sempre assim, bastava o sol começar a esquentar mais os dias, e a cena repetia-se rotineiramente, de segunda a segunda...

Tudo aquilo me deixava nervosa. Não gostava daquela voz. Daquela música, que deixava no ar um clima de suspense. A Vila era grande, e assim demorava para que o sons se perdessem de meus ouvidos. Ás vezes de tarde, ás vezes pela manhã. Um verão após outro, sempre vinha ele cativando nossos meninos e meninas em volta daquele carro e seus picolés. Até mesmo meu pequeno Joãozinho não resistia, por mais que eu o reprimisse.

Então numa quarta-feira, quando ouvi aquela música zanzando de novo pela vila uma idéia estalou em minha mente. Confesso que o sentimento da dúvida fez-me recuar e avançar várias vezes. Quando percebi que o som estava próximo, na minha rua, catei uma nota de Um Real, e fui para frente de casa. Era de tarde, Joãozinho estava na escola, e lhe faria uma grande surpresa, quando chegasse estaria esperando por ele cinco picolés.

– Boa tarde! Moço pode me ver um pacotinho de picolés.
– Pois não minha senhora. A senhora vai querer qual? Os de uva? Laranja? Abacaxi? Ou quer o pacotinho sortido?
– Pode ser o sortido, mesmo.
– É Um Real (Como se fosse necessário ele me dizer. Não bastava o anúncio no alto-falante). Está aqui. Muito Obrigado.

O Moço até pareceu simpático. Mas minha opinião estava formada. Antes que manobrasse o carro, puxei assunto.

– Que calor, né moço?
– É verdade.
– O moço deve vender bastante em dias como hoje?
– Dá pro gasto. Enquanto a conversa se estendia o resultado não podia ser outro. Logo a gurizada da rua fazia a volta no carro com suas notinhas ou moedas, atraídas pela música que não cessara em nenhum instante. Nesta hora resolvi mostrar minha cordialidade. – O moço quer um copo de água gelada?
– Se a senhora puder fazer esta gentileza. O calor ta danado mesmo.

Virei ás costas e fui dentro de casa pegar o copo com a água. Ele entornou num gole só. Estava como muita sede. – Muito Obrigado. A senhora é muito gentil. Que Deus lhe pague. Naquela hora um soluço subiu-me a garganta, mas estava feito e não podia fazer mais nada por ele.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

DOIS FUROS NO PESCOÇO

A penumbra cobria a rua, que de nome chama-se Garibaldi. As parcas luminárias não davam conta de clarear as paredes velhas, e as portas escancaradas dos prédios que ali existiam. Nas calçadas esburacadas poucos se atreviam á circular àquelas horas, a não ser os que habitualmente o faziam. Mendigos e maltrapilhos acostumados ao copo de martelinho barato servidos nos botecos dali. Nas sombras voluptuosas curvas femininas se insinuavam aos automóveis, em busca de cliente. Outras nem tanto, contentavam-se com as esmolas que os mendigos conseguiam.

Naquele vai-e-vem Kelly demonstrava cansaço depois de um dia corrido, e de boa parte de seu dinheiro ter ir parado na mão do cafetão. Suas mãos displicentes se esforçavam para escorar-se na parede de tijolos a mostra. Num Cantinho do beco, Maria Boca-de-seda ganhava mais “dez pila” fazendo o serviço que lhe trouxera a fama e o apelido. – Simbora, Maria. Não perde muito tempo, que ta na hora de irmos pra casa. Gritava Kelly, que dividia um apartamento imundo com a veterana.

Mas antes de Maria Completar seu serviço, um farol brilhante ofuscou a visão de Kelly. Viu o rosto de um homem escondido atrás do “insufilm”. Ele não falou nada, apenas fez um sinal com o dedo, dizendo “venha”. Ela nem pensou em relutar, o carro era de bacana, e quem sabe... Poderia prestar mais um serviço. Quando Maria saiu do beco, não encontrou sua amiga, que sumira da calçada. “Aquela diabinha, arrumou mais um cliente. Há seu eu ainda tivesse meu corpinho, ela não tinha chance”. Falou a meretriz.

Embora ainda tivesse beleza, Kelly jamais estivera com um cliente tão “fino”. Nunca tinha entrado num carro com estofado de couro. No máximo dentro de carros populares com homens, velhos, gordos e feios que choravam em pagar-lhe cinqüenta reais. Aquele era diferente de todos. Jovem, pouco mais de trinta, rosto enigmático, e um pão de macho, como a própria Kelly pensava. Sair com um homem daqueles, e ainda ser paga, para ela era uma glória. No caminho aproveitando o silêncio de seu companheiro, pensava nas peripécias que faria na cama. Tinha de cativá-lo.

Andaram muito tempo. Foram parar num bairro distanciado, com poucas casas, na verdade, algumas mansões, e alguns velhos casarões como parecia ser o domicílio do homem. Eles desceram do carro, e entraram na casa. Era antiga, com vários detalhes em madeira. Sem falar uma palavra o homem levou-a até o quarto, e jogou-a numa cama luxuosa, mas que parecia ter sido comprada no antiquário. Mas este tipo de detalhes ela não queria perceber.

O homem deitou-se na cama, e guardou-se nas sombras. Não havia nenhuma luz acesa a não ser a do próprio luar que rompia o quarto por uma enorme janela. Ela não titubeou, e mesmo sem música iniciou um sensual “striptease”. A cada peça de roupa retirada seu corpo se mostrava livre, e para surpresa ainda em forma, apesar de sua profissão. Seus seios ainda rijos, seus pêlos muito bem depilados, e um par de coxas grossas e delineadas rebolavam entusiasmadamente. De frente, de costas com seu bumbum ainda firme. Não tinha limites para seus movimentos, tampouco para as posições que praticou com aquele homem comum. Fazia tempo que não transava por prazer. Naquela noite o fez. Depois de anos voltou a sentir um orgasmo, e suas pernas tremerem. Ele também estava satisfeito. Ela percebia seu rosto agradecido. O sexo se repetiu por algumas vezes até se esgotarem suas forças. “Que homem é este, que faz puta cansar.” Pensava um pouco antes de cair no sono.

Acordou com o sol queimando-lhe a face, e cegando sua visão. Por instinto achou um canto que o sol penetrava e se escondeu. Nas sombras, seu corpo não ardia. Primeiro fez por se tranqüilizar. Até perceber que estava nua. Nenhuma roupa, e apenas um saco de couro jogado perto de seu corpo. Caiu em desespero, mas acalmou-se novamente. O lugar era deserto. Não sabia onde estava. Com uma vara improvisada puxou o saco, abri-o e para sua surpresa encontrou um maço de notas de cem. Sorriu. Voltou sentir ardência em seu corpo. Precisamente seu pescoço, ardia, parecia queimar. Passou a mão e sentiu algo diferente. Buscou pelo reflexo num pedaço velho de vidro, e pode ver um fio de sangue e dois buracos em seu pescoço.

O sol estava se aproximando. Buscou por mais sombras, e alguma roupa para vestir seu corpo nu.