sábado, 29 de agosto de 2009

A moradia do montro!


O final de inverno se anunciava com o tímido florescer dos ipês plantados em linha, no percurso traçado da linha reta da rua que passaria a ser meu novo endereço. Principiava setembro, e o dia estava cinzento, trazendo seu último frio. No dia seguinte assistiria ao desfile cívico, e talvez se sobrasse tempo arrumaria a pequena mudança, que cabia dentro do meu opala. Um colchão esfarrapado. Uma cômoda, meu laptop que servia de rádio e televisão, e um saco de roupas velhas adquiridas em minhas andanças. Até então me bastava isto, e meus apetrechos de artesão. Porém naquela cidade, um par de olhos esverdeados fez-me repensar minha vida errante. Na imobiliária o aluguel mais barato era o da casa 211. A última da rua, que findava num terreno baldio, coberto de vassouras e arbustos com mais de metro de altura. Aliás, apresentava a rua certo ar de desleixo. O pavimento irregular, as calçadas mal tratadas pelo tempo, e em alguns pontos inclusive a ausência destas, as sacolas de supermercado entulhando as lixeiras e empesteando o lugar com um odor forte e repugnante desenhavam uma paisagem abandonada, desmentida apenas por alguns moradores que iam para as ruas com seus rostos entristecidos... Crianças mulambentas brincavam em pátios descuidados... Mães gritavam dentro de suas casas... Meu opala, e, obviamente seu dono sentiam-se em casa. Uma trilha de lajotas levava-me até a casa. Era uma construção que pela forma que se apresentava, há muito não passava por manutenção. Suas janelas exibiam rombos, vidros estilhaçados, e a madeira coberta de musgos, liquens e ferrugens davam ares de abandono. "Por quanto tempo estivera abandonada?" Pensava. A porta, feita de madeira nobre parecia-me o que de melhor existia naquela construção. Um arrepio eriçava os pêlos de meu corpo em pensar no que encontraria lá dentro. O pórtico de entrada abrigou-me do chuvisqueiro, fino e frio que corria na rua. Tentei abrir a porta, mas a chave, daqueles modelos antigos, não possuía tal poder. Saí vitorioso nesta batalha depois de três horas, e mais uma dezena de pontapés. Quando finalmente entrei em meu novo lar, fui praticamente sugado para o porão, pois o assoalho cedeu, devido à podridão. Com alguns arranhões e hematomas, me reergui, para continuar a exploração, a estas alturas já coberto pela penumbra da noite que chegava. A casa modesta apresentava um único andar, e da sala um corredor levava á cozinha, e nesta se tinha acesso ao quarto. Um cheiro forte de mofo, e o ranger de cada passo que avançava sobre a madeira irritavam-me. Na cozinha uma pia velha parecia coberta de sujeira e com ossos cuja identificação me passou despercebido. Um grande erro por sinal. Suas paredes respingadas por óleo, ou algum outro tipo de liquido era capaz de assustar, até mesmo os mais corajosos. Imagine como pulsava meu coração, que ficava exatamente na coluna do meio. Entre a curiosidade, o medo, e a vontade de sair correndo daquele lugar, infelizmente venceu a primeira, afinal havia ainda um cômodo inexplorado. Justamente o que seria ocupado de maneira mais assídua, o único a ganhar mobília... O quarto. A porta que lhe dava acesso estava entreaberta. Hesitei por alguns segundos, até que criei forças adentrando naquele cômodo mais obscuro que os outros. O cheiro forte de mofo e podridão acentuou-se. Via pouca coisa. O olfato fazia-me recuar, porém a curiosidade... Sempre ela, a mãe de todas as tragédias, me impulsionava para frente. O local devia ter uns quatro metros por cinco. Era amplo. No escuro tropecei em algo. Parte duma velha cama. Tateei com as mãos e descobri que talvez meu colchão não fosse necessário. Procurei por uma janela, para que por menor que fosse qualquer claridade far-me-ia esclarecer melhor o ambiente. Encontrei-a. Consegui abrir apenas uma das partes da veneziana. