quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Numa noite de Sexta-feira Santa

Talvez vocês não conheçam o Passo Grande. Na verdade espero que não conheçam, aliás, lhes aconselho a não conhecer. Quem sabe se eu contar como ele é e o que acontece em suas águas corredeiras, vocês não teimem em ir até lá. Não é fácil chegar até ele. Fica obscuro entre bosques nativos no interior de Encruzilhada do Sul. O caminho mais fácil é que segue por Pantano Grande, entrar à esquerda no Vilarejo dos Gonçalves...

A paisagem do caminho é uma mistura de sentimentos. Assim como o medo e a adrenalina pela aventura se misturam, a aridez de campos secos mistura-se a pequenos bosques e vegetação de arbustos, graças a campos abandonados. Pouca gente vive por aquelas bandas. Há mais pinheiros pelo caminho, que boas almas a viver da agropecuária. E quando encontramos algum ser vivo, seus olhos são cabisbaixos e tristes. Na face carregam os sinais dos tempos. Não há gente jovem por lá. Foram todos embora.

Para chegar ao nosso destino, ainda passamos por um vilarejo e comemos poeira na estrada mal conservada. O capim e os galhos avançam pelo caminho dos que tem coragem de trafegar em lugares tão abandonados. Sabemos quando chegamos, quando entre aroeiras, vassouras brancas e vermelhas, uma massa de concreto corta o ar. Aí basta entrar num acesso escondido pelo capim à esquerda, e descermos lentamente até as margens do arroio.

A areia parece até ser de praia. Mas não há ondas. A água é dum tom verde-esmeralda e o leito do pequeno riacho tem corredeiras arredias e pedras espalhadas por todos os cantos. As margens são rodeadas por vegetação nativa. Corticeiras vivem por toda sua extensão. Há uns doze metros de altura fica a ponte de concreto, ligando dois pontos no meio do nada. Apenas ela é mais imponente que as árvores. Era neste lugar que por causa da minha indefinição passei uma noite alucinante de sexta-feira santa.

Bem, eu sou um desses sujeitos que faz tudo, e está presente em tudo. Não sei se me compreendem, mas há em meu íntimo um botão instalado que me impede de dizer não. É como se esta palavra não existisse em meu vocabulário. Acreditem, passei alguns apertos por causa disso. – Vamos pescar hoje? – Mas hoje é... – capaz isto é besteira dos mais velhos. – Mas... – Está bem vamos! E foi assim que entrei numa fria

Sexta-feira santa não punha mais medo nas pessoas. Principalmente nos jovens. Tem até os que fazem festa, vão a bailes. Cruz credo. Isto não ocorria nos tempos de meu pai. Talvez pescar não fosse maior pecado que pescar, e assim pela incapacidade de dizer não, e pela inocência de um jovem, parti naquele fusca. Éramos cinco. Mal tinha espaço para os apetrechos necessários para acamparmos. Na partida minha mãe, ainda tentou demover-me da empreitada. Mas era tarde. Não podia dizer não entre os outros guris.

Distraído por meus próprios medos, quando dei por mim estava cercado por aquela paisagem deserta. As árvores dançavam com o vento leve que se precipitava. Não gosto de mato. Mas estava no meio de um. Olhava para a ponte. Para ás árvores. Tinha sempre a impressão que algo desagradável surgiria da mata. Seus sons, suas sombras tudo me irritava. Mas me mantinha em silêncio. Já havia sido rotulado como medroso da turma, e queria desfazer aquela impressão.

Juntamos lenha para preparar uma fogueira. Com a tarrafa pegamos as iscas. Pobres lambaris. Até que davam uma boa fritada, mas para nós serviam apenas para habitarem nossos anzóis de aço. Largamos as linhas na água. Botamos as redes. A bóias-loucas. Estava tudo preparado, e quando a noite caía sobre nós, o fogo estava alto e o arroz e a lingüiça ferviam na panela de ferro. Bebíamos e contávamos piadas aguardando o jantar.

Dentre os cinco quatro já estavam embriagados antes das dez. Eu, o que menos bebia ainda conseguia discernir melhor. Tentei alertar que o vento aumentava, e que a lua cheia que por um momento iluminara nossas almas fora encoberta por nuvens negras e pesadas. Ao longe trovões podiam ser ouvidos, e não demorou para que uma chuva torrencial caísse sobre nós.

