quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Numa noite de Sexta-feira Santa

Talvez vocês não conheçam o Passo Grande. Na verdade espero que não conheçam, aliás, lhes aconselho a não conhecer. Quem sabe se eu contar como ele é e o que acontece em suas águas corredeiras, vocês não teimem em ir até lá. Não é fácil chegar até ele. Fica obscuro entre bosques nativos no interior de Encruzilhada do Sul. O caminho mais fácil é que segue por Pantano Grande, entrar à esquerda no Vilarejo dos Gonçalves...

A paisagem do caminho é uma mistura de sentimentos. Assim como o medo e a adrenalina pela aventura se misturam, a aridez de campos secos mistura-se a pequenos bosques e vegetação de arbustos, graças a campos abandonados. Pouca gente vive por aquelas bandas. Há mais pinheiros pelo caminho, que boas almas a viver da agropecuária. E quando encontramos algum ser vivo, seus olhos são cabisbaixos e tristes. Na face carregam os sinais dos tempos. Não há gente jovem por lá. Foram todos embora.

Para chegar ao nosso destino, ainda passamos por um vilarejo e comemos poeira na estrada mal conservada. O capim e os galhos avançam pelo caminho dos que tem coragem de trafegar em lugares tão abandonados. Sabemos quando chegamos, quando entre aroeiras, vassouras brancas e vermelhas, uma massa de concreto corta o ar. Aí basta entrar num acesso escondido pelo capim à esquerda, e descermos lentamente até as margens do arroio.

A areia parece até ser de praia. Mas não há ondas. A água é dum tom verde-esmeralda e o leito do pequeno riacho tem corredeiras arredias e pedras espalhadas por todos os cantos. As margens são rodeadas por vegetação nativa. Corticeiras vivem por toda sua extensão. Há uns doze metros de altura fica a ponte de concreto, ligando dois pontos no meio do nada. Apenas ela é mais imponente que as árvores. Era neste lugar que por causa da minha indefinição passei uma noite alucinante de sexta-feira santa.

Bem, eu sou um desses sujeitos que faz tudo, e está presente em tudo. Não sei se me compreendem, mas há em meu íntimo um botão instalado que me impede de dizer não. É como se esta palavra não existisse em meu vocabulário. Acreditem, passei alguns apertos por causa disso. – Vamos pescar hoje? – Mas hoje é... – capaz isto é besteira dos mais velhos. – Mas... – Está bem vamos! E foi assim que entrei numa fria

Sexta-feira santa não punha mais medo nas pessoas. Principalmente nos jovens. Tem até os que fazem festa, vão a bailes. Cruz credo. Isto não ocorria nos tempos de meu pai. Talvez pescar não fosse maior pecado que pescar, e assim pela incapacidade de dizer não, e pela inocência de um jovem, parti naquele fusca. Éramos cinco. Mal tinha espaço para os apetrechos necessários para acamparmos. Na partida minha mãe, ainda tentou demover-me da empreitada. Mas era tarde. Não podia dizer não entre os outros guris.

Distraído por meus próprios medos, quando dei por mim estava cercado por aquela paisagem deserta. As árvores dançavam com o vento leve que se precipitava. Não gosto de mato. Mas estava no meio de um. Olhava para a ponte. Para ás árvores. Tinha sempre a impressão que algo desagradável surgiria da mata. Seus sons, suas sombras tudo me irritava. Mas me mantinha em silêncio. Já havia sido rotulado como medroso da turma, e queria desfazer aquela impressão.

Juntamos lenha para preparar uma fogueira. Com a tarrafa pegamos as iscas. Pobres lambaris. Até que davam uma boa fritada, mas para nós serviam apenas para habitarem nossos anzóis de aço. Largamos as linhas na água. Botamos as redes. A bóias-loucas. Estava tudo preparado, e quando a noite caía sobre nós, o fogo estava alto e o arroz e a lingüiça ferviam na panela de ferro. Bebíamos e contávamos piadas aguardando o jantar.

Dentre os cinco quatro já estavam embriagados antes das dez. Eu, o que menos bebia ainda conseguia discernir melhor. Tentei alertar que o vento aumentava, e que a lua cheia que por um momento iluminara nossas almas fora encoberta por nuvens negras e pesadas. Ao longe trovões podiam ser ouvidos, e não demorou para que uma chuva torrencial caísse sobre nós.

Neste momento ainda estava calmo. Exilados em nossas barracas de lona preta, eu era o único ainda acordado. Relaxava aos sons dos pingos estalando no plástico. Não há som mais calmante que esse. Um atrás do outro, como se regessem uma sinfonia. Fechava os olhos e fabricava imagens alegres. Então a noite começou a mudar de rumos.

Um ronco de motor se aproximava. “Quem Diabos, anda numa noite dessas por este lugar?” Indaguei mentalmente. Tentei acordar meus companheiros. – É só alguém indo pra casa. Disse um deles, e voltou a dormir. O ronco estava mais próximo. Era um ronco agudo. Forte. Andava lento. De repente, quando o ouvi próximo a ponte, o motor silenciou. Arrastei-me pela barraca, e pela fresta pude ver o vulto sobre a ponte.

Estava escuro e a chuva embaçava a minha visão. Mas jamais esqueci a silueta forte do homem sobre a moto, e o farol que mirava sobre nós e ofuscava meus olhos. Senti medo. Muito medo. Sabe quando uma presença te causa terror. Assim ocorria comigo. O motoqueiro nada fez, mas apenas sua presença me afligia. Seu repouso sobre a ponte nos mirando sua paciência e sua omissão com os fatos que sucederam sua chegada me atormentam.

Os pesadelos daquela noite me acompanham a cada noite, que relembro o fedor pútrido que invadiu minhas narinas. Era como se queimassem mil chifres de gado na beira daquele riacho. Ainda ofuscado pela lanterna da motocicleta, apenas ouvia o quebrar das águas contra as pedras. Elas serpenteavam as curvas de seu leito mais veloz que o habitual. Era uma enxurrada. Um manto de morte feito por água e peixes carnívoros que desciam rio abaixo. Vi alguns desses animais se regozijando com as carnes de meus amigos.

Quando as águas me sugaram para seu interior vi meus olhos serem cegados pelas águas escuras. Girava como as hélices de um navio num verdadeiro redemoinho. Era como se estivesse dentro de uma máquina de lavar roupas. Troncos e galhos tiravam raspão, arranhando meu corpo e distribuindo meu sangue. Sangue este que alertava o estranho cardume. Não tinha relatos de peixes carnívoros na região, mas naquela noite eu os pude ver. Eram enormes. Anormais. Seus olhos luminosos cor de fogo transformavam a solidão do mundo submerso do riacho numa grande metrópole com suas lâmpadas acesas.

Quando uma boca com dentes mais afiados que navalha penetrou minhas carnes, gritei medonhamente. A água invadiu minha boca e meus pulmões, silenciando a minha expressão de dor. Não podia mais gritar, e as mordidas aconteciam sucessivamente. Mentalmente orei um Pai Nosso, pois apenas a providência divina poderia salvar-me. Pedi perdão por meus pecados, e jurei nunca mais desrespeitar a sexta-feira santa. Minha mãe sempre dizia que neste dia “o bicho ruim” andava solto. Lembrei de suas palavras, e adormeci sem mais nenhuma consciência, e com vela da vida deixando de queimar seu pavio em minha alma.

Quando acordei já estava nesta cadeira de rodas. Sem minhas pernas. Sem um dos meus braços. Meu rosto está desfigurado, um dos olhos não existe mais. Apenas as lembranças daquela noite continuam perfeitas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Mais um conto de natal

Marcondes chega em casa no dia 23 de dezembro. Não é uma casa como as que você conhece. É uma casa pobre, onde as paredes de madeira são arejadas naturalmente pelas rachaduras, e o telhado está às vistas pela inexistência de forro. Mas Marcondes não reclama. Esta ali de favor. A casa de três pequenos cômodos divide com a esposa e seus dois filhos...

Natanael, pouco entende da data que se aproxima. Já Benjamim, de cinco anos, toda tarde chega para abraçar-lhe, e contar do pedido depositado num pequeno pinheiro improvisado por Judith. Ele abraça o filho, diz poucas palavras, e vai ao banheiro. É lá que gosta de pensar. Refletir. É na solidão entre aquelas pequenas paredes, que o envolvem, que ele toma muitas de suas decisões.

Marcondes liga o chuveiro, e a água morna começa a escorrer lentamente sobre sua pele tostada pelo sol, de um dia inteiro. Infrutífero por sinal. As vendas não iam bem, e ele dependia de suas comissões. Uma ou outra prestação, água, luz, farmácia... Não havia fórmula mágica para os números que são acompanhados por cifras.

No caminho, ele passara por tantas vitrines. Vermelhas. Enfeitadas. Coloridas. Na tevê a mesma coisa. Propaganda. Muita propaganda. E enfim o bom e velho papai-noel se tornara alguém muito famoso, e de muitas faces, e empregado em diversas lojas. “Devem ser clonados, ou são fabricados em larga escala!” Pensava Marcondes, enquanto pressionava ao máximo o vidro de xampu quase vazio.

Como a água cada vez mais quente estava sua cabeça. Ele não queria falhar. Mas sua impotência o castigava. Ele calculava de um lado, puxava números de outro, somava aqui, subtraia ali, mas não chegava a um denominador comum. De forma alguma papai-noel conseguiria entregar ao jovem Benjamim seu Auto Posto, desejado há três natais no mínimo. “Não... Não posso adiar mais uma vez...”

Marcondes sabia que entraria como uma navalha a cara de frustração. De descrédito de seu rebento. Crianças apenas desejam. Sem maldade. Benjamim, talvez logo esquecesse, talvez até mesmo compreendesse, mas Marcondes sabia, e isto era o suficiente para atormentá-lo.

A toalha ríspida lavada sem amaciante passava pelo corpo do pai, quase em desespero por ver sua impossibilidade em atender o desejo de um filho. Vestiu um calção velho, e a camiseta lacrimejando. Estava prestes a chorar. Porém, não podia ver seu garoto esperar por uma visita que jamais chegaria no dia vinte e quatro.

O garoto assistia televisão. Ironicamente a propaganda mostrava o tão desejado brinquedo. Os olhos do menino brilhavam. É o que acontece quando desejamos algo tão profundamente. Nossos olhos brilham. Mas os olhos de Marcondes não brilhavam mais. Estavam profundos e vazios. Caminhando a passos lentos, pegou sobre a pia uma pequena faca. Empunhou firme, descascando de forma firme e raivosa o pêssego que estava noutra mão. Foi até o quarto e sentou-se ao lado do garoto.

A faca machucava a carne da fruta como se Marcondes quisesse machucar sua própria carne. Era uma decisão que não teria mais volta. Talvez Benjamim jamais o perdoasse. Jamais o entendesse. Mas o desesperado pai estava desesperado. E algo iria morrer definitivamente naquele dia.

Marcondes aproximou-se do jovem, e com o braço esquerdo o envolveu em seu colo. – Chega mais perto do pai, meu filho! O menino então olhou-o no fundo dos olhos como se previsse que algo aconteceria. Ficou em silêncio aguardando que seu pai continuasse a fazer o que estava decidido fazer. O menino viu uma lágrima escorrer, e os lábios de seu pai tremerem até que balbuciantes e chocantes palavras foram pronunciadas: - Meu filho, Papai-Noel não existe!

Com aquelas palavras, naquele dia uma crença morreu. Benjamim deixou a acreditar no natal.















quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Os 7 maiores detetives da literatura mundial

Encontrei neste blog uma interessante lista com os 7 maiores detetives da literatura mundial. Clique AKI e veja.

Digite aqui o resto do post
A estrada como de costume estava deserta naquela madrugada. Os três amigos, cada qual mais embriagado que o outro, ziguezagueavam sobre o asfalto áspero que cortava a pequena cidade de Pantano Grande ao meio. O lugar, no coração do Rio Grande era pacato, e não tinha mais que dez mil habitantes. Os amigos, Cleiton, Eduardo e Jeferson, voltavam para casa depois da festa num clube da cidade...

