quarta-feira, 11 de março de 2009

Zumbi

Melissa estava encantada com a cordialidade daquele homem. Com sorriso largo, e postura altiva chegou pedindo licença para sentar-se a mesa. Falou de sua beleza, de seus olhos, e fez algo a que ela jamais resistiria: Beijou-lhe as mãos. Era algo tão ultrapassado, quanto surpreendente, e raríssimos homens faziam aquilo. Ela, era romântica, e com um gesto daqueles, e dois ou três drinks, sua alma estava pronta a ser entregue ao estranho.

O homem apresentou-se pelo apelido. "J." "Me chame apenas de jota, por favor..." Naquela altura Melissa sequer queria saber do nome do homem, que falava coisas doces, abusava da simpatia e do romantismo. Achava incrível que um homem lesse Dom Casmurro, e saísse em defesa de Capitu, algo comparado apenas ao botão de rosa saído secretamente de um dos bolsos do paletó, e colocado sobre sua orelha adornando sua face com o intenso vermelho da flor.

Quando ela falou que estava na hora de partir, ele se ofereceu como companhia. Não tentou avançar nenhum sinal, apenas aguardou pela mulher procurar por suas mãos, e em consequência seus lábios. Se beijavam em plena rua. Caminhavam por metros, e paravam por instantes para um enlace deveras quente. As mãos cada vez mais atrevidas, e os corpos exalando perfumes e fluídos da paixão.

Seus corpos não resistiam, e até mesmo a lua cheia que os cobria, parecia envergonhada por testemunhar como uma "vouyer" os calientes carinhos que trocavam entre si. A cada novo abraço, a mulher ficava um tanta mais despida, ao ponto que em um dos muros do cemitério municipal, ela já não carregava mais vestido, e nem a blusa. "Eu não resisto..." Sussurrava o galanteador, levando a mulher por um espaço aberto para dentro da alcova que guarnecia os mortos do lugarejo. O desejo queimava tão forte as entranhas da enamorada, que sequer percebera onde estava.

Chegaram ao um túmulo, sombreado por um alto pinheiro. Lá J. escondera a pá com qual escavaria uma das sepulturas. De um outro bolso sacou uma faca velha e enferrujada desferindo dezenas de golpes em Melissa, fazendo seu sangue jorrar sobre as folhas secas. Com a mulher morta, usou a pá para o que havia planejado, sacando da sepultura um velho esqueleto. Tirou-o das profundezas para deixar metade de seus ossos destapados. Numa das mãos fez o zumbi empunhar a faca com que matara Melissa, e a outra, posicionando a mulher como tentasse fugir de seu algoz, prendendo seus pés às mãos decrepitas do esqueleto. Para finalizar o cenário simulou arranhões na terra vermelha, e partiu.

A lua outrora tímida e rubra pela cena amorosa, agora estava pálida, por tal atrocidade que fora testemunha, e não podia esperar mais pela troca de turno com o sol, pois apenas a vindo do dia, poderia descortinar aquela cena macabra.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Diabo

João Antonio passara a vida em gabinetes. Dava passos lentos e bem planejados, pois no serviço público se via cercado por serpentes que a qualquer momento poderiam lhe dar um bote fatal. Por todo esse stress, quando a aposentadoria lhe bateu a porta mudou-se para uma cidadezinha do interior buscar pela paz almejada.

Na pequena cabana no pequeno sítio ele podia curtir a seus hobbys, absorvendo todos os livros não lidos, escrevendo, pintando suas obras de arte, e curtindo a saudade solitária da esposa que oo deixara. "por quenão vim antes..." pensava ele todos os dias.

Mas numa dessas noites sombrias, quando até mesmo a lua esconde-se por medo dos que vagam, ele recebeu uma inesperada visita. Um homem de estatura alta e esguia, vestindo negro, com um boné de pano, e uma pistola em punhos. "Mãos para o alto..."

Antes fosse um ladrão em busca de dinheiro, ou das armas que colecionava. "O que você quer... pode levar tudo..." disse a vítima gaguejando cada palavra proferida.