Neste momento ainda estava calmo. Exilados em nossas barracas de lona preta, eu era o único ainda acordado. Relaxava aos sons dos pingos estalando no plástico. Não há som mais calmante que esse. Um atrás do outro, como se regessem uma sinfonia. Fechava os olhos e fabricava imagens alegres. Então a noite começou a mudar de rumos.

Um ronco de motor se aproximava. “Quem Diabos, anda numa noite dessas por este lugar?” Indaguei mentalmente. Tentei acordar meus companheiros. – É só alguém indo pra casa. Disse um deles, e voltou a dormir. O ronco estava mais próximo. Era um ronco agudo. Forte. Andava lento. De repente, quando o ouvi próximo a ponte, o motor silenciou. Arrastei-me pela barraca, e pela fresta pude ver o vulto sobre a ponte.

Estava escuro e a chuva embaçava a minha visão. Mas jamais esqueci a silueta forte do homem sobre a moto, e o farol que mirava sobre nós e ofuscava meus olhos. Senti medo. Muito medo. Sabe quando uma presença te causa terror. Assim ocorria comigo. O motoqueiro nada fez, mas apenas sua presença me afligia. Seu repouso sobre a ponte nos mirando sua paciência e sua omissão com os fatos que sucederam sua chegada me atormentam.

Os pesadelos daquela noite me acompanham a cada noite, que relembro o fedor pútrido que invadiu minhas narinas. Era como se queimassem mil chifres de gado na beira daquele riacho. Ainda ofuscado pela lanterna da motocicleta, apenas ouvia o quebrar das águas contra as pedras. Elas serpenteavam as curvas de seu leito mais veloz que o habitual. Era uma enxurrada. Um manto de morte feito por água e peixes carnívoros que desciam rio abaixo. Vi alguns desses animais se regozijando com as carnes de meus amigos.

Quando as águas me sugaram para seu interior vi meus olhos serem cegados pelas águas escuras. Girava como as hélices de um navio num verdadeiro redemoinho. Era como se estivesse dentro de uma máquina de lavar roupas. Troncos e galhos tiravam raspão, arranhando meu corpo e distribuindo meu sangue. Sangue este que alertava o estranho cardume. Não tinha relatos de peixes carnívoros na região, mas naquela noite eu os pude ver. Eram enormes. Anormais. Seus olhos luminosos cor de fogo transformavam a solidão do mundo submerso do riacho numa grande metrópole com suas lâmpadas acesas.

Quando uma boca com dentes mais afiados que navalha penetrou minhas carnes, gritei medonhamente. A água invadiu minha boca e meus pulmões, silenciando a minha expressão de dor. Não podia mais gritar, e as mordidas aconteciam sucessivamente. Mentalmente orei um Pai Nosso, pois apenas a providência divina poderia salvar-me. Pedi perdão por meus pecados, e jurei nunca mais desrespeitar a sexta-feira santa. Minha mãe sempre dizia que neste dia “o bicho ruim” andava solto. Lembrei de suas palavras, e adormeci sem mais nenhuma consciência, e com vela da vida deixando de queimar seu pavio em minha alma.

Quando acordei já estava nesta cadeira de rodas. Sem minhas pernas. Sem um dos meus braços. Meu rosto está desfigurado, um dos olhos não existe mais. Apenas as lembranças daquela noite continuam perfeitas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Mais um conto de natal

Marcondes chega em casa no dia 23 de dezembro. Não é uma casa como as que você conhece. É uma casa pobre, onde as paredes de madeira são arejadas naturalmente pelas rachaduras, e o telhado está às vistas pela inexistência de forro. Mas Marcondes não reclama. Esta ali de favor. A casa de três pequenos cômodos divide com a esposa e seus dois filhos...

Natanael, pouco entende da data que se aproxima. Já Benjamim, de cinco anos, toda tarde chega para abraçar-lhe, e contar do pedido depositado num pequeno pinheiro improvisado por Judith. Ele abraça o filho, diz poucas palavras, e vai ao banheiro. É lá que gosta de pensar. Refletir. É na solidão entre aquelas pequenas paredes, que o envolvem, que ele toma muitas de suas decisões.

Marcondes liga o chuveiro, e a água morna começa a escorrer lentamente sobre sua pele tostada pelo sol, de um dia inteiro. Infrutífero por sinal. As vendas não iam bem, e ele dependia de suas comissões. Uma ou outra prestação, água, luz, farmácia... Não havia fórmula mágica para os números que são acompanhados por cifras.

