sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A batalha de Akbar Mastich

Akbar Mastich tinha mais de trezentos anos. O velho de baixa estatura não media mais que um metro e meio, e sua barbas com manchas brancas pendia para traz por causa da velocidade que o impelia ao extremo norte. Ele tinha de atrevassar o paredão de Bekisauan, e o tempo escorria entre seus dedos. Os galhos secos caídos no bosque arranhavam sua pele rugosa, mas não o impediam de proseguir...

Do outro lado havia um jovem a ser recrutado, e o velho tinha de estar do outro lado do paredão antes que o portal se fechasse. Em sua mente praguejava sua genética, linhagem de administradores que perambulam entre os mais diversos mundos, corrigindo falhas num universo muito além do que as mentes sãs podem imaginar.

Há dois dias ele se desprendera na jornada. Quando finalmente chegou à grande parede feita de rochas impenetraveis teve de escalar o terreno íngreme através da Escadaria Mor, que o levaria até o bacal de uma caverna que dava acesso aos túneis negros. Quatro dias e quatro noites foram necessárias para que o velho chegasse a um quarto do paredão, onde a entrada secreta o aguardava.

Conhcedor dos perigos nos túneis negros caminhava em silêncio, sem que qualquer luz fosse acessa. Em certos pontos tinha de gatinhar, arrastar-se, mergulhado em intensa treva. Ao fim do primeiro dia sob plena escuridão a grande batalha ocorreu.

Em um dos saguões mais amplos dos túneis enquanto aproveitava para alimentar-se com folhas de Guabirova, o velho sentiu o solo pedregoso oscilar. Algo tremendamente mosntruose se aproximava. E naquele lugar nenhum habitante era amistoso, por isso Akbar tentou esconder-se. Em vão, Jagua - Tê, o último da raça dos Teju havia sentido seu cheiro. Nas cavernas não há alimentos e sem ter acesso as frutas e ao mel, comida predileta de Jagua - Tê, desde que fora expulso da floresta, o monstro acostumou-se ao sabor da carne. Há dias ele não se alimentava, e quando seu olfato sentiu a presença do velho, mesmo sabendo que sua carne não era saborosa, decidiu comê-lo.

Quando das sombras o velho Akbar viu surgir uma silueta enorme vindo em sua direção, viu-se obrigado em acender seu lampião de emergência, revelando a ele o Teju. O monstro tinha o corpo de lagarto com quase cinco metros de comprimento de onde sete cabeças de cão mostravam seus dentes cerrados. O velho pôs-se a correr entre os túneis sendo seguido pelo monstro que se arrastava com agilidade entre os túneis.

Astuto, Akbar corria até encontrar um túnel mais estreito onde o mosntro não pudesse segui-lo. No entanto tropeçou em uma pedra, estatelando-se no chão. Quando pensou em reerguer-se, o monstro estava sobre ele, com suas cabeças famintas expelindo uma baba fedorenta.

Mas a velhice também não tirara de Mastich a agilidade, e cada vez que uma das cabeças dava o bote tentando abocanhá-lo, o velho driblava como maestria. Mesma maestria usada para sacar sua adaga de lâmina cortante, com a qual rasgou cabeça a cabeça do monstro, única forma de matá-lo.

A batalha nas cavernas roubara tempo do velho. Foi uma luta de quase vinte e quatro horas, e ele não teve mais tempo para descansar, correndo contra o tempo, e no décimo primeiro dia de sua jornada finalmente chegou exausto ao seu destino: A velha ponte no Cânion tapesh.

*****

Quando o jovem Alexander despertou com sonolência, ficou impressionado com o volume de ação em seu sonho. Pensou em até mesmo rabiscar algo em seu caderno, idéia abandonada antes mesmo de regressar do banheiro, com rosto lavado e dentes escovados. A imagem da velha ponte se perdera de seus pensamentos antes mesmo que o dia chegasse em sua metade. "Afinal, foi só um sonho, nada mais!"

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Os esquecidos - Canibais

Porto Alegre está quente nesta tarde de primavera. A selva de concreto que nos transformamos cada vez mais avança sobre nós, e torna nosso habitat mais infernal. São ônibus que cruzam seus corredores guiados por motoristas absortos em seus problemas, carros que enchem as avenidas num ritmo frenético, orquestrado por buzinas, e muitas vezes por conflitos e palavras de baixo calão...

Confesso nunca ter notado antes estes cenário caótico. No entanto dizem que a proximidade com a morte nos deixa mais sensíveis, e assim estou nesta tarde. Sensível. Percebo toda esta agitação, mesmo com meus passos apressados descendo a Barros Cassal. O relógio marca treze horas, e muitos auxiliares administrativos dos prédios comercial dos arredores aproveitam sua meia hora de almoço para conversarem na calçada, fumarem um cigarro, ou até mesmo cuspir o café e reclamar da qualidade, com uma morena que olha admirada ao colega que consegue sorver a bebida fraca, e morna.

Meu destino é a estação rodoviária. Por alguns segundos fico na dúvida, sigo pela Voluntários até o viaduto, ou vou pela Garibaldi, trajeto mais simples. Decido fugir dos mendigos, e das prostitutas que decoram a Garibaldi, e sigo pela voluntários, atravessando de forma destemperada seu trânsito de fluxo contínuo e veloz. Quero evitar um trecho mais longo até a faixa de segurança, e logo estou do outro lado, que me dá acesso às calçadas sob o viaduto. O céu está azul, mas o odor de urina é insuportável, e sozinho naquele caminho percebo que ele não é muito utilizado.

Olho para o asfalto quente, e carros passam sem notar minha presença, só acompanhada pelos olhos de uma gente que sequer podem assim ser denominadas. Seus corpos são cobertos por uma pele suja, cheia de cicatrizes, vestindo maltrapilhos, que só por sua imundície são capazes de causar uma infecção. Moram ali imagino. E não são poucos, que me miram com seus olhos esbugalhados, e bocas cujos dentes se perderam, e os que restam estão amarelos, e podres. “Esquecidos”. Assim os denomino. Carros e pessoas que por ali passam, nãos os vêem, ou fingem... Mas alie estão. Famintos, farrapos, cenograficamente se assemelham a zumbis que vimos nos cinemas. Culpo-me por percebê-los. Antes tivesse tomado outro caminho.

Meus passos se tornam mais rápidos, e logo estou prestes a atravessar sobre o asfalto do viaduto. Os veículos vindos dos bairros da capital me ignoram. Afinal, não era para estar ali. Não qualquer sinal que permita minha travessia, mas eu insisto. Sinto apenas a dor do choque de minhas amolecidas carnes contra o duro e vil metal do coletivo que esfacela meu corpo em dezenas de pedaços. Então os “Esquecidos”, por alguma providência são lembrados, e minhas carnes agora jazem em seus dentes carcomidos pelas cáries. Por um instante a sociedade lembrou-se dos “Esquecidos”, frente à chocante cena que assistiam, mas logo esqueceriam, e os habitantes daquele viaduto voltariam à penumbra do anonimato.