Do centro até os sítios onde moravam, pouco mais de seis quilômetros, e mesmo bêbados eles voltavam a pé para casa. Cleiton abriu seu telefone celular e verificou que já passava das cinco. Eduardo parou sobre o acostamento, abriu seu zíper e pôs-se a urinar toda a cerveja que bebera na festa. Os outros dois o seguiram, e enquanto encharcavam o solo com o líquido ácido e quente que saia de seus pênis, cantarolavam aos gritos uma canção desafinada. Nem mesmos os dois olhos de luzes que despontava antes da curva inibiram o grupo, e quando o carro passou por eles, se viraram para a estrada apontando seus membros em direção do veículo. O carro passou sem percebê-los.

O trio, mais alegre que o de costume, seguiu seu caminho. Com os pés cansados, tiraram os sapatos, e caminhavam sentindo o sereno da primavera. A cantoria continuava. Apenas a canção se alterou, e logo no início de uma curva que abria as cortinas para o cemitério municipal, ao invés das baladas populares começaram a entoar a ave-maria e o pai nosso. Cleosvaldo, o vigia, escondeu-se atrás dos muros jogando-lhe pedras, mas o álcool impedia que os amigos temessem ate mesmo os mortos. Estavam na metade do caminho para casa.

A propriedade dos pais de Jeferson era um pouco antes da dos irmãos Eduardo e Cleiton. – É to quase chegando! Disse Jeferson de forma atrapalhada e gaguejante. Antes da porteira que dava acesso para o sítio, cruzaram pelo milharal. Era um atalho. As espigas estavam verdes. Tenras e doces. – Ajuda a diminuir o álcool no sangue. Dizia Eduardo ao desfolhar e devorar uma espiga inteira enquanto cruzava pela plantação.

- Não sei por que, mas detesto milharal. Disse Jeferson.
- É parece que tem sempre alguém nos espionando. Respondeu cleiton.
- Essas folhas, se roçando... Chega até mesmo dar arrepios. E você, Duda? Duda? Duda...

Eduardo não respondeu a nenhum deles. – Deixa de ser idiota moleque. Pensa que vai nos assustar. Os dois seguiram pelo milharal. Um vento que começou a soprar mais forte dava a impressão que dezenas de pessoas circulavam pela plantação. – O idiota do Duda, pensou que ia nos assustar... Não é Cleiton? Cleiton? Cleiton...

Cleiton também havia desparecido? Ou seria apenas uma brincadeira de mau gosto. Jeferson bem conhecia os dois, e preferiu continuar caminhando no mesmo passo, do que servir de piada no dia seguinte. “Droga de plantação! Parece que tem sempre alguém nos seguindo!” murmurava em vos baixa. Seus olhos estalados olhavam em todas direções, pois queria estar prevenido quanto alguma aparição abrupta de seus amigos. Não queria deixar-se levar pelo susto. Com as mãos abria caminho entre as folhagens da planta. O milharal estava quase vencido.

Mas ele não conseguia observar a tudo, e tropeçou em algo. Na verdade foi levado a tropeçar, pois antes de seu corpo se espatifar no chão, percebeu que uma espécie de laço, com três pesos nas pontas o desequilibrara. Nem bem caiu uma rede caiu sobre seu corpo, lhe causando pequenos choques elétricos. Com os olhos enfumaçados, e a consciência lhe fugindo sentiu seu corpo sendo arrastado pela terra fofa.

Jeferson, mesmo com a visão turva movimentou sua cabeça para tentar ver quem o havia capturado. Pode ver apenas um par de pés descalços. Não eram pés humanos. Eram pés enormes, esverdeados, e escamosos... Dos calcanhares duas grandes unhas encurvadas se assemelhavam com ferrões. Aquele par de pés levava seu dono - que devia ter mais de dois metros de altura, se a julgar pelo tamanho dos pés – a passos lentos e torturantes em direção de uma luz forte.


Jeferson voltou então a rezar, como fizera a pouco, quando cruzara pelo cemitério. Mas dessa vez o cântico estava afinado, e bem mais sincero. Porém talvez a brincadeira anterior tenha irritado ao poder celeste, e sua oração não foi ouvida.





quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A ultima tarde de Mário

Até onde vai nossa honestidade e nossa moral? Esta pergunta martelava insistentemente o cérebro de Mario Bergmann. A casa dos trinta lhe chegava, e o marasmo de sua vida inútil lhe assustava. Era um terço de uma vida para quem desejava ultrapassar os noventa, e até ali suas escolhas haviam sido erradas, afinal, em sua testa via escrito fracasso cada vez que se refletia no espelho...

Era uma terça-feira de calor insuportável, dezembro transformava a metrópole num verdadeiro inferno. Quinze pra três da tarde, e ele caminhava apressadamente pelas ruas do centro. Era o último dia de depositar os valores do aluguel. Isto o chateava. Sua vida não existia, ele apenas contava regressivamente a chegada de sei fim. Depois disso, nada que marcasse sua existência seria legado à humanidade. Mario não queria apenas morrer, partir sem deixar qualquer rastro, mas isto não lhe era possível... Sem dinheiro, não a imortalidade, não há grande feitos, e ele teria de se contentar com a burocracia do escritório administrativo, e ao final do mês receber uma gratificação que lhe permitisse sobreviver.

Era Mario um sujeito metido a filósofo. Mesmo que ninguém o visse assim, ele elaborava teorias solitárias. Para ele a grande parte da humanidade apenas sobrevive. Passa trinta dias aguardando outros trinta, sempre iguais... Viver ao contrário, era algo mais complexo, implicava em felicidade, alegrias, e para isto, Mário era taxativo, apenas o dinheiro proporcionava. Uma vida sem pensar em contas, poder ir e vir para o lugar desejado, divertir-se... Tudo isto lhe custava caro.

Quando ele entrou no Banco faltavam cinco minutos para o fechamento da agência. Estavam todos lá. Marcílio, o guarda, o Gerente Vicenzo, e lógico uma fila de clientes. Mário suava. De seu rosto envelhecido pingos d’água escorriam até sua blusa. O guarda cumprimentou-o, como sempre, afinal era um cliente assíduo. Nunca de grandes valores, mas de pequenas quantias, sacadas e depositadas quase que diariamente. Mário foi então ao seu encontro, como se fosse cumprimentar-lhe. Mas não o fez, ao contrário, sacou uma arma de dentro da pasta e mirou na cabeça do guarda. Ele levantou as mãos, e Mário lhe retirou a arma. Depois jogou a pistola de brinquedo no chão, e anunciou o assalto com o 38 do próprio guarda em mãos.

Gritos, tentativas de correria, e o homem resoluto do que faria disparou para o alto. Foi até o gerente e lhe exigiu a chave do cofre. Era dia de pagamento de aposentados, ele sabia que havia volume em seu interior. O gerente tentou despistá-lo, mas o homem decidido mirou num dos homens atirado ao chão e acertou-lhe a cabeça. – Não estou brincando! Bradou firmemente.


O gerente começou a recolher o dinheiro com a pistola sobre sua cabeça. O saco ia se avolumando. Mário já cogitava tirar umas férias. As sirenes se aproximavam, e quando ele deu o assalto por finalizado, e estava satisfeito com a quantia arrecadada se retirou da agência, com gerente engravatado por seus braços firmes, e sempre na mira do revólver.

Tudo havia sido planejado por Mário. O assalto, a saída com o refém, á fuga no primeiro carro que lhe surgisse, até mesmo uma possível perseguição, estava cogitada. Porém Mário não era ladrão. Nunca foi. Até mesmo para ser bandido se carece de experiência, de vocação. Um homem pacato como ele jamais calcularia todas as variantes de uma ação criminosa.

O tempo para ele parecia muito rápido. Mas não tão rápido que não permitisse a posição dos atiradores de elite. Foi de um deles que partiu a bala certeira, que lhe atravessou a cabeça. Os seus dedos pesados pela chegada da morte chegaram a disparar o gatilho, mas atingiram o gerente de raspão. Mário caiu morto, manchando a calçada de vermelha, pelo seu sangue em poças que deslizava até o primeiro bueiro que encontrou. Não sei qual era o desejo de Mário naquela tarde confusa e trágica. Talvez fosse apenas o dinheiro, talvez fosse encontrar a morte, e a falta de coragem nunca lhe permitiu fazer isto com as próprias mãos. Apenas sei que ele não chegará aos desejados noventa anos. Abreviou em dois terços, sua vontade de viver, e o máximo que conseguiu de reconhecimento foi seu nome em pequenas reportagens na página policial, que davam conta da tentativa de assalto frustrada. Até mesmo ao ganhar seu minuto de fama, Mário, apresentou-se como um fracassado.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

NATÉRCIO, O LOBISOMEM CONTRARIADO

Havia quatro homens dentro do bar. Ariovaldo, Natércio, Oliveira e o dono, Joelmir. Passava da meia noite de uma sexta-feira treze, e a chuva torrencial produzia assustadora sonoridade ao se chocar com o telhado da construção rústica e mal acaba. Sobre a mesa de lata estampando propaganda de cerveja uma dúzia de garrafas vazias repousava. Estavam todos bêbados...

Jogavam sinuca, falavam de mulheres, e bebiam... - A última, Joelmir. Disse Natércio, homem que todos tinham por lobisomem. O assunto lhe era desagradável, e Oliveira, o mais pândego entre eles resolveu "cutucar a onça com vara curta". Nesse caso mais propriamente o lobo.

Na verdade nunca se confirmara a hipótese. Ninguém vira a metamorfose, nenhuma testemunha, apenas algumas cabras, e ovelhas dilaceradas pelso sítios vizinhos. Fatos que geraram os boatos, que recaíram sobre Natércio, um homem passado dos cinquenta, meio mulambento, com a barba sempre por fazer, pêlos espalhados por todo o corpo, inclusive nas orelhas. A associação com a fera era inevitável.

- Pois é Ariovaldo, ainda bem que o tempo tá ruim, pois se a lua cheia tivesse clara, eu que não ficaria perto do Natércio. Disse Oliveira. Ariovaldo riu, e Joelmir entrou na conversa. - Qual é o sabor da carne da cabrito, crua, heim Natércio. O homem cerrou o olhar e frangiu as sombrancelhas. - É melhor vocês pararem com este assunto. Disse.

Porém a cachaça e a cerveja normalmente embalam o humor, e els seguiram com a conversa. - Não tem problema, rapaz, pode confessar pros amigos. Mas antes de tu matar os bichinhos? Insinuava um. - Pobre das crianças, basta o companheiro chegar perto que não resta um piá nas ruas. Lembrava outro.

Distraídos na brincadeira, os três não perceberam que Natércio estava vermelho. De raiva certamente. A cerveja já lhe orientava, a o caçoar de seus amigos lhe parecia provocação. Humilhação... - Por favor, me respeitem. Bradou numa última tentativa. Em vão, continuaram com as palavras ostensivas, contra Natércio, o lobisomem.

Então ele empunhou um dos tacos de sinuca de forma firme e obstinada. Suas mãos calejadas não o soltava por nada, e partiu contra cada um de seus amigos. No dia seguinte, quando Adair Correa foi até o bar comprar pão adormecido, encontrou um cenário macabro. Três corpos mutilados tinham seus membros espalhados pelo salão do bar. - Meu Deus! O lobisomem atacou ontem à noite! Disse espantado.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Baratas Assassinas

O banheiro da casa de Bianca era espaçoso. Tinha quase dez metros quadrados, e era o lugar preferido da jovem para deleitar-se nua na banheira, um luxo que custara a seu pobre pai cerca de quatro meses de salário. Envolvida na suavidade da espuma tocando seu corpo tenro e rijo, ela não percebia a passagem do tempo, até cair nas profundezas do sono...

Ela pensava estar sonhando. Auquela gélida água lhe tocar, e o som dos motores sendo interrompidos pela queda de energia. A luz apagada revelando o lado sombrio do ambiente, pois nenhuma luminosidade penetrava no pequeno ambiente, já que a noite avançava no lado de fora...

No entanto para Bianca, apenas um sonho regado a música pop que tocava em seu Ipod. Havia sido um dia difícil de provas na faculdade, e atirada ao descanso merecido, as sutis patas que tilitavam ao tocar o piso cerâmico não foram percebidas... Mas eram centenas, milhares...