No caminho, ele passara por tantas vitrines. Vermelhas. Enfeitadas. Coloridas. Na tevê a mesma coisa. Propaganda. Muita propaganda. E enfim o bom e velho papai-noel se tornara alguém muito famoso, e de muitas faces, e empregado em diversas lojas. “Devem ser clonados, ou são fabricados em larga escala!” Pensava Marcondes, enquanto pressionava ao máximo o vidro de xampu quase vazio.

Como a água cada vez mais quente estava sua cabeça. Ele não queria falhar. Mas sua impotência o castigava. Ele calculava de um lado, puxava números de outro, somava aqui, subtraia ali, mas não chegava a um denominador comum. De forma alguma papai-noel conseguiria entregar ao jovem Benjamim seu Auto Posto, desejado há três natais no mínimo. “Não... Não posso adiar mais uma vez...”

Marcondes sabia que entraria como uma navalha a cara de frustração. De descrédito de seu rebento. Crianças apenas desejam. Sem maldade. Benjamim, talvez logo esquecesse, talvez até mesmo compreendesse, mas Marcondes sabia, e isto era o suficiente para atormentá-lo.

A toalha ríspida lavada sem amaciante passava pelo corpo do pai, quase em desespero por ver sua impossibilidade em atender o desejo de um filho. Vestiu um calção velho, e a camiseta lacrimejando. Estava prestes a chorar. Porém, não podia ver seu garoto esperar por uma visita que jamais chegaria no dia vinte e quatro.

O garoto assistia televisão. Ironicamente a propaganda mostrava o tão desejado brinquedo. Os olhos do menino brilhavam. É o que acontece quando desejamos algo tão profundamente. Nossos olhos brilham. Mas os olhos de Marcondes não brilhavam mais. Estavam profundos e vazios. Caminhando a passos lentos, pegou sobre a pia uma pequena faca. Empunhou firme, descascando de forma firme e raivosa o pêssego que estava noutra mão. Foi até o quarto e sentou-se ao lado do garoto.

A faca machucava a carne da fruta como se Marcondes quisesse machucar sua própria carne. Era uma decisão que não teria mais volta. Talvez Benjamim jamais o perdoasse. Jamais o entendesse. Mas o desesperado pai estava desesperado. E algo iria morrer definitivamente naquele dia.

Marcondes aproximou-se do jovem, e com o braço esquerdo o envolveu em seu colo. – Chega mais perto do pai, meu filho! O menino então olhou-o no fundo dos olhos como se previsse que algo aconteceria. Ficou em silêncio aguardando que seu pai continuasse a fazer o que estava decidido fazer. O menino viu uma lágrima escorrer, e os lábios de seu pai tremerem até que balbuciantes e chocantes palavras foram pronunciadas: - Meu filho, Papai-Noel não existe!

Com aquelas palavras, naquele dia uma crença morreu. Benjamim deixou a acreditar no natal.















quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Os 7 maiores detetives da literatura mundial

Encontrei neste blog uma interessante lista com os 7 maiores detetives da literatura mundial. Clique AKI e veja.

Digite aqui o resto do post
A estrada como de costume estava deserta naquela madrugada. Os três amigos, cada qual mais embriagado que o outro, ziguezagueavam sobre o asfalto áspero que cortava a pequena cidade de Pantano Grande ao meio. O lugar, no coração do Rio Grande era pacato, e não tinha mais que dez mil habitantes. Os amigos, Cleiton, Eduardo e Jeferson, voltavam para casa depois da festa num clube da cidade...

Do centro até os sítios onde moravam, pouco mais de seis quilômetros, e mesmo bêbados eles voltavam a pé para casa. Cleiton abriu seu telefone celular e verificou que já passava das cinco. Eduardo parou sobre o acostamento, abriu seu zíper e pôs-se a urinar toda a cerveja que bebera na festa. Os outros dois o seguiram, e enquanto encharcavam o solo com o líquido ácido e quente que saia de seus pênis, cantarolavam aos gritos uma canção desafinada. Nem mesmos os dois olhos de luzes que despontava antes da curva inibiram o grupo, e quando o carro passou por eles, se viraram para a estrada apontando seus membros em direção do veículo. O carro passou sem percebê-los.

O trio, mais alegre que o de costume, seguiu seu caminho. Com os pés cansados, tiraram os sapatos, e caminhavam sentindo o sereno da primavera. A cantoria continuava. Apenas a canção se alterou, e logo no início de uma curva que abria as cortinas para o cemitério municipal, ao invés das baladas populares começaram a entoar a ave-maria e o pai nosso. Cleosvaldo, o vigia, escondeu-se atrás dos muros jogando-lhe pedras, mas o álcool impedia que os amigos temessem ate mesmo os mortos. Estavam na metade do caminho para casa.

