segunda-feira, 31 de maio de 2010

Drakónballus

Num remoto e perdido tempo ergue-se os pilares de um mundo chamado Tuc-Dhor. Não é um mundo como o nosso. Não são pessoas como nós. Não são monstros como os nossos. Mas vivem numa sociedade, onde muitos dos nossos erros estão presentes, e caminham para um futuro glorioso, como outrora caminhamos... O rosto quadrado do homem esbanjava gotas de suor, mesmo naquela noite ébria e gelada, onde os sentidos se conflitavam, num emaranhado de emoções a fazer perder-se o mais valoroso dos homens. A barba crescia como se cem sacos de adubos tivessem sido jogados em sua face. Os olhos estalados em busca de uma ínfima luz que lhe norteasse o caminho em meio às trevas davam a impressão de ter um surto de overdose.

Desde que ele jogara-se em missão inglória tinha noção dos perigos que o confrontariam. No entanto nem o mais abissal dos monstros podia ser tão terrível como a vasta solidão dos últimos dias. O jovem hábil na espada flertava com a loucura, num prelúdio de fracasso.

A tenra e jovem tez se perdeu com os efeitos drásticos dos climas por qual seu corpo passara. Suas pernas, de músculos firmes, bambeavam fraquejadas pela fome que o acompanhava nas últimas semanas. A espada de aço nobre pesava como mil espadas de uma infantaria completa. Seu tormento maior a lembrança de que aquilo tudo nada mais era que apenas o caminho para um encontro com mais temível das criaturas.

Como haveria de vencer a batalha, se o caminho pedregoso lhe roubara suas forças? Como enfrentar horrenda criatura se seus punhos não erguiam mais a espada? Como sobreviver a uma batalha já desigual em condições normais? Como não morrer? A cada pergunta feita por si mesmo, vinha-lhe a mente as frases adversativas de seus entes para que não se dedicasse a tamanha loucura.

Seu próprio mestre mor advertiu-lhe: - Sem dúvida, tu és um grande guerreiro. Sua espada é rija, e seus punhos não relutam frente o inimigo. Seu coração é puro, sua honra de alto grau, porém sua coragem muitas vezes aproxima-se da prepotência. Não lhe aconselharia a tal jornada. Disse o homem que o ensinou nos preceitos dos cavaleiros.

Sir Joel Carl Van, um dos mais respeitados cavaleiros da guarda de Roraf, eminente rei de Kua-R encontrou o menino Sygmund Lewis bradando sua espada de madeira contra um sórdido comerciante, capaz de afanar mercadorias de jovens e crianças. O homem estava deitado, quando Sygmund elevava a arma à nuca para desferir um golpe que machucaria bastante do espertalhão.

Tinha treze anos o garoto quando o chefe da cavalaria o convidou para uma visita ao castelo, e algumas semanas de treinamento.

Àquela época, cavaleiros não tinham muito mais que fazer. Perambulavam pelos campos e cidades em busca de qualquer atrito que valesse a pena empunhar suas espadas. Não era tarefa fácil nos primórdios da terceira era, quando os reis sonhavam com a paz e o desenvolvimento das descobertas.

Mesmo assim a mítica que cobria os honrosos guerreiros e suas virtudes, sempre declamadas em poemas e canções foram o suficiente para que Sygmund aceitasse a oferta, e deixasse a pequena fazenda em que produziam os mais vermelhos e saborosos tomates de Tuc-Dhor.

As semanas viraram meses, se Multiplicaram em anos, e quando a juventude desabrochou Sygmund, era uma grande promessa de cavaleiro, talvez o único capaz de suceder seu mestre, entre todos seus discípulos.

Foi durante este período que a lenda começou a invadir sua cabeça, e de um desejo, tornar-se obstinação... Obsessão...

Nas conversas encobertas pela noite, e longe dos ouvidos do mestre, se falava sobre as mais temíveis criaturas, as quais apenas os mais valentes cavaleiros poderiam glorificar-se do jubilo da vitória.