O chão branco, de uma higiene impecavél era tomada pelos insetos vorazes que emergiam dos ralos putridos do esgoto da metrópole. Baratas, gigantes, por sinal em comparação ao seu tamanho habitual. No entanto, para o azar da jovem distraída era a fome irracional que se abatia sobre asquerosos seres vivos, que formavam pilhas uma sobre as outras para avançar verticalmente pela banheira.

Algumas morreram afogadas em sacríficios pelo bando, que logo alcançou a saborosa e tenra carne de Bianca. Seus dentes minúsculos, se constituía em feroz e atroz navalha, rasgando a pureza e a vida de Bianca, que em vão tentou gritar por socorro, mas logo foi calada, e suas cordas vocais rasgadas pelos monstruosos animais.

Quando sua Mãe Lucia adentrou no banheiro após seu pai arrombar a porta com chutes, a jovem havia desaperecido, e nem mesmos de seus ossos havia restado vestígios. A baratas haviam roído cada célula daquela moça. A banheira estava vazia, sem Bianca, e apenas com uma ou duas gotas de sangue...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Um twitter pra lá de estranho.

Descrube em minha lista de seguidores no Twitter, um cidadão um tanto estranho, e que no mínimo tomou umas três xícaras de cha de cogumelo. Clique aqui e confira o doidão.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Motel Viena

Claudia estava submersa na banheira. Totalmente nua. A água quente e borbulhante tocava sua pele, e ela relaxava num descanso merecido. Ao longe admirava seu esposo em sono profundo sobre a cama. Jorge havia sido especialmente magnífico naquela noite. Com ele, Mariana e Ricardo dividiam o mesmo espaço. A loira tinha realmente um corpo descomunal. Suas coxas fartas, sem bumbum saliente se mostravam uma visão de deleite. Claudia nunca admitira, mas sempre tivera curiosidade em saber como era amar outra mulher. E ela não teve arrependimentos. Ricardo, da mesma forma era um bom amante, e os quatro haviam realizado todos os seus desejos...

A morena de seios fartos e lábios carnudos pensava na cumplicidade de seu esposo. Há poucos homens como Jorge. Abertos a novas experiências, modernos... Era a imagem que ela compunha de seu companheiro de mais de dez anos, quando a energia caiu. A escuridão plena se apossou da suíte, e ela não podia avistar um palmo a sua frente. O trio que admirava com carinho foi encoberto por um manto negro. A hidromassagem desligou-se automaticamente. A água passava a lhe gelar o corpo eriçando cada pêlo existente em sua epiderme. Ela tinha que sair dali. Chamou pelo nome de Jorge um, duas, três vezes... Ele não respondeu. Devia estar em sono profundo. Resolveu chamar por Ricardo, e depois por Mariana, mas ninguém lhe atendeu. “Droga! Nem fizemos tanto sexo assim para ficarem imprestáveis...” Praguejou ela mentalmente.

Com a água cada vez mais fria, tateou pela toalha. Macia. De algodão, e enrolou em seu corpo. De pé, fechou os olhos buscando lembrar mentalmente a disposição dos móveis. Aquele motel lhe era um lugar estranho, e ela não queria bater suas pernas frágeis contra qualquer obstáculo. À direita recordou-se estar uma mesa com tampo de vidro onde ela e Mariana jogaram suas bolsas enquanto beijavam-se calorosamente. Só a lembrança dos dedos atrevidos da estagiária entre suas pernas lhe excitava. Queria chegar até a cama redonda, e acordar qualquer que fosse que estivesse a fim de saciá-la novamente.

Enquanto caminhava passo por passo sobre o piso gelado, já que não encontrara as pantufas, lembrava-se da tarde daquela sexta na empresa, e do impulso de Jorge em lhe propor um encontro a quatro. “Safadinho. Provavelmente havia combinado tudo com esta vadia. Ele conhece cada um na fábrica, e macacos me mordam que ele não sabia que não sabia que a estagiária andava se refestelando com o entregador pelos cantos. O flagra foi apenas um modo de me convencer a esta loucura... De qualquer forma esta valendo a pena...”

Distraída pelos pensamentos Claudia sentiu suas panturrilhas tocarem algo macio e fofo. Era o sofá, e este estava à esquerda, o que lhe indicava centralizar mais seus passos, que a cada incursão de seus pés encontravam uma peça de roupa perdida pelo chão. Persistente a calma, guiada apenas por seu instinto em meio a tanta escuridão ela finalmente chegou até a moldura da cama redonda.

Como uma gata, ela foi se aninhando entre os corpos. Eles estavam inertes, e não notavam a presença daquela mulher que desejava mais prazer. Ela roçava seu corpo, novamente nu em seus corpos. Estranhamente ela percebeu que estavam úmidos. Mas não lhe parecia um líquido comum. Era algo viscoso, e ela não podia definir o que era em meio a tanta escuridão. Seu coração começava a se agitar e suas batidas era o único som a ouvir naquele momento. Voltou a chamar um por um... Sua voz estava embargada pela preocupação daquele silêncio melancólico. Cutucou um deles. Não podia precisar qual. Com a força impregnada por suas mãos ansiosas o corpo deixou a inércia de lado pendendo para o lado direito da cama, sem responder-lhe com qualquer ação.

A aflição dera lugar ao medo no coração de Claudia. Um por um tentou acordar, e a única coisa que conseguia tatear era o líquido viscoso que os cobria. No centro das trevas ela gritou... Chorou... Não via nada. Apenas seu tato dava-lhe indícios que algo de errado acontecia. Não conseguiu estancar o choro convulsivo e solitário. Ela não sabia o que fazer. Sentou-se, e com os joelhos dobrados abraçou suas pernas numa posição que ficava quando ainda adolescente sua falecida mãe lhe punha de castigo.

De repente um chiado quebrou o silêncio monótono. Ela olho para os lados. Não via nada. Mas o som estava a cada segundo mais nítido. Até que então uma canção podia ser escutada. “Sunday bloody Sunday” dizia o refrão vindo do pequeno rádio relógio sobre o bidê. Seus números digitais de um tom alaranjado como as chamas do inferno estavam travados, e marcavam 00:10. “Como funciona, se não há luz? Que dia mesmo é hoje? Sábado... Hum! Mas deve ser quase meia noite...” O volume começou então a reduzir, e ao passo que este diminuía, o marcador movimentava seus números de forma decrescente até marcar 00:00.

No exato momento em que zerou o marcador digital a energia retornou ao quarto. A luz como as trevas é rápida e ágil, e por um instante cegou Claudia. Quando suas pálpebras sentiram-se confiantes para descerrar a cortina daquele cenário, se abriram vagarosamente. Claudia temia o que iria enxergar. E quando seus olhos finalmente lhe permitiam ver, ela queria voltar a cegueira que até instantes lhe deixava alheia ao cenário macabro daquele quarto de motel.

Sobre a cama três corpos decapitados, e esfaqueados às dezenas inundavam de vermelho os brancos lençóis de cetim. Claudia permanecia imóvel. Seus olhos vidrados miravam distante, como se sua alma viajasse para muito longe. Nem mesmo a maquiavélica faca de açougueiro jogada ao chão lhe chamava a atenção. Seu desejo era de negação. Não queria crer no que seus olhos não podiam mentir. Estavam todos mortos. Apenas ela ainda vivia.

Claudia finalmente encontrou uma solução. Na verdade a única que lhe viera ao pensamento. Levantou-se da cama e caminhou como um zumbi sem vida até a porta que dava acesso a garagem. Abriu-a e viu o carro de Jorge. Abriu a porta e recostou-se no banco. Olhou a chave na ignição e uma alternativa lhe surgiu. “Não. Não acreditarão em mim...”

Claudia sempre fora conhecida por ser uma mulher decidida. E naquela madrugada de domingo ela sabia o que fazer. Já havia tomado a decisão ao levantar-se da cama encharcada de sangue. Abriu o porta-luvas. Jorge sempre guardava a pistola naquele lugar. Ela a empunhou com firmeza, e sem titubear um único segundo, apertou o gatilho, e a bala ardente abriu-lhe um rombo no crânio. Os vidros com sangue respingado por toda a parte compuseram a ultima parte do cenário triste embalado pela música que voltava a tocar dentro da suíte...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

IML 0666

Claudio juntou todas as suas economias para adquirir seu bem mais valioso, um veiculo popular, mas que para ele se constituía num grande troféu para um homem de vidas simples e percalços rotineiros, que cada pequena coisa é uma grande vitória aos que nada tem....

Depois de muito planejamento, e com o dinheiro em punhos saiu da concessionária dirigindo seu carro, saboreando o cheiro de plástico dos bancos ainda intocados, ouvindo o som do motor ainda um tanto bruto, solicitando ser amaciado por pés firmes. Chegou em casa e na primeira noite o admirava de hora em hora.

No dia seguinte o operário foi até o centro de registros. Afinal, seu novo bem precisava de uma carteira de identidade, e assim como seu erregê, o carro tinha que ter uma placa. E foi no balcão do órgão público que seu sonho começou a tornar-se um pesadelo. – IML 0666, Senhor. – O quê? – Sua placa Senhor, IML O666. Disse o servidor.

Nada além dos carros do rabecão acostumados a carregarem defuntos veio ao pensamento de Claudio. “Instituto Médico Legal. Que Merda!” Pensou ele. – Posso trocar? – Pode senhor, serão mais setecentos reais em taxas. – Como? O senhor pode escolher a placa. A taxa é setecentos reais, senhor! – Mas não tenho esse dinheiro. Não da pra ti mesmo trocar? – Infelizmente, não posso fazer nada senhor, o sistema é automático. – Mas... Claudio tentou ponderar, mas contra o sistema, ninguém vence, pois ele é um inimigo invisível. Contrariado, saiu com o carro emplacado. “IML 0666. Que número mais desgraçado. Claudio, 666 não é o número do capeta?” Conversava consigo mesmo.

Contrariado entrou na rodovia que levaria até sua casa, indignado com a placa do veículo, e contra o servidor que o atendera. “Filho da mãe...” E tantos outros palavrões emanavam de sua mente que a única imagem que lhe vinha era o debate no centro de registro, e o sorriso sádico do atendente que lhe informara a placa.

Claudio formava teorias conspiratórias. “Ele sabia... Fez para me irritar... Filho da mãe... Aqueles olhos cintilantes me olhando, negros como a piada que me dizia... Aquele sorriso largo de alegria em ver alguém assustado... aquele cavanhaque ridículo... filho da mãe...”

Absorto na imagem sarcástica do homem Claudio não percebeu a carreta cada vez mais próxima, tampouco ouviu a buzina estridente, e nem o grunhindo dos pneus, e mergulhou para a morte, ficando seu corpo entre os ferros daquilo que um dia fora seu grande sonho. Se seus olhos arregalados, petrificados pelo horror da morte, se revelassem a última imagem de sua vida, lá estaria aquele homem... Sorrindo...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A batalha de Akbar Mastich

Akbar Mastich tinha mais de trezentos anos. O velho de baixa estatura não media mais que um metro e meio, e sua barbas com manchas brancas pendia para traz por causa da velocidade que o impelia ao extremo norte. Ele tinha de atrevassar o paredão de Bekisauan, e o tempo escorria entre seus dedos. Os galhos secos caídos no bosque arranhavam sua pele rugosa, mas não o impediam de proseguir...

Do outro lado havia um jovem a ser recrutado, e o velho tinha de estar do outro lado do paredão antes que o portal se fechasse. Em sua mente praguejava sua genética, linhagem de administradores que perambulam entre os mais diversos mundos, corrigindo falhas num universo muito além do que as mentes sãs podem imaginar.

Há dois dias ele se desprendera na jornada. Quando finalmente chegou à grande parede feita de rochas impenetraveis teve de escalar o terreno íngreme através da Escadaria Mor, que o levaria até o bacal de uma caverna que dava acesso aos túneis negros. Quatro dias e quatro noites foram necessárias para que o velho chegasse a um quarto do paredão, onde a entrada secreta o aguardava.

Conhcedor dos perigos nos túneis negros caminhava em silêncio, sem que qualquer luz fosse acessa. Em certos pontos tinha de gatinhar, arrastar-se, mergulhado em intensa treva. Ao fim do primeiro dia sob plena escuridão a grande batalha ocorreu.