A propriedade dos pais de Jeferson era um pouco antes da dos irmãos Eduardo e Cleiton. – É to quase chegando! Disse Jeferson de forma atrapalhada e gaguejante. Antes da porteira que dava acesso para o sítio, cruzaram pelo milharal. Era um atalho. As espigas estavam verdes. Tenras e doces. – Ajuda a diminuir o álcool no sangue. Dizia Eduardo ao desfolhar e devorar uma espiga inteira enquanto cruzava pela plantação.

- Não sei por que, mas detesto milharal. Disse Jeferson.
- É parece que tem sempre alguém nos espionando. Respondeu cleiton.
- Essas folhas, se roçando... Chega até mesmo dar arrepios. E você, Duda? Duda? Duda...

Eduardo não respondeu a nenhum deles. – Deixa de ser idiota moleque. Pensa que vai nos assustar. Os dois seguiram pelo milharal. Um vento que começou a soprar mais forte dava a impressão que dezenas de pessoas circulavam pela plantação. – O idiota do Duda, pensou que ia nos assustar... Não é Cleiton? Cleiton? Cleiton...

Cleiton também havia desparecido? Ou seria apenas uma brincadeira de mau gosto. Jeferson bem conhecia os dois, e preferiu continuar caminhando no mesmo passo, do que servir de piada no dia seguinte. “Droga de plantação! Parece que tem sempre alguém nos seguindo!” murmurava em vos baixa. Seus olhos estalados olhavam em todas direções, pois queria estar prevenido quanto alguma aparição abrupta de seus amigos. Não queria deixar-se levar pelo susto. Com as mãos abria caminho entre as folhagens da planta. O milharal estava quase vencido.

Mas ele não conseguia observar a tudo, e tropeçou em algo. Na verdade foi levado a tropeçar, pois antes de seu corpo se espatifar no chão, percebeu que uma espécie de laço, com três pesos nas pontas o desequilibrara. Nem bem caiu uma rede caiu sobre seu corpo, lhe causando pequenos choques elétricos. Com os olhos enfumaçados, e a consciência lhe fugindo sentiu seu corpo sendo arrastado pela terra fofa.

Jeferson, mesmo com a visão turva movimentou sua cabeça para tentar ver quem o havia capturado. Pode ver apenas um par de pés descalços. Não eram pés humanos. Eram pés enormes, esverdeados, e escamosos... Dos calcanhares duas grandes unhas encurvadas se assemelhavam com ferrões. Aquele par de pés levava seu dono - que devia ter mais de dois metros de altura, se a julgar pelo tamanho dos pés – a passos lentos e torturantes em direção de uma luz forte.


Jeferson voltou então a rezar, como fizera a pouco, quando cruzara pelo cemitério. Mas dessa vez o cântico estava afinado, e bem mais sincero. Porém talvez a brincadeira anterior tenha irritado ao poder celeste, e sua oração não foi ouvida.





quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A ultima tarde de Mário

Até onde vai nossa honestidade e nossa moral? Esta pergunta martelava insistentemente o cérebro de Mario Bergmann. A casa dos trinta lhe chegava, e o marasmo de sua vida inútil lhe assustava. Era um terço de uma vida para quem desejava ultrapassar os noventa, e até ali suas escolhas haviam sido erradas, afinal, em sua testa via escrito fracasso cada vez que se refletia no espelho...

Era uma terça-feira de calor insuportável, dezembro transformava a metrópole num verdadeiro inferno. Quinze pra três da tarde, e ele caminhava apressadamente pelas ruas do centro. Era o último dia de depositar os valores do aluguel. Isto o chateava. Sua vida não existia, ele apenas contava regressivamente a chegada de sei fim. Depois disso, nada que marcasse sua existência seria legado à humanidade. Mario não queria apenas morrer, partir sem deixar qualquer rastro, mas isto não lhe era possível... Sem dinheiro, não a imortalidade, não há grande feitos, e ele teria de se contentar com a burocracia do escritório administrativo, e ao final do mês receber uma gratificação que lhe permitisse sobreviver.

Era Mario um sujeito metido a filósofo. Mesmo que ninguém o visse assim, ele elaborava teorias solitárias. Para ele a grande parte da humanidade apenas sobrevive. Passa trinta dias aguardando outros trinta, sempre iguais... Viver ao contrário, era algo mais complexo, implicava em felicidade, alegrias, e para isto, Mário era taxativo, apenas o dinheiro proporcionava. Uma vida sem pensar em contas, poder ir e vir para o lugar desejado, divertir-se... Tudo isto lhe custava caro.