Foram estas conversas que fizeram Sygmund contrariar seu mestre e partir. A noite caía silenciosa, e as boas almas dormiam quando ele tomou posse de seus poucos pertences e partiu caminhando sorrateiramente. Queria despedir-se, mas sabia que não teria compreensão.

O poder supremo e a imortalidade galgada com a vitória não atraiam seu mestre. Ao contrário, ele insistia que era um fardo demasiadamente pesado para carregarem os homens, onde muitos se perderam nos caminhos negros das sombras ocultas, e nunca mais retornaram para o lado luminoso dos benfeitores. Para ele, cavaleiros eram cavaleiros, e isto por si só bastava. “Aos Drakôns, as coisas de Drakôns”. Dizia o mestre tentando fazer que seus discípulos compreendessem que no mundo cada um tem seu destino. Seu fardo.

Mas Sygmund discordava. Qual homem não gostaria de vencer a criatura mais temível que já viveu sobre Tuc-Dhor? Qual cavaleiro negar-se-ia o direito em derrotar o mais forte dos monstros? E qual direito em abdicar tamanho poder aos homens?

Seu coração latente e palpitante como costumeiro nos jovens afirmava a necessidade de demonstrar sua força. Sua coragem. Sabia ele que apenas os mais corajosos poderiam gozar de tamanho feito. Era o que ouvia entre os aspirantes, e entre muitos cavaleiros. Quem vencesse um Drakôn provaria ser o maior entre todos os cavaleiros. Um guerreiro hierarquicamente acima dos demais. E isto era o máximo que poderia desejar alguém sem o sangue real escorrendo nas veias.

E Sygmund estava longe de ser um nobre de linhagem real, mas seu coração era inflado com desejos grandiosos, e eram esses sonhos o combustível para a jornada que iniciara á meses.

Na solidão mórbida o guerreiro estava prestes a tombar.

Seus braços tateavam o nada absoluto, enquanto rastejava buscando uma saída para o labirinto invisível em que se metera. Era como se encontrasse um buraco vazio. Talvez fosse exatamente isso.

Naquela noite quando saiu furtivamente estava decidido a rumar ao norte, além das fronteiras geladas, donde se supunha que terminasse o mundo. Quando a paisagem verdejante cessasse um novo mundo abrir-se-ia a sua frente, onde lendas antigas diziam que um vasto plano branco se estenderia ao infinito. Depois dele estariam as montanhas dos Drakôn, onde em suas cavernas cobertas de pedras se escondiam as feras.

E fazia á muito que ele cruzara o infinito branco, que lhe cegou os olhos por semanas até jogar-lhe no escaldante e surreal caldeirão dos demônios, numa terra em brasas, e mar em fogo, o qual venceu graças ao seu laço preso a um animal alado.

Naquela altura, em alguns momentos chegou cogitar estar errado. No entanto o brilho da recompensa não se compara ao fosco do comum, do habitual. E ele seguiu sua jornada...

Suas lembranças mais recentes eram um vale onde unicórnios selvagens pastavam a vontade sem as rédeas de seus cavaleiros. O verde era vivo, e a abóboda celeste, anil como nunca virá. Foi quando fez sua ultima refeição... E já fazia muito tempo.

Quando e como foi sugado pelas sombras, que se pareciam eternas, ele não sabia. Não lembrava. Nem mesmo quanto tempo transcorrera, já que no infinito o tempo não anda como na terra dos homens.

Quando resolveu ir atrás de seus sonhos queria provar ao seu mestre que ele estava errado. Ele queria convencê-lo de que é possível dominar a energia incontida do poder. Queria provar que nem todos os homens se corrompem pela oportunidade. Até então, todos os outros que tentaram haviam falhado.

E ele talvez estivesse mais longe que isto. Estava perdido. Sem nenhuma luz. Sua consciência era sua única e voraz companhia. O medo não era mais pelos Drakôns, mas de si mesmo.

Rastejava como uma serpente. Seus braços se moviam como quando nadava no pequeno rio perto de casa. Era uma época feliz, onde passava longe de seu coração o desejo de ser cavaleiro. Só a pureza resgatada por aquelas lembranças davam-lhe forças de continuar em frente rumo ao nada.