Em um dos saguões mais amplos dos túneis enquanto aproveitava para alimentar-se com folhas de Guabirova, o velho sentiu o solo pedregoso oscilar. Algo tremendamente mosntruose se aproximava. E naquele lugar nenhum habitante era amistoso, por isso Akbar tentou esconder-se. Em vão, Jagua - Tê, o último da raça dos Teju havia sentido seu cheiro. Nas cavernas não há alimentos e sem ter acesso as frutas e ao mel, comida predileta de Jagua - Tê, desde que fora expulso da floresta, o monstro acostumou-se ao sabor da carne. Há dias ele não se alimentava, e quando seu olfato sentiu a presença do velho, mesmo sabendo que sua carne não era saborosa, decidiu comê-lo.

Quando das sombras o velho Akbar viu surgir uma silueta enorme vindo em sua direção, viu-se obrigado em acender seu lampião de emergência, revelando a ele o Teju. O monstro tinha o corpo de lagarto com quase cinco metros de comprimento de onde sete cabeças de cão mostravam seus dentes cerrados. O velho pôs-se a correr entre os túneis sendo seguido pelo monstro que se arrastava com agilidade entre os túneis.

Astuto, Akbar corria até encontrar um túnel mais estreito onde o mosntro não pudesse segui-lo. No entanto tropeçou em uma pedra, estatelando-se no chão. Quando pensou em reerguer-se, o monstro estava sobre ele, com suas cabeças famintas expelindo uma baba fedorenta.

Mas a velhice também não tirara de Mastich a agilidade, e cada vez que uma das cabeças dava o bote tentando abocanhá-lo, o velho driblava como maestria. Mesma maestria usada para sacar sua adaga de lâmina cortante, com a qual rasgou cabeça a cabeça do monstro, única forma de matá-lo.

A batalha nas cavernas roubara tempo do velho. Foi uma luta de quase vinte e quatro horas, e ele não teve mais tempo para descansar, correndo contra o tempo, e no décimo primeiro dia de sua jornada finalmente chegou exausto ao seu destino: A velha ponte no Cânion tapesh.

*****

Quando o jovem Alexander despertou com sonolência, ficou impressionado com o volume de ação em seu sonho. Pensou em até mesmo rabiscar algo em seu caderno, idéia abandonada antes mesmo de regressar do banheiro, com rosto lavado e dentes escovados. A imagem da velha ponte se perdera de seus pensamentos antes mesmo que o dia chegasse em sua metade. "Afinal, foi só um sonho, nada mais!"

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Os esquecidos - Canibais

Porto Alegre está quente nesta tarde de primavera. A selva de concreto que nos transformamos cada vez mais avança sobre nós, e torna nosso habitat mais infernal. São ônibus que cruzam seus corredores guiados por motoristas absortos em seus problemas, carros que enchem as avenidas num ritmo frenético, orquestrado por buzinas, e muitas vezes por conflitos e palavras de baixo calão...

Confesso nunca ter notado antes estes cenário caótico. No entanto dizem que a proximidade com a morte nos deixa mais sensíveis, e assim estou nesta tarde. Sensível. Percebo toda esta agitação, mesmo com meus passos apressados descendo a Barros Cassal. O relógio marca treze horas, e muitos auxiliares administrativos dos prédios comercial dos arredores aproveitam sua meia hora de almoço para conversarem na calçada, fumarem um cigarro, ou até mesmo cuspir o café e reclamar da qualidade, com uma morena que olha admirada ao colega que consegue sorver a bebida fraca, e morna.

Meu destino é a estação rodoviária. Por alguns segundos fico na dúvida, sigo pela Voluntários até o viaduto, ou vou pela Garibaldi, trajeto mais simples. Decido fugir dos mendigos, e das prostitutas que decoram a Garibaldi, e sigo pela voluntários, atravessando de forma destemperada seu trânsito de fluxo contínuo e veloz. Quero evitar um trecho mais longo até a faixa de segurança, e logo estou do outro lado, que me dá acesso às calçadas sob o viaduto. O céu está azul, mas o odor de urina é insuportável, e sozinho naquele caminho percebo que ele não é muito utilizado.

Olho para o asfalto quente, e carros passam sem notar minha presença, só acompanhada pelos olhos de uma gente que sequer podem assim ser denominadas. Seus corpos são cobertos por uma pele suja, cheia de cicatrizes, vestindo maltrapilhos, que só por sua imundície são capazes de causar uma infecção. Moram ali imagino. E não são poucos, que me miram com seus olhos esbugalhados, e bocas cujos dentes se perderam, e os que restam estão amarelos, e podres. “Esquecidos”. Assim os denomino. Carros e pessoas que por ali passam, nãos os vêem, ou fingem... Mas alie estão. Famintos, farrapos, cenograficamente se assemelham a zumbis que vimos nos cinemas. Culpo-me por percebê-los. Antes tivesse tomado outro caminho.

Meus passos se tornam mais rápidos, e logo estou prestes a atravessar sobre o asfalto do viaduto. Os veículos vindos dos bairros da capital me ignoram. Afinal, não era para estar ali. Não qualquer sinal que permita minha travessia, mas eu insisto. Sinto apenas a dor do choque de minhas amolecidas carnes contra o duro e vil metal do coletivo que esfacela meu corpo em dezenas de pedaços. Então os “Esquecidos”, por alguma providência são lembrados, e minhas carnes agora jazem em seus dentes carcomidos pelas cáries. Por um instante a sociedade lembrou-se dos “Esquecidos”, frente à chocante cena que assistiam, mas logo esqueceriam, e os habitantes daquele viaduto voltariam à penumbra do anonimato.










sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A terra de um homem só.

A luz alaranjada abria espaço entre os troncos dos velhos carvalhos do bosque. Nestas nesgas luminosas as sombras recuavam, revelando ao pequeno ser alado o pequeno e exótico vilarejo, que se estendia na vertical do tronco, de uma das maiores árvores do bosque. Erguidos sobre três copas de cogumelos, a pequena vila se mostrava especialmente silenciosa naquele anoitecer....

O ser alado, de feições doces e tão femininas, quanto as mais belas mulheres de fora da floresta encantou-se com o lugar, que lhe parecia tão calmo e amigável. Escadas de madeira elevavam-se até as copas dos fungos que serviam de base á sua arquitetura. Na copa maior, e mais próxima ao solo, um conjunto de chalés cujas telhas em formato de “A” quase tocavam o chão, e seguiam em fileira, culminando seu fim próximo ao caule, onde entre eles restava uma velha casa feita de pedras. Na copa intermediária uma igreja imponente se erguia, e abria caminho para a menor das três copas, onde um velho e pequeno castelo sem impunha sobre a comunidade, com um amplo jardim.

Laurian era o nome do ser que voava perdida pelo bosque. Sua estatura era mínima, mas mantinha a formosura e as curvas de uma mulher comum, e passaria despercebida, não fosse sua pequena estatura, e as asas que a permitiam voar. Desde jovem, quando ainda gozava de seu primeiro centenário, era curiosa. Por isso quis chegar ao estranho vilarejo, do qual jamais ouvira falar.

Resolveu descansar suas asas e pôs-se a caminhar sobre a maciez da copa dos cogumelos. As luzes estavam acesas, nas casas, na igreja, e em uma das torres do castelo, onde dois pontos luminosos podiam ser avistados. Porém não havia sequer um único habitante dali dispostos a enfiarem o nariz para fora da porta. Pelo menos foi o que pensou Laurian, num primeiro momento.

Sua idéia foi logo desfeita ao perceber um dos chalés com as portas abertas. Chamou pelos proprietários até cansar sua voz e não ser atendida. Vencida pela curiosidade invadiu a casa. Estava vazia, sem qualquer habitante. Mas estranhamente, estava organizada como se seus donos recentemente houvessem saídos de casa. Até mesmo a mesa posta para o jantar os aguardava. Foi quando resolveu sair antes que chegassem e a vissem bisbilhotando onde não fora chamada. Percebeu que todos os chalés se encontravam da mesma forma. Aguardando por seus donos.

Devem estar na Igreja. Pensou. Subiu pela escada, e pelas escadarias do templo, mas não ouviu uma oração sequer. Abriu as portas, e nada. Nem mesmo o padre estava lá. O odor do sereno misturado ao do mistério que envolvia aquele anoitecer a impulsionava ir mais adiante. O castelo. Só podiam estar ali. Onde teriam ido senão a um grande baile real.

Com as portas destrancadas, o castelo, que para Lauriam era imenso, construído em pequenas peças de tijolos mais parecia a uma fortaleza, que ao castelo de um rei. Surpreendentemente também estava vazio. Lembrou-se a jovem das luzes acesas, e subiu ao segundo andar, chegando a um corredor ladrilhado por mármores coloridos, e iluminados por grossas velas. Este corredor dava a um grande salão, que ao fundo ostentava um trono cravejado em ouro e prata, em que repousava um ser de aspecto envelhecido e raivoso. Não se podia ver um sorriso sequer nas feições daquele pequeno homem, cuja pele se compunha de um alaranjado capaz de passar uma estranha sensação de calor a nossa pequena Lauriam.

O Rei solitário não respondeu uma pergunta sequer da menina alada. Mantinha seu silêncio e seu rosto fechado. Espantando a curiosidade, e dando lugar ao medo a jovem virou seu corpo para a saída. Foi quando o homem fez seu único gesto, acionando um botão que desencadeou uma série de ações engenhosas, finalizando na prisão de Lauriam numa gaiola construída por pequenos galhos. A gaiola foi levada ao terceiro andar da torre, onde a jovem deveria aguardar por seu inglório destino.

Pedindo por socorro sem ser escutada, Lauriam sequer viu as lágrimas que corriam pela densa barba de seu algoz. Sentia remorso, pelos seus atos. E a visão doce daquela jovem, fazia brotar o resto de bons sentimentos que lhe restavam. Porém sabia o Rei que as águias noturnas eram intolerantes, e não aceitariam que ele quebrasse acordos. Precisava de proteção ao seu reino de um homem só. Reino que na verdade era uma grande armadilha apresentada a viajantes curiosos. Sempre fora apenas ele. Mais ninguém. Era sua vida que dependia daquilo, e or mais remorso que sentia naquela noite, Lauriam seguiria com o restante da carga destinada ao pagamento de seu contrato com as águias. Afinal sua existência solitária dependia da curiosidade dos viajantes da floresta.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A nova sensação do terror lança o livro A caveira

Para comprar o livro clique na imagem, ou visite o site www.clubedeautores.com.br
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O reino de um Rei só!

A luz alaranjada abria espaço entre os troncos dos velhos carvalhos do bosque. Nestas nesgas luminosas as sombras recuavam, revelando ao pequeno ser alado o pequeno e exótico vilarejo, que se estendia na vertical do tronco, de uma das maiores árvores do bosque. Erguidos sobre três copas de cogumelos, a pequena vila se mostrava especialmente silenciosa naquele anoitecer.

O ser alado, de feições doces e tão femininas, quanto as mais belas mulheres de fora da floresta encantou-se com o lugar, que lhe parecia tão calmo e amigável. Escadas de madeira elevavam-se até as copas dos fungos que serviam de base á sua arquitetura. Na copa maior, e mais próxima ao solo, um conjunto de chalés cujas telhas em formato de “A” quase tocavam o chão, e seguiam em fileira, culminando seu fim próximo ao caule, onde entre eles restava uma velha casa feita de pedras. Na copa intermediária uma igreja imponente se erguia, e abria caminho para a menor das três copas, onde um velho e pequeno castelo sem impunha sobre a comunidade, com um amplo jardim.

Laurian era o nome do ser que voava perdida pelo bosque. Sua estatura era mínima, mas mantinha a formosura e as curvas de uma mulher comum, e passaria despercebida, não fosse sua pequena estatura, e as asas que a permitiam voar. Desde jovem, quando ainda gozava de seu primeiro centenário, era curiosa. Por isso quis chegar ao estranho vilarejo, do qual jamais ouvira falar.

Resolveu descansar suas asas e pôs-se a caminhar sobre a maciez da copa dos cogumelos. As luzes estavam acesas, nas casas, na igreja, e em uma das torres do castelo, onde dois pontos luminosos podiam ser avistados. Porém não havia sequer um único habitante dali dispostos a enfiarem o nariz para fora da porta. Pelo menos foi o que pensou Laurian, num primeiro momento.