Quando ele entrou no Banco faltavam cinco minutos para o fechamento da agência. Estavam todos lá. Marcílio, o guarda, o Gerente Vicenzo, e lógico uma fila de clientes. Mário suava. De seu rosto envelhecido pingos d’água escorriam até sua blusa. O guarda cumprimentou-o, como sempre, afinal era um cliente assíduo. Nunca de grandes valores, mas de pequenas quantias, sacadas e depositadas quase que diariamente. Mário foi então ao seu encontro, como se fosse cumprimentar-lhe. Mas não o fez, ao contrário, sacou uma arma de dentro da pasta e mirou na cabeça do guarda. Ele levantou as mãos, e Mário lhe retirou a arma. Depois jogou a pistola de brinquedo no chão, e anunciou o assalto com o 38 do próprio guarda em mãos.

Gritos, tentativas de correria, e o homem resoluto do que faria disparou para o alto. Foi até o gerente e lhe exigiu a chave do cofre. Era dia de pagamento de aposentados, ele sabia que havia volume em seu interior. O gerente tentou despistá-lo, mas o homem decidido mirou num dos homens atirado ao chão e acertou-lhe a cabeça. – Não estou brincando! Bradou firmemente.


O gerente começou a recolher o dinheiro com a pistola sobre sua cabeça. O saco ia se avolumando. Mário já cogitava tirar umas férias. As sirenes se aproximavam, e quando ele deu o assalto por finalizado, e estava satisfeito com a quantia arrecadada se retirou da agência, com gerente engravatado por seus braços firmes, e sempre na mira do revólver.

Tudo havia sido planejado por Mário. O assalto, a saída com o refém, á fuga no primeiro carro que lhe surgisse, até mesmo uma possível perseguição, estava cogitada. Porém Mário não era ladrão. Nunca foi. Até mesmo para ser bandido se carece de experiência, de vocação. Um homem pacato como ele jamais calcularia todas as variantes de uma ação criminosa.

O tempo para ele parecia muito rápido. Mas não tão rápido que não permitisse a posição dos atiradores de elite. Foi de um deles que partiu a bala certeira, que lhe atravessou a cabeça. Os seus dedos pesados pela chegada da morte chegaram a disparar o gatilho, mas atingiram o gerente de raspão. Mário caiu morto, manchando a calçada de vermelha, pelo seu sangue em poças que deslizava até o primeiro bueiro que encontrou. Não sei qual era o desejo de Mário naquela tarde confusa e trágica. Talvez fosse apenas o dinheiro, talvez fosse encontrar a morte, e a falta de coragem nunca lhe permitiu fazer isto com as próprias mãos. Apenas sei que ele não chegará aos desejados noventa anos. Abreviou em dois terços, sua vontade de viver, e o máximo que conseguiu de reconhecimento foi seu nome em pequenas reportagens na página policial, que davam conta da tentativa de assalto frustrada. Até mesmo ao ganhar seu minuto de fama, Mário, apresentou-se como um fracassado.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

NATÉRCIO, O LOBISOMEM CONTRARIADO

Havia quatro homens dentro do bar. Ariovaldo, Natércio, Oliveira e o dono, Joelmir. Passava da meia noite de uma sexta-feira treze, e a chuva torrencial produzia assustadora sonoridade ao se chocar com o telhado da construção rústica e mal acaba. Sobre a mesa de lata estampando propaganda de cerveja uma dúzia de garrafas vazias repousava. Estavam todos bêbados...

Jogavam sinuca, falavam de mulheres, e bebiam... - A última, Joelmir. Disse Natércio, homem que todos tinham por lobisomem. O assunto lhe era desagradável, e Oliveira, o mais pândego entre eles resolveu "cutucar a onça com vara curta". Nesse caso mais propriamente o lobo.

Na verdade nunca se confirmara a hipótese. Ninguém vira a metamorfose, nenhuma testemunha, apenas algumas cabras, e ovelhas dilaceradas pelso sítios vizinhos. Fatos que geraram os boatos, que recaíram sobre Natércio, um homem passado dos cinquenta, meio mulambento, com a barba sempre por fazer, pêlos espalhados por todo o corpo, inclusive nas orelhas. A associação com a fera era inevitável.