Desmaiou. Mesmo assim seu corpo em movimento compulsório ia em frente.

Quando recobrou a lucidez estava coberto por arbustos ásperos que lhe riscavam a pele. O cheiro úmido era cheiro de vida. Pulsante, como em qualquer outros dos sete reinos de Tuc-Dhor. Em seu íntimo questionava ter morrido.

Mas não estava morto. Continuava vivo. Muito vivo. A coragem e a obstinação lhe serviram de carruagem, quando seus pés não tiveram mais forças físicas em prosseguir. Ele havia ultrapassado a barreira do fim do mundo, e chegado ao outro lado, onde nas montanhas que via ao longe, residiam os Drakôns, em suas galerias ornadas em ouro e diamantes.

Diziam uns, que estavam ali para proteger as riquezas de terra tão esplendorosa. Para outros, não passavam de ladrões que surrupiavam as jóias dos homens para levarem à distante clausura. Fato apenas, que os que tentaram resgatar, ou explorar tais riquezas jamais regressaram ao mundo dos homens.

Sygmund estabeleceu seu acampamento ao sopé das montanhas, donde nuvens como algodão a circundavam. Era necessário refazer suas forças, e reestudar cada um de seus golpes. “Só os tolos se jogam a batalha sem ter um plano.” Pensava.

Quando suas virtudes começaram a brotar mais enfaticamente, este era um dos principais ensinamentos de seu mestre. – Há de estudar seu adversário!... Conhecer seus pontos frágeis, e principalmente reconhecer seus pontos fortes. São eles que poderão derrotá-lo. Dizia, sempre ao adotar um golpe inesperado no aprendiz.

E um Drakôn não era um homem. Não era um cavaleiro. Era um mito. Com muito mais virtudes que qualquer outro guerreiro, portanto com muito mais chances de sair vitorioso na batalha titânica. Para vencer um Drakôn Sygmund teria de relembrar cada uma das características da criatura.

A começar, um Drakôn constituía-se num magnífico ser. Mediam entre trinta e cinqüenta metros. Gigantescas e apavorantes serpentes, cujas escamas pequenos pontos nas mais variadas tonalidades de vermelho, laranja e amarelo, davam a impressão que o majestoso réptil entraria em combustão.

Conta á história que o criador de Tuc-Dhor teve uma filha humana. Uma linda mulher de cabelos loiros até os calcanhares que desfilava nua pelos jardins de Belmont, a campina sagrada, na qual os homens deveriam sempre cultuar sua onipotência.

Tal forma encantadora hipnotizou um corajoso cavaleiro que peregrinava em busca de paz, num tempo em que as lanças predominavam, rasgando a pele, e jorrando o sangue bem antes que os homens dividissem o tempo em eras.

Um homem enfeitiçado é o mesmo que um animal selvagem. E o cavaleiro se enfeitiçou pelo brilho radiante da mulher a banhar-se no lago, e ficou a sua espreita possuindo-a contra sua vontade, num amor contrariado cuja semente gerou uma criança proibida, esquecida pelos homens, e pelo criador.

Irritado o criador proibiu que sua filha continuasse a viver naquele mundo profano onde os homens não conseguiam conter seus ímpetos selvagens, e a resgatou para seu mundo luminoso onde a energia dos mortos reside após a morte. Como castigo ele amaldiçoou o cavaleiro na forma mais desprezível, a de uma serpente. E o castigo perduraria pela eternidade, para jamais esquecer o mal que fizera.

O Criador tinha um irmão. Um reflexo negativo de sua bondade. No universo, cada força se complementa por seu lado sombrio, e o irmão negro do Criador que todos conheciam por demônio, viu naquela maldição uma oportunidade de arrebanhar súditos para sua vingança contra o criador.