Sua idéia foi logo desfeita ao perceber um dos chalés com as portas abertas. Chamou pelos proprietários até cansar sua voz e não ser atendida. Vencida pela curiosidade invadiu a casa. Estava vazia, sem qualquer habitante. Mas estranhamente, estava organizada como se seus donos recentemente houvessem saídos de casa. Até mesmo a mesa posta para o jantar os aguardava. Foi quando resolveu sair antes que chegassem e a vissem bisbilhotando onde não fora chamada. Percebeu que todos os chalés se encontravam da mesma forma. Aguardando por seus donos.

Devem estar na Igreja. Pensou. Subiu pela escada, e pelas escadarias do templo, mas não ouviu uma oração sequer. Abriu as portas, e nada. Nem mesmo o padre estava lá. O odor do sereno misturado ao do mistério que envolvia aquele anoitecer a impulsionava ir mais adiante. O castelo. Só podiam estar ali. Onde teriam ido senão a um grande baile real.

Com as portas destrancadas, o castelo, que para Lauriam era imenso, construído em pequenas peças de tijolos mais parecia a uma fortaleza, que ao castelo de um rei. Surpreendentemente também estava vazio. Lembrou-se a jovem das luzes acesas, e subiu ao segundo andar, chegando a um corredor ladrilhado por mármores coloridos, e iluminados por grossas velas. Este corredor dava a um grande salão, que ao fundo ostentava um trono cravejado em ouro e prata, em que repousava um ser de aspecto envelhecido e raivoso. Não se podia ver um sorriso sequer nas feições daquele pequeno homem, cuja pele se compunha de um alaranjado capaz de passar uma estranha sensação de calor a nossa pequena Lauriam.

O Rei solitário não respondeu uma pergunta sequer da menina alada. Mantinha seu silêncio e seu rosto fechado. Espantando a curiosidade, e dando lugar ao medo a jovem virou seu corpo para a saída. Foi quando o homem fez seu único gesto, acionando um botão que desencadeou uma série de ações engenhosas, finalizando na prisão de Lauriam numa gaiola construída por pequenos galhos. A gaiola foi levada ao terceiro andar da torre, onde a jovem deveria aguardar por seu inglório destino.

Pedindo por socorro sem ser escutada, Lauriam sequer viu as lágrimas que corriam pela densa barba de seu algoz. Sentia remorso, pelos seus atos. E a visão doce daquela jovem, fazia brotar o resto de bons sentimentos que lhe restavam. Porém sabia o Rei que as águias noturnas eram intolerantes, e não aceitariam que ele quebrasse acordos. Precisava de proteção ao seu reino de um homem só. Reino que na verdade era uma grande armadilha apresentada a viajantes curiosos. Sempre fora apenas ele. Mais ninguém. Era sua vida que dependia daquilo, e or mais remorso que sentia naquela noite, Lauriam seguiria com o restante da carga destinada ao pagamento de seu contrato com as águias. Afinal sua existência solitária dependia da curiosidade dos viajantes da floresta.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

CTRL+ALT+DEL



No canto inferior direito da tela, o relógio anuncia que são 02h35min min. David não nota, tampouco lhe interessa tal informação. O quarto, pequeno, e os cartazes de “Starwars” distribuídos por suas paredes, revelados pela parca luz vinda de um monitor de dezessete polegadas, são como o mundo paralelo criado por autistas. Simplesmente não existem...


A cama ainda feita por sua mãe no dia anterior e os livros de Harry Potter sobre o bidê são desdenhados pelo jovem. Há mais de oito horas seu único habitat, era a cadeira, posta na escrivaninha onde seu fiel amigo, um computador dos mais modernos, ganho no último natal, lhe aguardava ansiosamente.
Iniciava sua rotina, nas redes sociais, em conversas pelo Messenger, atualizando seus três blogs. Aproveitava também certo tempo para ler e-mails, e buscar novidades na rede, para somente após ter a certeza de ser o único ser vivo ainda acordado no apartamento dividido com seus pais e sua avó materna, é que o garoto trocava de interesses.
E era justamente neste momento, que parecia despregar-se do mundo real. Seu corpo não movia sequer um músculo, exceto os dos seus lábios, movendo-se insinuando um gesto de fome. Deveras, trazia seu aspecto ar faminto, desejando o impossível, e invadir o streaming do vídeo.
Como era bela aquela mulher. Sem pudor algum, e com uma mensalidade de U$$ 9,95, debitados automaticamente de sua conta paypal, ela despia-se vagarosamente, revelando pouco a pouco suas curvas voluptuosas. Seus lábios carnudos mordiscavam a ponta de seus dedos... Chupava-os... Olhava diretamente para o aparelho que lhe levava quem sabe a uma centena de milhares de casas. Mas para David, era para ele que ela se entregava. Tirando o sutiã, sem antes de realizar duas dezenas de movimentos sensuais, e outra dezena de ameaças até finalmente revelar dois belos montes de bicos rijos. Seria excitação, ou o ar-condicionado da sala cercada de diretores? Para David, isto não importava.
Queria mesmo e vê-la nua. E isto estava cada vez mais próximo. As mãos da donzela, fina, delicada, e de dedos longos, suavemente passeava por seu ventre... Seu umbigo... E furtivamente invadia o algodão branco que cobria suas partes íntimas... David podia sentir seu calor, seu sabor, seu cheiro... Mais uma vez ameaçava revelar-se por inteiro. David aguardava por isso. Sua bermuda era incapaz de conter a excitação de seu corpo... “Vadia”! Sussurrava o jovem, num misto de xingamento e pedido para ela despir-se logo...
No entanto vieram novas ameaças. Mas nada de ficar nua. Seus olhos refletiam sacanagem. Seus dedos convidavam a câmera... Convidavam David para entrar no computador.
Como recriminar sua distração. Qual de nós não cometeria mesmo engano com tais imagens. Seus pêlos pubianos surgiam... Como poderia David ver a mensagem do antivírus? A calcinha como uma caixa de chocolates que se abre vagarosamente, descia roçando em suas coxas grossas. Numas das mãos o pano branco era retirado, com a outra tocava carinhosamente seu próprio sexo. Não a como culpar David por não perceber o cabo USB ganhando vida, e serpentear pelo ar, em busca de seu corpo. Conectando-se violentamente em seu cérebro... Eu mesmo não perceberia.
Ele praguejou apenas pelo emaranhado de estática que invadiu o monitor, levando embora sua amada. A tela parecia ganhar vida e perder-se no nada... “Seria algum vírus?” Questionou-se. Sabia ela que não havia tempo. CTRL+ALT+DEL, fosse talvez sua única salvação... Dele e de seu fiel amigo... O jovem não hesitou. Dois dedos da mão esquerda e um na direita pressionam o teclado com extrema raiva...
Era tarde. Tudo se apaga. Até mesmo David.

sábado, 12 de setembro de 2009

O Contato

Não há paisagem mais bela que o coração do Rio Grande. Principalmente naquele cantinho de cidade, cujo nome não soa bem, e que muito se distancia de pântano. É o meu sítio, modesto, pequeno, mas que noutra parte, beleza de céu não existe. Os altiplanos que me cercam, formam uma abóboda estrelada, cuja noite limpa revela toda a magnitude de um universo, onde somos miniaturas. É verão, e faz calor...

que se alivia com a brisa que toca o rosto, enquanto olho para cada ponto cintilante, como se buscasse qualquer resposta. Não há luar, tampouco nuvens. Apenas a imensidão, e as estrelas que a firmam. As folhas da uva-do-japão dançam vagarosamente, com um vento incapaz de despentear-me. Trago um gole da cerveja posta aos pés da cadeira, e relembro de Jane. Linda mulher... Linda mulher... Mas um clarão furta-me doce lembrança. É um risco que rasga a tranquilidade da paisagem cuspindo línguas de fogo. Meus cabelos negros esvoaçam ao vento provocado por tal fenômeno. O raio incandescente tem seu fim ao encontro de um bosque, na parte baixa de minha propriedade. Terá sido algum avião, caído como um pássaro atingido? Pergunto-me. Empunho a espingarda e uma lanterna. Jagunço, meu fiel amigo de quatro patas segue-me. Preciso ver o que se trata, e mais do que nada ver se posso auxiliar, seja o que for que tenha se espatifado em minhas terras. Uns oitocentos metros em declive nos separam. Uma caminhada de seis ou sete minutos em passos largo. Ao me aproximar vejo que fagulhas consomem as folhas das árvores que serviram de leito aos acidentados. O cão brada... Fica arredio, e sem mais nem menos ameaça recuar... O terreno está ferido... A terra atingida forma um ninho forçado pelo objeto que se entranhou em seu leito... Meu amigo, relutante, agora tenta impedir-me de continuar. Que espécie de homem seria eu, se o obedecesse? Subi pela elevação formada. O chão estava quente. A fumaça tomava rumo ao céu... Ao atingir o ápice de altura, um buraco de dezenas de metros de diâmetro apresentava-se. No seu interior uma aeronave que jamais vira na televisão estava em chamas, mas surpreendentemente inteira. Algum experimento americano. Concluí. Um impulso humanitário fez-me passar sobre meus medos, e ir até ela socorrer seus pilotos. Por sorte, poderiam ainda estar vivos. Uma porta entreaberta deu-me acesso á aeronave. Era de um tamanho incomum. A galeria era maior que minha casa. Com passos lentos e delicados caminhei por seu corredor metálico, até apresentar-se a mim, a sala de pilotagem, onde três pilotos agonizavam... Produziam eles um odor fétido. Daí a repulsa de meu amigo, com olfato mais sensível. Eram criaturas horrendas que guiavam tal aparelho. Cada um possuía três pernas, cinco braços, uma cabeça ornada por um único olho enorme, e seus trajes violentados pelo choque revelavam sua pele escamosa e prateada... Mais não conseguirei descrever. Quando um deles apontou-me, com um de seus braços esticados apontando em minha direção, meu coração já atemorizado, entrou em grave conflito, sem saber se aquele gesto significava uma sentença, ou um pedido de ajuda. Na dúvida gastei cada cartucho de minha espingarda em suas cabeças, explodindo-as como frágeis melancias. Só parei de atirar quando tive a certeza que estavam todos mortos, e que eu enfim estava salvo.

sábado, 29 de agosto de 2009

A moradia do montro!