- Pois é Ariovaldo, ainda bem que o tempo tá ruim, pois se a lua cheia tivesse clara, eu que não ficaria perto do Natércio. Disse Oliveira. Ariovaldo riu, e Joelmir entrou na conversa. - Qual é o sabor da carne da cabrito, crua, heim Natércio. O homem cerrou o olhar e frangiu as sombrancelhas. - É melhor vocês pararem com este assunto. Disse.

Porém a cachaça e a cerveja normalmente embalam o humor, e els seguiram com a conversa. - Não tem problema, rapaz, pode confessar pros amigos. Mas antes de tu matar os bichinhos? Insinuava um. - Pobre das crianças, basta o companheiro chegar perto que não resta um piá nas ruas. Lembrava outro.

Distraídos na brincadeira, os três não perceberam que Natércio estava vermelho. De raiva certamente. A cerveja já lhe orientava, a o caçoar de seus amigos lhe parecia provocação. Humilhação... - Por favor, me respeitem. Bradou numa última tentativa. Em vão, continuaram com as palavras ostensivas, contra Natércio, o lobisomem.

Então ele empunhou um dos tacos de sinuca de forma firme e obstinada. Suas mãos calejadas não o soltava por nada, e partiu contra cada um de seus amigos. No dia seguinte, quando Adair Correa foi até o bar comprar pão adormecido, encontrou um cenário macabro. Três corpos mutilados tinham seus membros espalhados pelo salão do bar. - Meu Deus! O lobisomem atacou ontem à noite! Disse espantado.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Baratas Assassinas

O banheiro da casa de Bianca era espaçoso. Tinha quase dez metros quadrados, e era o lugar preferido da jovem para deleitar-se nua na banheira, um luxo que custara a seu pobre pai cerca de quatro meses de salário. Envolvida na suavidade da espuma tocando seu corpo tenro e rijo, ela não percebia a passagem do tempo, até cair nas profundezas do sono...

Ela pensava estar sonhando. Auquela gélida água lhe tocar, e o som dos motores sendo interrompidos pela queda de energia. A luz apagada revelando o lado sombrio do ambiente, pois nenhuma luminosidade penetrava no pequeno ambiente, já que a noite avançava no lado de fora...

No entanto para Bianca, apenas um sonho regado a música pop que tocava em seu Ipod. Havia sido um dia difícil de provas na faculdade, e atirada ao descanso merecido, as sutis patas que tilitavam ao tocar o piso cerâmico não foram percebidas... Mas eram centenas, milhares...

O chão branco, de uma higiene impecavél era tomada pelos insetos vorazes que emergiam dos ralos putridos do esgoto da metrópole. Baratas, gigantes, por sinal em comparação ao seu tamanho habitual. No entanto, para o azar da jovem distraída era a fome irracional que se abatia sobre asquerosos seres vivos, que formavam pilhas uma sobre as outras para avançar verticalmente pela banheira.

Algumas morreram afogadas em sacríficios pelo bando, que logo alcançou a saborosa e tenra carne de Bianca. Seus dentes minúsculos, se constituía em feroz e atroz navalha, rasgando a pureza e a vida de Bianca, que em vão tentou gritar por socorro, mas logo foi calada, e suas cordas vocais rasgadas pelos monstruosos animais.

Quando sua Mãe Lucia adentrou no banheiro após seu pai arrombar a porta com chutes, a jovem havia desaperecido, e nem mesmos de seus ossos havia restado vestígios. A baratas haviam roído cada célula daquela moça. A banheira estava vazia, sem Bianca, e apenas com uma ou duas gotas de sangue...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Um twitter pra lá de estranho.

Descrube em minha lista de seguidores no Twitter, um cidadão um tanto estranho, e que no mínimo tomou umas três xícaras de cha de cogumelo. Clique aqui e confira o doidão.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Motel Viena

Claudia estava submersa na banheira. Totalmente nua. A água quente e borbulhante tocava sua pele, e ela relaxava num descanso merecido. Ao longe admirava seu esposo em sono profundo sobre a cama. Jorge havia sido especialmente magnífico naquela noite. Com ele, Mariana e Ricardo dividiam o mesmo espaço. A loira tinha realmente um corpo descomunal. Suas coxas fartas, sem bumbum saliente se mostravam uma visão de deleite. Claudia nunca admitira, mas sempre tivera curiosidade em saber como era amar outra mulher. E ela não teve arrependimentos. Ricardo, da mesma forma era um bom amante, e os quatro haviam realizado todos os seus desejos...