Ao guerreiro amaldiçoado, Asbar usou sua energia maligna para dar-lhe a forma gigantesca, e o veneno expelido em gases de suas narinas sombrias e inflou seu ódio por tudo e por todos. Seria um leal guerreiro a obedecê-lo fielmente suas ordens macabras, que tinham um único intuito, o fim da criação.

No entanto o guerreiro tomara-se de arrependimento. Ele declinou dos sentimentos sombrios, e passou a praticar boas ações na esperança de um dia o criador libertá-lo do castigo. Fez isto por séculos, mas a compaixão nunca chegou.

Sem esperanças, após mil anos exilou-se depois do fim do mundo, onde nenhum homem habitasse, e ele pudesse esquecer seu erro. Nas montanhas encontrou outra serpente, e quando ele não mais se lembrava de seu passado humano, apaixonado por um animal, procriou a segunda geração de Drakôns.

O que aconteceu depois com o guerreiro, nunca se soube. Se por ventura um dia o criador teve-lhe a tão esperada compaixão... Se Asbar o matou como pensavam alguns, ou se por acaso ele continuava a viver nas montanhas, era ainda um mistério. Certo é que sua prole se esparramou naquele lugar ermo, dando margem as mais diversas versões.

Sygmund tinha em seu coração a pureza, balanceada com o desejo de ser o maior entre todos os cavaleiros. Meditava entre os arbustos estudando cada detalhe, pois nada poderia passar despercebido.

Ouviu de seu pai. De seu mestre. E dos outros alunos as sucessivas histórias sobre guerreiros em busca do poder e da alma dos Drakôns. Estava naquele lugar justamente por isso. Desejava um El dourado desconhecido, do qual só se conjecturava hipóteses, na maioria das vezes resultantes em fracassos.

As lendas nascem com histórias. Com feitos que passa de lábios para ouvidos, cujos lábios nem sempre repetem identicamente como ouviram. O jovem guerreiro corria o risco de tudo que ouvira não passar de fantasia, invenção de mentes férteis, cujos lábios começaram a enfeitar as histórias ouvidas. “Mas não há glória, sem riscos!” Dizia, na tentativa de obter a benção de seu mestre.

A benção não veio. Ele não acreditava na possibilidade de um guerreiro capaz de dominar tal criatura. Para o mestre não havia necessidade de testar a coragem com feito que sequer podia ser comprovado. Por isso Sygmund partiu na calada da noite, caminhando por Kua-R meses a fio até adentrar no fim do mundo.

Mas agora estava prestes a provar que seu mestre estava errado. A existência daquelas montanhas além fronteiras do mundo conhecido pelos homens eram fortes indícios de as lendas serem reais.

Dormiria, depois de jantar uma lebre assada em brando fogo. Na manha seguinte daria continuidade a sua jornada.

Pela primeira vez, desde sua partida deu-se o luxo de sonhar. Nos sonhos lhe visitou Sir Edmund, Rei de todos os reinos que dizem no passado ter dominado um Drakôn, e se apossado de seus poderes inumanos para governar Tuc-Dhor sob uma única bandeira.

De maneira alguma tinha a forma rude descrita na história. Seus olhos em nada lembravam a psicopatia exaltada pelos contrários ao mito dos Drakónballus. Era um homem sereno cavalgando a enorme serpente sobre as nuvens róseas que pintavam os céus. Sentia paz em seu coração... A liberdade do ar inflando-lhe os pulmões tinha perfume de jasmins... Até que a serpente desceu das nuvens para rastejar sobre a terra, expelindo seus gases e suas labaredas incandescentes espalhando o fogo sobre cada povoado...

Sygmund acordou sobressaltado. A noite se esvaía. Então ele começou a galgar a montanha.

Ao passo que avançava aos mais altos píncaros, o cheiro doce dos jasmins ia gradativamente sendo substituído pelo odor de mau hálito dos porcos selvagens. A terra fértil era invadida pelo solo pedregoso, e frágil, onde nenhuma vida se atrevia a nascer.

Quando o sol chegou ao coração do céu dizendo que o dia escorria pela metade, Sygmund rompera as nuvens, que estavam sob seus pés como um assoalho fofo e macio. Ele recostou-se numa pedra achatada, e alimentou-se com um pedaço de lebre olhando para o horizonte.