O final de inverno se anunciava com o tímido florescer dos ipês plantados em linha, no percurso traçado da linha reta da rua que passaria a ser meu novo endereço. Principiava setembro, e o dia estava cinzento, trazendo seu último frio. No dia seguinte assistiria ao desfile cívico, e talvez se sobrasse tempo arrumaria a pequena mudança, que cabia dentro do meu opala. Um colchão esfarrapado. Uma cômoda, meu laptop que servia de rádio e televisão, e um saco de roupas velhas adquiridas em minhas andanças. Até então me bastava isto, e meus apetrechos de artesão. Porém naquela cidade, um par de olhos esverdeados fez-me repensar minha vida errante. Na imobiliária o aluguel mais barato era o da casa 211. A última da rua, que findava num terreno baldio, coberto de vassouras e arbustos com mais de metro de altura. Aliás, apresentava a rua certo ar de desleixo. O pavimento irregular, as calçadas mal tratadas pelo tempo, e em alguns pontos inclusive a ausência destas, as sacolas de supermercado entulhando as lixeiras e empesteando o lugar com um odor forte e repugnante desenhavam uma paisagem abandonada, desmentida apenas por alguns moradores que iam para as ruas com seus rostos entristecidos... Crianças mulambentas brincavam em pátios descuidados... Mães gritavam dentro de suas casas... Meu opala, e, obviamente seu dono sentiam-se em casa. Uma trilha de lajotas levava-me até a casa. Era uma construção que pela forma que se apresentava, há muito não passava por manutenção. Suas janelas exibiam rombos, vidros estilhaçados, e a madeira coberta de musgos, liquens e ferrugens davam ares de abandono. "Por quanto tempo estivera abandonada?" Pensava. A porta, feita de madeira nobre parecia-me o que de melhor existia naquela construção. Um arrepio eriçava os pêlos de meu corpo em pensar no que encontraria lá dentro. O pórtico de entrada abrigou-me do chuvisqueiro, fino e frio que corria na rua. Tentei abrir a porta, mas a chave, daqueles modelos antigos, não possuía tal poder. Saí vitorioso nesta batalha depois de três horas, e mais uma dezena de pontapés. Quando finalmente entrei em meu novo lar, fui praticamente sugado para o porão, pois o assoalho cedeu, devido à podridão. Com alguns arranhões e hematomas, me reergui, para continuar a exploração, a estas alturas já coberto pela penumbra da noite que chegava. A casa modesta apresentava um único andar, e da sala um corredor levava á cozinha, e nesta se tinha acesso ao quarto. Um cheiro forte de mofo, e o ranger de cada passo que avançava sobre a madeira irritavam-me. Na cozinha uma pia velha parecia coberta de sujeira e com ossos cuja identificação me passou despercebido. Um grande erro por sinal. Suas paredes respingadas por óleo, ou algum outro tipo de liquido era capaz de assustar, até mesmo os mais corajosos. Imagine como pulsava meu coração, que ficava exatamente na coluna do meio. Entre a curiosidade, o medo, e a vontade de sair correndo daquele lugar, infelizmente venceu a primeira, afinal havia ainda um cômodo inexplorado. Justamente o que seria ocupado de maneira mais assídua, o único a ganhar mobília... O quarto. A porta que lhe dava acesso estava entreaberta. Hesitei por alguns segundos, até que criei forças adentrando naquele cômodo mais obscuro que os outros. O cheiro forte de mofo e podridão acentuou-se. Via pouca coisa. O olfato fazia-me recuar, porém a curiosidade... Sempre ela, a mãe de todas as tragédias, me impulsionava para frente. O local devia ter uns quatro metros por cinco. Era amplo. No escuro tropecei em algo. Parte duma velha cama. Tateei com as mãos e descobri que talvez meu colchão não fosse necessário. Procurei por uma janela, para que por menor que fosse qualquer claridade far-me-ia esclarecer melhor o ambiente. Encontrei-a. Consegui abrir apenas uma das partes da veneziana. Mesmo com a parca luminosidade vindo da parte externa, tudo foi se revelando aos meus olhos... Inclusive ele... Que estava ali, parado. Observando-me há algum tempo. Vinha dele o odor nauseabundo. Sua aparência era ainda mais aterradora. Seu rosto disforme assemelhava-se a uma cabeça de hipopótamo coberta de enfisemas. Seus olhos descomunais, alaranjados e com expressão diabólica fitavam-me com estranho cintilar. Seu corpo resumia-se a um único tronco escamoso, ornado ao invés de membros, com mais de uma dezena de tentáculos. Sua boca, tão grande quanto seus olhos expulsavam seus dentes irregulares e pontiagudos. Sentado sobre uma velha cadeira de balanço, que dançava com tamanha malemolência, para frente... Para traz... Para Frente... Para traz... O monstro revelado apenas olhava-me. Mumificado tamanho horror que aprisionava minhas pernas, não apresentei qualquer reação. - Aqueles malditos demoraram mais uma vez em enviar-me o jantar! Sentenciou a criatura numa voz, e dialeto, praticamente incompreensíveis.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Projeto de livro vaza na web

CLIQUE NA IMAGEM PARA FAZER O DONWLOAD

Nem mesmo os livros estão escapando das garras da web. "A Caveira" que deverá sair até o final deste ano, acabou tendo histórias que o compõe vazando na web, e ficando disponível para donwload inteiramente grátis par os internautas. O livro com 71 páginas reúne histórias arrepiantes, cujo terror se apresenta de forma renovada. No entanto no livro não encontra-se a obra que dá origem à capa. um verdadeiro mistério.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

TEMPESTADE DAS ALMAS

Minha esposa não é de perder tempo. Mal as nuvens se prepuciavam ao horizonte, e ela tratou de recolher as roupas que secavam no varal. Não tinha meu auxílio, que contemplava a ação da natureza, que aos poucos avançava sobre a abóboda que nos cobria. Depois de uma tarde quente, e sol brilhante, os negros cumulonimbos digladiavam-se entre sí, em busca de espaço, causando trovões, que de início distantes, logo se tornavam tão audíveis quanto os batimentos de nossos corações.

Tinha eu, esta estranha predileção. Tempestades me fascinavam. A nossa impotência frente a tal força natural devia ser sempre analisada com carinho e ternura, e eu me dispendia a fazer tal, olhando de forma clínica, como se fosse um especialista a analisar suas formações.

O vento quente soprava do sul, nascente do temporal. As folhas levadas por sua insistência não encontravam obstáculos, e a poeira tradicional de minha cidade, carregada de calcário e cal, nos cobria como um manto poluente. Um ar úmido logo denunciava que os pingos da chuva não tardariam a cair, e os trovões mais intensos e os ráios flamejantes a cada minuto mais próximos interromperam minha contemplação.

Portas e janelas fechadas, o fim de tarde envolveu-se de um crepúsculo assustador. Os ráios em intervalos cada vez menores, e trovões capazes de estremecerem os alicerces de minha pequena moradia, enfim traziam-me medo. O vento sacudia as paredes, e minha doce esposa fazia suas orações pedindo o fim da tempestade que sequer começara.

Eu aguardava pela chuva. Minha mãe me ensinara que após seu início os ventos se acalmam. Mas nem sempre as mães estão corretas, e naquele dia os pingos grossos desciam na direção que os ventos lhes empurravam. Nunca ouvira tal som durante uma chuva. Pensei ser granizo. Mas por uma fresta na janela, percebi que não tratava-se de pedras de gelo.

A chuva incomum, produzia uma sonoridade que aos poucos trouxe frio ao meu coração, pois percebi que não tratava-se de uma tempestade comum. As telhas de fibrocimento são delicadas, e ao menor toque provocam um som característico. Em chuvas comuns, este som fazia-me relaxar, porém, naquele início de noite o pânico invadiu meu corpo.

O primeiro toque da gota à telha produzia o som normal que todos conhecem, porém de forma mais intensa. No entanto, em vez de silenciarem, cada gota que caía ganhava mais vida como se cada gota passasse a caminhar sobre as telhas. Era como se insetos pousassem sobre minha casa.

Quando a energia nos faltou, minha esposa soltou um grito de pavor. Não tinha velas em punho, e tive de socorrer-me com a iluminação do aparelho de telefone celular. Estranhei seu gesto, pois ela sempre se mostrou valente, mas depois de um segundo grito, e um silêncio absoluto, preocupei-me mais, e fui ao seu encontro no quarto.

A luz tênue me revelou seu corpo com espasmos, como sentisse alguma convulsão. Corri para socorrê-la, mas senti algo iniciar uma caminhada sobre meu corpo. Logo veio outro. Depois mais outro. Até me encontrar coberto por uma nuvem de insetos. No entanto, ao ponto que eles atingiram a altura de meu rosto vi que não tratava-se de inseto algum, e sim de seres estranhos, feitos de água, que caminhavam rumo aos orifícios que me proviam o ar, invadindo meu corpo, até que o estranho afogamento levasse minha vida. As chuvas normalmente alimentam-nos, e ao planeta, com sua dádiva da fertilidade, porém aquela era diferente, alimentava-se de nossas almas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A nuvem

De meu gabinete no segundo andar, as flores artificiais descoloridas pela ação do tempo, e o tripé que ostentava as três bandeiras, do Brasil, do estado e do município, não impedia que pelo parco espaço possível na janela eu visse a cidadezinha descerrar-se pacata e melancólica. São casas simples que compõe minha visão. Rasteiras, com telhas de barro, e no máximo seis ou sete sobrados, num total de umas cem construções. O bairro é um dos mais tranquilos, e um grande espaço vazio, terrenos de um homem falecido ainda encontram-se virgens, sem qualquer moradia sobre eles. Noutros lugares, já estariam invadidos, mas ali não. As árvores desenhavam uma linha horizontal, fazendo com que o verde tocasse o azul anilado daquela bela manhã. Neste cenário, o único objeto a dispersar dos demais, eram as antenas de retransmissão dos canais de televisão, que rasgavam o azul, constituindo-se nas peças mais altas que integravam àquele cenário nostálgico. Distraído, ou talvez hipnotizado, fixava meus olhares à maior árvore que se erguia na parte alta do bairro. Um pinheiro, que pelos quinhentos metros que nos distanciavam não pude distinguir se possuía pinhas. Era uma árvore notável. Absorto, nesta visão central não percebi que pelas bordas da janela, nuvens negras se aproximavam. Não era uma nuvem comum. Densa, escura, movia-se com estranha velocidade. Não trazia trovões, apenas um zunido ensurdecedor, que ao passo que se aproximava, mais alto rompia nossos tímpanos. Foi exatamente o que aconteceu comigo, senti meus ouvidos estourarem, e a partir deste momento não ouvi mais nada. Apenas sentia minhas carnes sendo carcomidas pelos estranhos insetos do tamanho de minha mão, e que formavam tal nuvem. Eu devia ter fechado aquela janela.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Companheira.

Enquanto meu corpo repousava das carícias picantes da companheira daquela sexta-feira á noite, contemplava as curvas, e a delicadeza daquela pele inerte sobre a cama de um motel barato. Ela dormia. Saciada. Seus cabelos louros deitavam com suavidade sobre seus ombros, e desciam até quase onde se iniciam suas protuberantes nádegas, que a pouco me fizeram perder os sentidos. Estava de bruços, e a parca luz deslizava em suas curvas. Seus seios se chocavam contra o colchão duro espremidos em dois belos montinhos. Os lençóis cobriam apenas suas panturrilhas desenhadas em perfeita simetria pelos exercícios na academia. Seu rosto de beleza comum, mas cativante, estava sereno, talvez por bons sonhos que a acompanhava. E eu a contemplava... Típica atitude de homem feio, que não pode acreditar que por pouco mais de cem reais pudera ter tão bela mulher... Sentei-me a cabeceira da cama, com os braços enlaçando minhas pernas, e os olhos sem arredarem de minha ninfa... Antes tivesse dormido. Quando a luz da lua, intrometida, embrenhou-se pela janela entreaberta e tocou o corpo de minha amada, coisas estranhas começaram a acontecer. Seus pêlos pubianos bem aparados começaram a crescer vertiginosamente por todo seu corpo, cobrindo-a como uma bola de pêlos. As unhas rasgavam os lençóis, enquanto pesadelos a irritavam. O rosto não era mais o mesmo, dando forma a alguma espécie de animal... Talvez um peixe. Sim! Se parecia com o rosto de um peixe. As pernas alongadas se contorciam como o corpo de uma serpente, e seus braços multiplicava-se como tentáculos de um polvo... Ela grunhia de forma assustadora... Espinhos, e saliências salpicavam por toda a parte, transformando aquela pele macia que a pouco tivera o prazer de tocar, em algo asqueroso. Resolvi abandoná-la rapidamente, a tal ponto de sair daquele quarto pondo-me a correr inteiramente nu, pelo pátio do motel até alcançar a rua. Temia por deveras, o momento que a terrível criatura despertasse de seus pesadelos...

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A batalha dos miseráveis contra os que não querem morrer...