A morena de seios fartos e lábios carnudos pensava na cumplicidade de seu esposo. Há poucos homens como Jorge. Abertos a novas experiências, modernos... Era a imagem que ela compunha de seu companheiro de mais de dez anos, quando a energia caiu. A escuridão plena se apossou da suíte, e ela não podia avistar um palmo a sua frente. O trio que admirava com carinho foi encoberto por um manto negro. A hidromassagem desligou-se automaticamente. A água passava a lhe gelar o corpo eriçando cada pêlo existente em sua epiderme. Ela tinha que sair dali. Chamou pelo nome de Jorge um, duas, três vezes... Ele não respondeu. Devia estar em sono profundo. Resolveu chamar por Ricardo, e depois por Mariana, mas ninguém lhe atendeu. “Droga! Nem fizemos tanto sexo assim para ficarem imprestáveis...” Praguejou ela mentalmente.

Com a água cada vez mais fria, tateou pela toalha. Macia. De algodão, e enrolou em seu corpo. De pé, fechou os olhos buscando lembrar mentalmente a disposição dos móveis. Aquele motel lhe era um lugar estranho, e ela não queria bater suas pernas frágeis contra qualquer obstáculo. À direita recordou-se estar uma mesa com tampo de vidro onde ela e Mariana jogaram suas bolsas enquanto beijavam-se calorosamente. Só a lembrança dos dedos atrevidos da estagiária entre suas pernas lhe excitava. Queria chegar até a cama redonda, e acordar qualquer que fosse que estivesse a fim de saciá-la novamente.

Enquanto caminhava passo por passo sobre o piso gelado, já que não encontrara as pantufas, lembrava-se da tarde daquela sexta na empresa, e do impulso de Jorge em lhe propor um encontro a quatro. “Safadinho. Provavelmente havia combinado tudo com esta vadia. Ele conhece cada um na fábrica, e macacos me mordam que ele não sabia que não sabia que a estagiária andava se refestelando com o entregador pelos cantos. O flagra foi apenas um modo de me convencer a esta loucura... De qualquer forma esta valendo a pena...”

Distraída pelos pensamentos Claudia sentiu suas panturrilhas tocarem algo macio e fofo. Era o sofá, e este estava à esquerda, o que lhe indicava centralizar mais seus passos, que a cada incursão de seus pés encontravam uma peça de roupa perdida pelo chão. Persistente a calma, guiada apenas por seu instinto em meio a tanta escuridão ela finalmente chegou até a moldura da cama redonda.

Como uma gata, ela foi se aninhando entre os corpos. Eles estavam inertes, e não notavam a presença daquela mulher que desejava mais prazer. Ela roçava seu corpo, novamente nu em seus corpos. Estranhamente ela percebeu que estavam úmidos. Mas não lhe parecia um líquido comum. Era algo viscoso, e ela não podia definir o que era em meio a tanta escuridão. Seu coração começava a se agitar e suas batidas era o único som a ouvir naquele momento. Voltou a chamar um por um... Sua voz estava embargada pela preocupação daquele silêncio melancólico. Cutucou um deles. Não podia precisar qual. Com a força impregnada por suas mãos ansiosas o corpo deixou a inércia de lado pendendo para o lado direito da cama, sem responder-lhe com qualquer ação.

A aflição dera lugar ao medo no coração de Claudia. Um por um tentou acordar, e a única coisa que conseguia tatear era o líquido viscoso que os cobria. No centro das trevas ela gritou... Chorou... Não via nada. Apenas seu tato dava-lhe indícios que algo de errado acontecia. Não conseguiu estancar o choro convulsivo e solitário. Ela não sabia o que fazer. Sentou-se, e com os joelhos dobrados abraçou suas pernas numa posição que ficava quando ainda adolescente sua falecida mãe lhe punha de castigo.

De repente um chiado quebrou o silêncio monótono. Ela olho para os lados. Não via nada. Mas o som estava a cada segundo mais nítido. Até que então uma canção podia ser escutada. “Sunday bloody Sunday” dizia o refrão vindo do pequeno rádio relógio sobre o bidê. Seus números digitais de um tom alaranjado como as chamas do inferno estavam travados, e marcavam 00:10. “Como funciona, se não há luz? Que dia mesmo é hoje? Sábado... Hum! Mas deve ser quase meia noite...” O volume começou então a reduzir, e ao passo que este diminuía, o marcador movimentava seus números de forma decrescente até marcar 00:00.