Ou ele estava noutro mundo, ou Tuc-Dhor era bem maior que os homens podiam crer. Este era o pensamento ao observar a imensidão posta a sua frente, a perder-se de vista, num encontro onde não podia se afirmar o que era o céu, ou que era a terra.

“Não devo estar distante.” Pensou, embora durante toda a escalada sequer ter visto uma única caverna. “Como poderão existir tais criaturas, se não há cavernas?”.

Ele prosseguiu sua busca até o anoitecer, quando a noite desceu sobre eles e as montanhas. Naquele instante, o ar rarefeito custava a lhe oxigenar. Sygmund estava no cume mais alto de Tuc-Dhor, onde jamais nenhum homem esteve. Dormiu ali mesmo, no relento gelado, aguardando pela nova manhã, que desceria pelo outro lado da montanha, onde talvez encontrasse as cavernas.

Quando o alvorecer lhe sorriu numa pintura mágica em tons alaranjados, rosas, e azuis ele foi apresentado a mais pura expressão de beleza criada pelo Criador. Não tinha a menor dúvida que aquele cenário fora inspirado nos olhos de suas sete filhas, ninfas que habitavam as terras eternas.

Os raios do sol atingiam o pico deslizando como uma seta em direção ao vale, entre um círculo de montanhas que ele só pode avistar ao amanhecer.

Era uma vale imenso, cujo lago azul tomava dois terços. O verde provinha de uma diversidade sem igual de árvores, de todas as estaturas, fungos brancos gigantes davam um ar inóspito, e o colorido das borboletas e flores não poderiam ser imaginados nem pela mente mais alucinógena dentre os pintores do reino. “Seria este o grande segredo? O grande tesouro protegido pelos Drakôns?” pensou Sygmund, julgando ter descoberto o éden.

Esperava encontrar o Drakôn num lugar lúgubre. Sem vida, onde nem os demônios tivessem coragem de atravessar seus portões. “Talvez tenha me enganado no caminho.”

O sol banhou o vale deixando-o mais luminoso. Quando tocou um enorme ser serpentando entre as árvores do bosque, uma luz forte e incandescente avivou os sonhos do jovem cavaleiro. “Lá esta ele”... “Lá está ele...”

O guerreiro começou a descida de modo afobado, tropeçando numa pedra. Rolou com sua armadura pesada, por centenas de metros até ser seguro por um tronco de pinheiro. Tonto ele viu estrelas girar no seu entorno...

Sentiu um odor pestilento, o qual não podia imaginar ser do vale visto do alto. Quando tomou em si novamente, percebeu que tudo não passara de uma miragem.

Ele tinha mergulhado num caldeirão fúnebre, onde pilhas de ossos de animais e de homens emolduravam a terra morta onde as árvores não tinham folhas, e a vida se escondia sob a terra podre. O lago não passava de um poço lamacento, cujas borbulhas ferventes emanavam o enxofre do coração do mundo submerso das criaturas sombrias.

De um buraco grotesco, então surgiu o pior de todos os inimigos. Aquele por quem Sygmund esperava ansioso. Justamente o qual valeria á pena ultrapassar tantos obstáculos como ele ultrapassou.

Sygmund tinha um avô que para os parentes não passava de um velho louco, ao qual ninguém, a não ser quando sua boca desprovida de dentes fazia barulhos ao tomar sua sopa de tomates. Mas para os guerreiros, este foi o homem que lhe ensinou a melhor das lições. “O sabor de nossas vitórias está no tamanho das batalhas que travamos para obtê-las.”

Enquanto o monstro se aproximava, ele lembrou-se do velho. Empunhou sua espada com a certeza de uma batalha gigantesca. Pensava no sabor que teria a vitória.

O Drakôn que emergia das profundezas era bem mais aterrorizador que os contos e as lendas que viajavam de boca em boca. Nada era capaz de descrever aqueles olhos incandescentes e verticais. Olhos do mal. Drakôn’s não eram afeitos de visitas.