Cleucimar. Mas melhor chamá-lo de Doutor. Era desta forma que os miseráveis o viam, embora, fosse ele da mesma carne, da do mesmo ralo social que seus admiradores. Mas, mesmo nos piores dos submundos, líderes surgem, e ao passo que aumentam seus seguidores, as coisas começam a mudar. O ano era o de 2.200, e São Paulo não mais era uma metrópole, e sim uma grande lixeira, repleta de miseráveis, e sua selva de pedra, deteriorada, e coberta de liquens e musgos. Apenas á escória da nova sociedade conseguia habitar aquele local fétido. Não fazia muito o mundo mudara. Os homens não morriam, graças aos avanços nas pesquisas com células-tronco que podiam renovar a qualquer momento a parte do corpo que fosse. Para morrer, só mesmo um desastre, pois tudo poderia ser regenerado. Inclusive a engenhosa máquina chamada cérebro que foi mapeada por completa por volta de 2.050. Obviamente tais recursos avançados estavam ao alcance apenas de uma minoria privilegiada financeiramente, que foi isolando-se em sociedade avançadas, autônomas, e distante dos miseráveis, que já não tinham mais emprego, dinheiro, cidadania... Não demorou muito para parlamentares, logicamente integrantes da nova humanidade, classificar os miseráveis como selvagens, relegados a própria sorte, sem infra-estrutura alguma. Os novos humanos, formados pela face mais egoísta do ser humano, permitiam ao seu convívio apenas quem lhes fosse conveniente, e que não pudessem ser substituídos por máquinas com inteligência artificial. Assim nessa nova sociedade, nada se renovava, a não ser a tecnologia. Em cinco anos uma lei foi imposta proibindo a procriação entre os novos homens, pois não era mais necessária uma nova vida para manter a linhagem, já que estes eram imortais. No entanto, uma preocupação passou a afligir diuturnamente estes notáveis: A proliferação dos miseráveis era gigantesca, e para esta nova raça nobre, o planeta não conceberia duas espécies humanas, pois mesmo com um maior cuidado ambiental, nos territórios de população miserável eram estratosféricos dos números de dióxidos de carbonos lançados ao ar. A solução, sinceramente, não me trouxe surpresas para uma linhagem que outrora conheceu Alexandre, Césares, Calígula, Hitler, Bush, Saddam, entre tantos outros mestres da guerra... Exterminar os miseráveis. Esta era a solução mais apropriada, tendo inclusive o respaldo do conselho de segurança da ONU, ocupada por diplomatas imortais, e vitalícios em seus cargos; Neste contexto, Nasceu o Doutor, que aos seus quase trinta anos, mas que aparentava uns cinqüenta. Fato comum entre os miseráveis. Nunca poderemos saber como nasce uma liderança, mas o fato, que uma palavra aqui, outra ali, ao se redor uma centena de miseráveis compartilhava mesma idéia, e mais por um instinto de sobrevivência, que por disputa de poder, o extermínio promovido pela nova humanidade não lhes era simpática. 07 de agosto, de 2.200, às 19h01min, de uma noite cinzenta e ácida nos subúrbios dos muros da Nova São Paulo, habitada por pouco mais de trezentos mil privilegiados, com as mais modernas tecnologias de bem viver. Os guardas, não temiam perigo algum, e seus serviços basicamente traduziam-se em expulsar dos arredores os miseráveis que tentavam se aproximar em busca de alimentos. Portanto, no alto da arrogância de seus líderes jamais podiam supor uma rebelião coordenada, por seres insignificantes e incapazes de pensar; - Atacar! Vociferou o Doutor. As centenas que o seguiam partiram num ataque feroz, com antigas armas a base de pólvora, e não deram tempo de se carregarem os lazeres dos guardas. Furados a bala e chumbo, e com as cabeças cortadas a facão, a nova humanidade se mostrava frágil, e o Doutor iniciava guerra que sequer ele sabia o tamanho das proporções que tomariam. Em seus olhos viam apenas as imagens conturbadas de seus companheiros miseráveis sendo exterminados pelo gás mortal jogado pelos que não morriam. Cada grito de dor, das cólicas que os infernizavam antes da morte, era o estímulo para os golpes empregados pelo Doutor, que tinha já naquele momento o corpo coberto pelo vermelho do sangue... Como animais os tratavam... E como animais acuados aquele bando de miseráveis agia. Não sossegariam até que o último imortal sucumbisse à morte, e enfim descobrisse que por mais inteligente que se seja ninguém escapa do juízo final... Ninguém...

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O Deputado

Num futuro não muito distante, câmeras fotográficas e filmadoras foram abolidas. Caíram em desuso, tornando-se obsoletas, desde o surgimento de um HD capaz de receber qualquer informação via Bluetooth processado pelo cérebro, inclusive a imagens. Assim, bastava visualizar algo, que a lembrança vivenciada era instantaneamente enviada para um servidor, via rede. Cada cidadão passou a ter seu sistema de gravação de vivência pessoal. Menos os puritanos, por ideologia, e os subumanos, por condições miseráveis. Já na alta sociedade composta por geeks e nerd's o artefato era revolucionário, e sem demora se espalhou por toda a sociedade. O deputado Carlos Sarney foi um dos primeiros políticos a aderir. Queria provar que para a condição na vida pública era fundamental, até mesmo obrigatório compartilhar sua vida, principalmente para um provável candidato a presidência do Brasil. Na verdade, seu discurso não passava de um engodo a pseudo-analistas que acreditavam naquele discurso de transparência, pois conhecia muito bem o deputado o novo sistema, e gravar não necessariamente significava arquivar, e logicamente grande parte das conversas e visualizações eram deletadas, antes de serem carregadas em seu perfil no Orkut. Desconfiado, ele também carregava sempre um bloqueador, que causava interferência, muito útil para reuniões secretas em seu gabinete. No entanto, o jovem político viu-se encurralado, após uma situação inesperada. Homem casado e de conduta ilibada, por descuido esqueceu-se de desligar o modo REC. enquanto se esbaldava com uma linda prostituta da zona sul, num destes motéis cinco estrelas. Sua situação agravou-se, quando o sadomasoquismo extrapolou seus limites, e suas mãos fortes golpearam desproporcionalmente a mulher, que caiu morta sobre a cama de lençóis finos. Ele tinha menos que vinte minutos para chegar a casa, tempo suficiente para deletar as imagens do servidor, antes que elas fossem carregadas automaticamente para suas redes sociais. Daí pra frente, os telejornais se fartariam em matérias. Ele conhecia bem os abutres que comandavam verdadeiramente a nação. Brasília cada dia mais conturbada e de trânsito nervoso, se igualava a São Paulo no início do século, e os números de seu relógio decresciam vertiginosamente. Encurralado, e sem mais tempo, enquanto os vídeos daquele fatídico dia carregavam as páginas de seu Orkut, uma velha peça de coleção adquirida pela manhã, soou um estampido há muito esquecido. Na era de armas não letais, e laser's, a Magnum sete meia cinco fez-lhe um favor, estourando seus miolos.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Consultório

Há neste mundo algo mais aterrorizador que um consultório de dentista? Seu odor característico, o som dos equipamentos em pleno funcionamento faziam minha pressão arterial descer, enquanto aguardava na sala de espera. O atendimento por ordem de chegada me deixava no meio da fila, tempo suficiente para ouvir gritos pavorosos, e a estridente broca perfurando maxilares mal cuidados. O doutor Ricardo Boaventura era novato, na cidade, e alugara um velho casario, onde montou seu consultório, que era secretariado por uma velha de cara rabugenta, e que jamais olhava-nos nos olhos. Cabisbaixa, anotava nome dos pacientes, e os anunciava ao som de uma campainha apertada dentro da sala do dentista. Estranhamente, os pacientes não retornavam pela porta por onde entraram. Um a um eram chamados, e ao toque da campainha outro entrava sem que o anterior "desse as caras" no saguão. Estranhei o fato, mas supus alguma porta de saída, afinal, era uma casa enorme. A fila foi diminuindo, e torturantemente minha vez ia se aproximando. Já podia sentir a broca raspando minhas cáries, a saliva ensanguentada eclodindo de minha boca... Detestava qualquer dentista, e fosse qual fosse, o odiaria mais que a um inimigo. Mas inevitavelmente me era necessário, e quando a voz empolada da secretária me anunciou, um frio abateu-se sobre meu corpo, e uma vontade de dar meia volta instigava meu pensamento. Só não o fiz por orgulho, pois temia a chacota dos que ainda aguardavam. Cidade pequena, todos comentariam meu medo. Desse modo, muito mais por vergonha em demonstrar fraqueza, do que por coragem de enfrentar a cadeira que me aguardava, entrei no local. Primeiramente procurei pela porta de saída, o que não existia. A única porta era a de metal, que dava acesso a uma espécie de câmara frigorífica. Se já havia medo em meu coração, imagine o leitor após esta constatação. "Por onde saíram os outros?" era a única pergunta que me vinha ao pensamento. Absorto nesta questão esclarecedora, não percebi meus punhos e pés atados firmemente à cadeira. Quando o doutor virou-se, minha ultima visão foram os olhos alaranjados do dentista, que lentamente vinha em minha direção com sua cruel broca, que só saciou seu desejo por sangue após atingir meu cérebro, extinguindo meu último suspiro de vida. Próximo. Gritou a secretária. A fila ainda estava grande, mas o doutor resolveria a dor de dente de muita gente, naquela tarde.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

sábado, 18 de julho de 2009

A escolha do Cavaleiro

O corte profundo de uma espada laciva e cruel no tórax do General Hardor, aliada ao tombo de seu imponente cavalo Perseu, e a iminência de sofrer o golpe fatal, lhe fez pensar toda a conduta de uma vida em míseros cinco segundos.

Homem de confiança do Rei Arturios, regente das terras do norte, o general comandava o segundo regimento de cavaleiros, responsável pela segurança do Sétimo Estado, e pautou sua vida pelo código de honra dos cavaleiros, onde basicamente se determinava que na batalha a morte pelo mais forte era digna, e eceitáveil.

"Provavelmente o fio agudo do aço nunca cortara o cavaleiro de genial idéia." Pensou Hardor, aboletado no chão elameado da floresta de pinheiros.

Suas mãos catavam todo o barro e terra, enquanto sua mente e seu coração travavam épica batalha,entre aceitar o ultimo golpe, ou contrariar tal mandamento, e surpreender seu inimigo com um ato inesperado.

Sua mente relampejava imagens de homens o qual matou, depois de duros enfrentamentos, mas que expostos a um adversário mais forte se entregavam a morte com orgulho. Deveria seguir o mesmo caminho, pois assim regiam as regras do cavaleiros. A espada viajava em sua direção...

Por outro lado notícias sombrias se espalhavam pela terra uníca. O continente que antes um só, dividido em dois se agitava em convulsões, e pequenas batalhas promovidas pelas terras do sul. Novas armas eram criadas, mercenários como aquele que estava prestes a matá-lo eclodiam pelas aldeias, e tempos nebulosos se formavam, e o nobre cavaleiro, obrigado a tomar uma decisão, que no momento não o glorificaria.

Com barro, gravetos, e veneno de arbinco que levava numa bolsa de couro, disparou contra o seu algoz, desaparecendo em fuga em meio a fumaça mortal que cobria o mercenário, levando-o a morte. Apenas a floresta testemunhava as lágrimas copiosas do homem que envergonhava-se de sí mesmo, mas que ainda teria uma vida pela frente para apagar degradante passagem daquela manhã na floresta.

terça-feira, 14 de julho de 2009

A torre da morte.

Agnelos Tirty estava prestes a testar seu mais novo armamento. Algo tão poderoso, que o Rei Adamastor dar-lhe-ia muitas moedas de diamante. Afinal as terras do sul eram afortunadas, e o seu invento lhe forneceria uma defesa quase que inviolável, e um ataque feroz e mortal.

Juntou mil homens naquele domingo de primavera, onde o perfume dos jasmins logo seria sobreposto pelo odor fúnebre dos homens do norte. Tempos difíceis eram aqueles, desde a morte de Eugênio Sexto, rei de toda a terra que se conhecia, de uma extremo ao outro, onde o horizonte se difundia com as águas salgadas que cercavam o único continente.

Dez longínquos anos, Agnelos levou para construir tal arma. Para sua inauguração, até mesmo o Rei seguira por semanas de viagem até o estado ao extremo leste, para averiguar os motivos de tamanha alegria em seu súdito.

Ao chegar o homem de rosto austero, delineado por traços másculos não podia crer ao que seus olhos observavam. Uma fortaleza fora erguida. Pedras, barro, e cerâmica elevavam tamanha espiga aos céus de seu reino. Não menos que duzentos metros de altura, e mais uns cem de diâmetro faziam do imponente monumento, algo que o grande líder não podia compreender.

Mas Agnelos sabia não ser de bom tom contrariar seu Rei, e justamente por este motivo tinha convicção em sua criação. Vestido em traje nunca visto, ornado por um metal desconhecido, e duas pulseiras magnéticas, o velho alquimista usou de seus conhecimentos naturais e sobrenaturais para construir a torre da morte.

Trovões e nuvens negras cobriam a torre habitada pelos mil guerreiros devidamente armados. O Rei atônito não podia crer em sua visão. Tamanho monumento fazia tremer a terra, e rachar o solo, para tão logo planar, como uma pluma flutua ao sabor do vento.

Sob o comando de Agnelos, que sobre um mapa entalhado na placa metálica, direcionava o caminho a ser realizado pela torre. Milhares de milhas e duas semanas depois, a torre voava sobre uma das fortalezas do Reinado do Norte, onde soldados exalavam medo, diante de monstruosa e misteriosa arma.