No exato momento em que zerou o marcador digital a energia retornou ao quarto. A luz como as trevas é rápida e ágil, e por um instante cegou Claudia. Quando suas pálpebras sentiram-se confiantes para descerrar a cortina daquele cenário, se abriram vagarosamente. Claudia temia o que iria enxergar. E quando seus olhos finalmente lhe permitiam ver, ela queria voltar a cegueira que até instantes lhe deixava alheia ao cenário macabro daquele quarto de motel.

Sobre a cama três corpos decapitados, e esfaqueados às dezenas inundavam de vermelho os brancos lençóis de cetim. Claudia permanecia imóvel. Seus olhos vidrados miravam distante, como se sua alma viajasse para muito longe. Nem mesmo a maquiavélica faca de açougueiro jogada ao chão lhe chamava a atenção. Seu desejo era de negação. Não queria crer no que seus olhos não podiam mentir. Estavam todos mortos. Apenas ela ainda vivia.

Claudia finalmente encontrou uma solução. Na verdade a única que lhe viera ao pensamento. Levantou-se da cama e caminhou como um zumbi sem vida até a porta que dava acesso a garagem. Abriu-a e viu o carro de Jorge. Abriu a porta e recostou-se no banco. Olhou a chave na ignição e uma alternativa lhe surgiu. “Não. Não acreditarão em mim...”

Claudia sempre fora conhecida por ser uma mulher decidida. E naquela madrugada de domingo ela sabia o que fazer. Já havia tomado a decisão ao levantar-se da cama encharcada de sangue. Abriu o porta-luvas. Jorge sempre guardava a pistola naquele lugar. Ela a empunhou com firmeza, e sem titubear um único segundo, apertou o gatilho, e a bala ardente abriu-lhe um rombo no crânio. Os vidros com sangue respingado por toda a parte compuseram a ultima parte do cenário triste embalado pela música que voltava a tocar dentro da suíte...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

IML 0666

Claudio juntou todas as suas economias para adquirir seu bem mais valioso, um veiculo popular, mas que para ele se constituía num grande troféu para um homem de vidas simples e percalços rotineiros, que cada pequena coisa é uma grande vitória aos que nada tem....

Depois de muito planejamento, e com o dinheiro em punhos saiu da concessionária dirigindo seu carro, saboreando o cheiro de plástico dos bancos ainda intocados, ouvindo o som do motor ainda um tanto bruto, solicitando ser amaciado por pés firmes. Chegou em casa e na primeira noite o admirava de hora em hora.

No dia seguinte o operário foi até o centro de registros. Afinal, seu novo bem precisava de uma carteira de identidade, e assim como seu erregê, o carro tinha que ter uma placa. E foi no balcão do órgão público que seu sonho começou a tornar-se um pesadelo. – IML 0666, Senhor. – O quê? – Sua placa Senhor, IML O666. Disse o servidor.

Nada além dos carros do rabecão acostumados a carregarem defuntos veio ao pensamento de Claudio. “Instituto Médico Legal. Que Merda!” Pensou ele. – Posso trocar? – Pode senhor, serão mais setecentos reais em taxas. – Como? O senhor pode escolher a placa. A taxa é setecentos reais, senhor! – Mas não tenho esse dinheiro. Não da pra ti mesmo trocar? – Infelizmente, não posso fazer nada senhor, o sistema é automático. – Mas... Claudio tentou ponderar, mas contra o sistema, ninguém vence, pois ele é um inimigo invisível. Contrariado, saiu com o carro emplacado. “IML 0666. Que número mais desgraçado. Claudio, 666 não é o número do capeta?” Conversava consigo mesmo.

Contrariado entrou na rodovia que levaria até sua casa, indignado com a placa do veículo, e contra o servidor que o atendera. “Filho da mãe...” E tantos outros palavrões emanavam de sua mente que a única imagem que lhe vinha era o debate no centro de registro, e o sorriso sádico do atendente que lhe informara a placa.

Claudio formava teorias conspiratórias. “Ele sabia... Fez para me irritar... Filho da mãe... Aqueles olhos cintilantes me olhando, negros como a piada que me dizia... Aquele sorriso largo de alegria em ver alguém assustado... aquele cavanhaque ridículo... filho da mãe...”

Absorto na imagem sarcástica do homem Claudio não percebeu a carreta cada vez mais próxima, tampouco ouviu a buzina estridente, e nem o grunhindo dos pneus, e mergulhou para a morte, ficando seu corpo entre os ferros daquilo que um dia fora seu grande sonho. Se seus olhos arregalados, petrificados pelo horror da morte, se revelassem a última imagem de sua vida, lá estaria aquele homem... Sorrindo...