sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O NEGO PEDRINHO

O diabo tenta as pessoas das formas mais diferentes. Às vezes não passa de uma sutil voz que pode ser ouvida apenas por sua mente. Ninguém mais ouve o que ele fala, só a pobre alma que ele ataca. A diferença está, nos que vencem ao seu domínio silencioso e mental. Os vitoriosos são sem dúvidas, a maioria, mas há no entanto, uma parcela que é ludibriada pela voz do demônio, e cego causa danos que só podem ser compreendidos quando regressa a lucidez.

Vejamos a história de Pedro Aguirre, mais conhecido como Pedrinho. O apelido advinha de sua baixa estatura. Tinha o corpo dum tom de marrom, queimado pelo trabalho debaixo do sol. Era mulato, “pêlo-duro” como diziam no lugarejo dos que não descendiam dos alemães, ou dos italianos. A cidade era "pequenota", não mais que dez mil habitantes, colonizada, e basicamente dependia do trabalho braçal no campo. Pedrinho tinha forças nos braços, embora pouca esperteza, e por isso era requisitado pelos colonos da região. O mais assíduo era o gringo Santiago Bersolim, que vivia chamando pelos préstimos do Pedrinho pagando-lhes por diária. Santiago era um gringo alto, gordo, e forte, mas era mais conhecido por seu palavreado atravessado e pelas enroscadas em que se metia. O gringo tinha atração por problemas. Mesmo assim era bem quisto no lugar.

Naquele dia, a função era melar umas caixas de abelhas que o Santigo tinha depositado numa fazenda uns trinta quilômetros da cidade. Os dois passaram no mercado e compraram umas quatro latas de sardinha, o pão que a nona tinha feito em casa, e rumaram para o trabalho. O lugar era ao ermo, e as caixas estavam espalhadas pelos bosques de árvores nativas do lugar. Ao cruzar por uma Aroeira, Pedrinho não titubeou em desejá-la boa tarde, e seguiu até as caixas, andando sempre atrás do Santiago. Foi quando ouviu o primeiro sussurro em sua cabeça, Fingiu não ter escutado.

Os que já viram na televisão ou alguém lidando com abelhas de imediato lembrará aquelas roupas brancas, largas, e o enorme chapéu, todo fechado e com uma tela para proteger o rosto, e permitir a visibilidade. Os dois usavam este uniforme, e acreditem uma manhã inteira trancado naquela roupa com o sol quente batendo na moleira era uma situação sufocante. E ao passo que avançava o dia, a voz tornava-se repetitiva nos ouvidos de Pedrinho, que supunha estar tendo alucinações pelo calor. Sentiu-se aliviado, ao irem almoçar e ter sua cabeça, e sua mente livre para saborear o pão com sardinha, e a leve brisa...

Mas a voz era impertinente, e enquanto sesteavam para continuar o trabalho à tarde, ela voltou a dar ordens ao trabalhador. Dizia coisas que jamais ele pensava sair de sua cabeça, incitava vontades que ele nunca teve, mas de tanto aquilo lhe martelar a idéia, ficava tentado em fazer. São poucas as testemunhas do quanto ele resistiu às ordens que vinham daquela misteriosa voz... Caminhou... Come de novo... Em desespero até um banho no açude ali perto ele tomou e nada daquela voz lhe sossegar.

Ele viu o facão escorado na árvore. A voz dizia que aquele era o instrumento, e calmamente ordenava-lhe o que fazer. Cego, ele fez o que a voz lhe ordenava. Posso jurar-lhes que no instante que fazia, Pedrinho era inocente, pois não passava de um meio para satisfazer as vontades do Diabo.

Quando voltou a consciência, viu tamanho dano tinha feito. A ele, e ao Santiago. O gringo tinha sido feito em dezenas de pedaços pelo fio do facão. A cabeça devia estar uns dez metros do corpo, e levou alguns segundos para Pedrinho entender que somente os dois estavam ali, e mais ninguém... A realidade cruel fez Pedrinho regurgitar o almoço ali mesmo.

Ele ainda pensou no que podia fazer. Mas naquela altura nada mais podia ser feito. E Pedrinho sabia da lei, e sabia também que nenhum juiz lhe inocentaria. Então ele fugiu se embrenhando pelos matos. Vez por outra alguém diz tê-lo visto... Mas ninguém ousa se aproximar, pois naquela cidade se quiseres ver alguém tremer de medo, basta falar no “Nego Pedrinho”, e a conversa muda de rumo na mesma hora.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

ALVORECER DE SANGUE

Alvorecer. O sol nasce vermelho como o sangue. Para os mais antigos, prenúncio de uma grande tragédia. Dentro da pequena casa de dois cômodos, num quarto dormem as crianças. Sonham tranquilamente. Um, vê nítida a imagem da bicicleta que sonha ganhar no natal. O outro sonha com a última pelada de futebol, e o gol feito no campinho de terra.

Enquanto isso no quarto ao lado a mulher se entrega a uma luxúria vespertina. O sono profundo das crianças não permite que elas ouçam os gemidos vindos do lado. Há muito, que a jovem senhora, não sentia-se completa no ato sexual. Buscava naquele momento saciar todos os seus desejos, que por muito estavam escondidos. Tinha tempo para isso, pois eram férias, e nenhum dos filhos acordaria antes das dez.

Entregue a orgasmos e prazeres ela não ouviu a maçaneta da frágil porta se abrir. Nem mesmo o barulho do latão se movimentando tirou sua atenção do homem que a preenchia por inteiro. Por isso não teve tempo para reagir quando seu esposo golpeou-a no pescoço fazendo o sangue jogar na parede cinzenta de cimento puro. O amante ainda tentou escapar, mas teve o coração perfurado ali mesmo sobre a cama que manchara com seu prazer. A fúria traz agilidade, e em poucos segundos o marido traído Havaí feito o crime.

Alberto era o nome dele. Não era uma pessoa ruim. Nunca foi de confusão. Mas em minutos transformou-se num assassino. Este peso ele não poderia carregar. Cortou os dois pulsos e foi até sua poltrona aguardar a morte, que não demorou a vir. No quarto as crianças continuavam a dormir com seus sonhos infantis.