Adamastor, o Rei que governava o Sul, assistia a tudo pela visão de um aprendiz de bruxo que emitia as imagens colhidas para uma esfera. “Ataquem”. Sob a ordem imediata do Rei, pela boca do aprendiz, o mando do Rei foi ouvido, e logo posto em prática.

De dentro das muralhas da torre, seus soldados, protegidos pela espessa barreira faziam zunir seus arcos e suas bestas. Longe do alcance de seus inimigos nenhuma baixa foi sentida, e ao ponto que nenhum homem do norte em seu quartel general respirava o Rei Adamastor deleitava-se com a vitória, e pagava em muitas moedas de diamantes Agnelos.

- Se Vossa majestade desejar; posso construir mais uma destas. Dizia o mestre das armas rindo bestialmente. Fascinando pelo sangue, e pelo som das moedas que tilintavam em sua bolsa de couro de mamute.

sábado, 11 de julho de 2009

Reminiscências.

Estar morto era entre os meu problemas o menor. Antes não existisse nada além desta vida, mas infelizmente descobri tarde demais. Quanto as circunstâncias da minha morte, não lhe interessam, mas o que aconteceu depois, isto sim, deve-se relatar.

Não sei por quanto tempo fiquei envolto pelas trevas. Talvez apenas o tempo de passagem que levou-me aquele caminho assustador. Talvez por meus atos em vida, não via a tal luz, e o tempo do outro lado revelou-se carregado e tenso. Seria o inferno?

Um anjo, de penugem negras disse-me que não. Mas o parecia. Fosse pelo calor, ou fosse pelos habitantes infectos e de aparência horrível que moravam do outro lado. Tudo remetia-me ao diabo, mas ele não apareceu para cumprimentar-me.

Já a minha própria vida, regressou após a morte, e cada maldito erro ressurgiu das cinzas para vingar-se dum homem, que em vida escolheu vias tortuosas.

Desde os monstros de minha infância, quando torturava gafanhotos e pequenos pássaros, aos mais temidos inimigos, cuja ordem de morte partiram de minha boca, naquele mundo ressucitavam para torturar-me. Lhes garanto que gafanhotos gigantes, e carrascos sabem muito bem como ser incovenientes num mundo, onde apenas uma pessoa sentia dor: eu.

De todas as formas meu corpo,ou minha alma, sei lá, foi fatiada, feita em pedaços, esmigalhada... De forma que jamais alguém em vida poderá saber que tal dor descomunal possa ser possível.

Enquanto pagava por cada crime naquele traçado tortuoso e longo, apenas uma atitude martelava meus pensamentos, para quem sabe relembrá-los noutra encarnação: Jamais cometeria suicídio novamente.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Fim.

Quando o televisor saiu do ar, jamais imaginávamos o tamanho do problema que recairia sobre este planeta e seus moradores. Sem sinal de telefone, ou de internet. Ou seja, tudo que dependesse de nossos modernos satélites estavam em pane, e o que deixava qualquer cidadão mais apavorado, era a falta de comunicação, e a ignorância do que acontecia. Mesmo que se nossos governantes tivessem tentado alguma forma de nos informar á calamidade que se debruçava sobre nós, não conseguiriam. Foram dias difíceis até o nosso fim. Sim, estamos todos mortos, inclusive o narrador que voz fala. Fui apenas indicado por um arcanjo para que deixasse esta mensagem, pois havia astronautas em nossa estação espacial, e quem sabe, haverá uma esperança na continuidade dos homens. Quando o sol desapareceu, imaginávamos algum problema com a grandiosa estrela. Enfim ela teria se cansado dos planetas que gravitam em sua órbita. Mas não era bem o que acontecia. Se não estou enganado, foram cerca de três semanas sem que a luz do dia radiasse o hemisfério sul. Depois dos primeiros dias, o temor passou a tomar conta de cada um ser vivente e pensante. O silêncio da Nasa era encarado com mau sinal por leigos como eu que esperavam trancados em suas casas por alguma luz sobre o que estava acontecendo no espaço sideral. Mas nenhuma palavra foi pronunciada. Na terra, tomados pelo desespero, saques, anarquia social, e tantos outros problemas faziam com que as forças militares tomassem as ruas. Mas aqui no Brasil, o exército não foi suficiente para controlar milhões de pessoas acuadas como ratos em sua toca. Eu tentei manter a calma, embora estivesse difícil de controlar. Quando os três ônibus espaciais americanos decolaram ao espaço, e concomitantemente coincidiu com o desaparecimento do presidente Barack Obama e sua família, ninguém mais conseguiu controlar os instintos animais reprimidos em algum lugar de sua mente. Do suicídio, individual ou coletivo, das pregações religiosas, e das inquisições em busca de culpados, das oferendas que remetiam a nossos tempos mais remotos... O planeta transformara-se num verdadeiro inferno. Por isso a pequena Pantano Grande não diferia do resto do mundo. Estavam todos loucos. Por dias fiquei com minha família, trancado dentro de casa e quando ela deixou de ser segura, entramos na camionete se seguimos para o campo. Até este momento meu coração cristão, tomado pelo instinto de sobrevivência levara-me a matar mais de cinqüenta lunáticos. As balas da pistola 38 escassearam com rapidez. Andamos por quase um dia inteiro. Apenas por estradas vicinais, e só paramos quando o combustível terminou. Estávamos longe de tudo. As crianças choravam, e minha esposa caía em desespero. Estava difícil manter a situação. Exaustos dormimos. Fui o primeiro a acordar quando uma das teias da criatura monstruosa atingiu o pólo sul, dizimando em poucos segundos cinco por cento da terra. O desequilíbrio alterou toda a gravidade, e a camionete flutuou por primeiro e em seguida foi nossa vez. Ainda deu tempo de cairmos novamente no chão, até que as patas da criatura, com um diâmetro de área equivalente aos estados do sul e do sudoeste do Brasil nos amassaram como se fossemos bactérias. Sempre pensava na grandiosidade do universo. Fazia parte de minha doutrina como professor de filosofia. Noutras buscava entender a arrogância humana frente a algo tão misterioso, já que sempre soube que não passávamos de uma pequena engrenagem num sistema monumental. Porém jamais poderia imaginar a existência de aracnídeo como aquele. Perdida no espaço, o primeiro ponto para ele se afirmar tinha de ser justamente nosso planeta. Talvez o monstro sequer soubesse o mal que nos cometia, mas a terra literalmente explodia a cada movimento seu. Talvez ele até tenha conseguido afirmar-se para buscar impulsão e voltar para de onde viera. Infelizmente não tenho tal resposta. Apenas deixo esta mensagem para caso tenha havido sobreviventes, para que no futuro tomem muito cuidado com aranhas espaciais.

sábado, 4 de julho de 2009

Naquele dia não me viam


Não sei por qual motivo naquela manha despertara invisível. Sim, meus desejos de meninice se concretizaram em plena sexta-feira. Ninguém podia ver-me, e eu logicamente tornei-me um semideus, louco para realizar meus secretos desejos os quais nunca havia imaginado que poderiam sair do campo da imaginação.

Não que fosse um dia especial. Para uns até podia ser azar, mas a mim, o treze daquela sexta-feira trouxera foi muita sorte. O sol como de costume invadia a janela do pequeno apartamento, onde moro sozinho. Ele deslizava lentamente até chegar a meu rosto, e cutucar-me, fazendo-me acordar.

Da cama ao banheiro, ao quarto novamente, e vestido em menos de dez minutos, estava pronto para ir trabalhar. Até então nada de diferente havia percebido. Tudo ocorria normalmente como aos outros dias. Mas quando passei pelo Seu Valdir, porteiro do prédio percebia que alguma coisa estava diferente. Pela primeira vez em três anos ele se negara em cumprimentar-me. Nunca havia me negado um bom dia. E mesmo quando retornei, para tentar puxar alguma conversa o olhar do velho homem se mantinha distante, como se eu não estivesse ali. “Ficou doido, pobre homem.”

Cismado com o fato segui meu caminho, pois estava atrasado, e por muito pouco não perco o ônibus que me levaria ao trabalho. Quando Cris embarcou no ponto seguinte, fui a sua direção, para comentar o acontecido. No entanto estranhamente, ela também me ignorou. Naquela altura do dia, ainda não sabia da sorte que caía sobre mim, e praguejava aquela data azarada. Era como se todos os meus conhecidos estivessem de alguma forma me pregando uma peça. Eu não simplesmente não existia.

Irritado sequer despedi-me de minha amiga, e fui direto ao escritório. Porém, voltou a ocorrer a mesma situação. Claudete, a recepcionista, que me recebia sempre de sorriso largo – pois afinal não sou de se jogar fora – sequer dirigiu seu olhar esmeraldino em minha direção. Isto foi á gota d’água. O desdém de Claudete não poderia passar em brancas nuvens. Fui até ela, e desejei-lhe bom dia, duas ou três vezes... E nada. Ela não me respondia. Não me olhava. Eu não estava ali.

Como não podia crer que todos os meus amigos pudessem confabular tamanha brincadeira, Claudete fez-me perceber que algo estranho ocorria com a minha pessoa. E logo deduzi que naquela manhã eu amanhecera invisível. Era esta a resposta? Não tinha toda a certeza. Ainda cogitava qualquer brincadeira.

Mas minha mente traquina logo descobriu uma maneira de encontrar uma resposta. Meu Chefe. Se fosse uma brincadeira, por certo que ele não seria um dos participantes. Então sem cuidado algum fui ao elevador, e segui até o décimo primeiro andar. Ninguém me cumprimentou. Não estranhei, afinal, naquele dia, isto já era normal.

Quando cheguei ao temível andar, invadi-o sem cerimônias. A secretária nem me olhou, ou perguntou o que desejava. Nunca em três anos de trabalho, eu tivera tanta liberdade. Entrei na sala do chefe e ele estava lá. Enroscado numa loira que gemia como gata no cio. Pareciam dois contorcionistas, pela quantidade de movimentos que faziam sobre o sofá encouraçado. Para tirar qualquer dúvida, bati palmas. E eles não acusaram minha presença. Então naquele exato momento todas minhas questões se resolveram com uma única resposta. Eu estava invisível. Sorri obviamente.

Nem minhas gargalhadas atrapalharam os dois que prosseguiam o coito de forma muito calorosa. Nunca fui de espiar, mas não é todo dia que se entra na sala do chefe e vê-se aquele tipo de coisa. Fiquei ali observando o desempenho dele, que cá entre nós, falava mais do que fazia. Só mesmo o dinheiro poderia explicar a atração daquela bela mulher por ele.

Com aquela descoberta fascinante, a porção criança, e a porção devassa se apossaram de meu ser. O devasso fez com que pelo dia inteiro entrasse em: banheiros femininos, provadores, e outros locais que apenas mulheres entram. Posso lhes garantir que em um “sexshop” presenciei cenas impublicáveis.

Já a porção criança, me levou a cinema sem pagar entrada. Viajar pela cidade sem pagar passagem, espionar conhecidos, roubar sorvete, etc...

Quando dei por conta a sexta-feira escorria para seu final. Mas antes pude passar na pastelaria, tomar chope sem pagar e comer o pastel do português. Era uma delícia, e caro. Como estava invisível, levei cinco. Na portaria percebia que continuava invisível, pois Manoel, o porteiro da noite também não me cumprimentara.

“Por quanto tempo ficarei assim?” Era uma pergunta relevante, pois imaginava que tal situação fosse transitória. Cansado pelo dia de aventura e traquinagens favorecidas pelo novo dom, debrucei-me sobre o sofá. Tomar ou não tomar banho? Eis minha questão “cheiquesperiana” para aquele final de dia. Estava cansado demais, logo, entre o corredor que levava para o quarto e o que levava ao banheiro, optei pelo primeiro.

Não deveria ter aberto aquela porta. Talvez continuasse a imaginar ser invisível. Porém, já havia o feito, e a maçaneta girando e empurrando a madeira de modo que abria a visão para minha cama revelo-me numa situação embaraçosa, afinal, jamais eu estivera invisível, já que meu corpo permanecia imóvel sobre a cama, gélido, e completamente morto, exatamente como amanhecera naquele dia.