“Não aspire seus gases.” Dizia o mestre. Sygmund rolou para direita fugindo da baforada pestilenta que o monstro expeliu de imediato. Assim livrou-se de muitos visitantes, que caíam estáticos, dessecando a pele pela ação do veneno mortal.

“Cuidado com a cauda”. Pulou Sygmund desviando-se da cauda que se movia com rapidez, encoberta pela névoa da fumaça venenosa. O choque valia pelo soco de cem homens, e atingiu de raspão as pernas do guerreiro que se desequilibrou, caindo no chão.

No ato, com o corpo agachado ergueu o escudo, forjado do mais duro dos troncos de carvalho. “Fuja das chamas.” O veneno das narinas era tão mortal quanto o fogo emanado de sua língua bipartida, que se digladiava com o escudo fazendo Sygmund recuar.

“Se ainda estiver vivo, prepare-se para o bote.” Nem a lâmina da espada mais afiada poderia reproduzir o poder cortante das presas de um Drakôn. Sygmund tinha se protegido atrás de uma pedra, já que seu escudo estava para ser vencido pelas chamas. Num gesto ágil e veloz ele saltou como um acrobata entre a boca imensa do monstro, que lhe desferiu o bote, que deveria ser fatal.

“E se depois de dois minutos de batalha, não estiver morto, então procure pela cruz entre seus olhos, e repouse sua espada.” Dizia a lenda. Era o último passo, mas a tarefa não era tão simples.

O Drakôn estava deveras irritado. Não gostava de intrusos como já disse. Mas detestava ainda mais os que não morriam cedo. Começou a bufar e soltar fogo, para todos os lados, de maneira que as chamas e a névoa caíssem sobre o intruso.

Tinha entre eles uma árvore morta, de galhos podres, que dificilmente poderiam suportar o peso de uma armadura. Mas era a única possibilidade de Sygmund que pensando nos perigos treinou em sua meditação a prática da apnéia. Poderia ficar sem respirar pelo menos meia hora.

O tempo foi suficiente para esgueirar-se pela árvore. Seu inimigo começava a gloriar-se da vitória, por causa da neblina mortal que cobria o vale. “Nunca subestime os mais fracos.” Ensinou seu mestre. Se o Drakôn tivesse sido treinado por ele talvez não cometesse vil erro. Do alto do pinheiro falecido o guerreiro saltou sobre a criatura que buscava pelo corpo de qual queria saborear as carnes, e com a espada firmada por seus punhos jogou-se sobre o lombo do monstro.

Não houve tempo para reações. A lâmina encaixou na cruz entre os olhos, como a espada de Arthur encaixou-se na pedra sagrada. O aço foi penetrando centímetro por centímetro, sendo envolto por uma energia cósmica de redenção.

Esta energia resultante emanada do golpe extravasava o aço, invadindo o corpo de Sygmund, que sentia suas carnes invadidas por uma força descomunal, num ritual, que cobriu os céus de raios e nuvens.

Quando a cópula energética findou o corpo de Sygmund estava revigorado, e ele montava um subserviente animal, cujo cabo da espada do lado de fora da cabeça do Drakôn formava um pequeno chifre. “Enquanto a espada na cruz repousar, senhor do Drakôn, guerreiro será.” Completava a lenda.

Nascia naquele vale, no glorioso feito de Sygmund, o primeiro Drakónballus – Os senhores dos Drakôn’s. No entanto havia para ele uma missão ainda maior. Provar que seu mestre estava errado, e que podem sim os homens não deixar-se corromper pelo poder.

O Drakôn e seu senhor partiram então para seu regresso a Kua-R.

Uma nova lenda nascia. Contada de lábios para ouvidos, e novamente para lábios que repetiam com novas formas, e novos verbos... E depois de mil anos, nem mesmo Sygmund o primeiro Drakónballus, conseguia definir qual das histórias eram verdadeiras...

Ele havia tornado-se eterno, assim como seu escravo.