"Fique quieto. Faça apenas o que eu mandar." Disse J. dando ordens claras, e sacando de um dos bolsos do sobretudo que vestia, um cachimbo de lata, e algumas pedras. "Vamos fume tudo isto... Senão estouro seus miolos..."

Mesmo tendando ponderar,não sobrou ao aposentado outra alternativa que não fosse inalar a fumaça da morte... J. observava-o com um olhar cínico e satisfeito, e a cada vez que o velho tentava parar o cano da pistola ficava mais perto de seu rosto a ponto dele sentir o cheiro da pólvora. J. apenas ria, e quando o velho caiu no chão infartando pela overdose, J. chegava a um prazer semelhante a um orgasmo com as prostitutas que costumava visitar.

Morto, a fisionomia serene do velho dera lugar ao terror paronóico, revelado por suas púpilas dilatadas. Cuidadosamente, J. tirou as roupas da vítima, queimando-as na lareira. Foi até o fogão,onde numa panela velha preparou um líquido a base de corante de páprica.

Foi até o pátio onde deixara escondido um material de forte odor. Numa tigela com alcool etílico diluiu a mistura, pestiando o ambiente com o insuportável odor de ovo podre. Com a tinta preparada, banhou o corpo do falecido, e esperou secar, e ver o tom vermelho-alaranjado que ficara o falecido. Com a paciência que lhe era característica foi embora apagando os vestígios de sua presença.

No dia seguinte, um peão encontrou o corpo, e logo se espalhou pelo vilarejo a visita do Diabo ao velho joão. "Nem mesmo as pessoas de bom coração estão livres do capeta." dizia uma das beatas durante seu velório.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Lobisomem

J. estava nervoso com as constantes turbulências durante o voo. Não que isto lhe trouxesse qualquer medo, mas sim por atrapalhar sua leitura. O livro vivia por escapar entre seus dedos, ou então o marcador fujão que escorregava, atrevendo-se fazer-lhe perder a página de leitura.

Quando a aeronave pousou, ele sentiu o alívio da viagem concluída, e a expectativa por conhecer alguém até então virtual. Foram alguns meses em conversas pelo "msn" até o convite dela. Era uma jovem muito atraente. Tinha estatura média, seios salientes, e um corpo cheio de curvas, tão sinuosas e perigosas quanto a estrada que leva ao litoral.

Ela havia realizado uma reserva numa pousada, com cabanas rústicas. Lá J. pode conferir o prazer da carne tenra, dos seus lábios adocicados, da sua pele macia e sedosa. O perfume dos cremes e essenciais entravam em suas narinas como um convite ao arrependimento.

Enquanto a jovem adormecia desnuda, saciada pelo carinho a ela dedicada, J. a contemplava. Seu coração se enchia de indagações. Ele era um homem sozinho, e nunca se aproveitara de tanta luxúria, e de tanta beleza como naquela noite. Os olhares dos amantes se cruzavam, regozijando-se em agradecimentos mutuamente. J. senta remorso pelo que teria de fazer.

Andou nu, de um lado ao outro da cabana, até acalmar seus pensamentos e criar coragem para fazer o que tinha se programado. Foi até a mochila jogada sobre a mesa. Ele carregava estranhos objetos para alguém que pretendesse apenas um encontro de amor.

A navalha, até era algo bem usual, frente a estranha luva de pêlos, e dedos com garras de animais. Mas nada superava a cabeça de um cachorro, que sacou entre seus guardados, além de um falo canino.

Com a navalha, ele fez um corte quase imperceptível em seu pescoço, o qual foi ainda mais deflorado pelas garras de sua luva, que passou a riscar todo o delicado corpo da jovem. A este ponto ela já estava morta, mas ele ainda arrematou seu trabalho cravando os dentes do cão, causando-lhe mas mais marcas. Não contente invadiu o corpo desfalecido com o membro canino, deixando seu dna.

Ainda com remorso, teve calma para limpar os vestígios de sua presença na cabana, a saiu despercebido, guarnecido pelas sombras de uma noite sem luar.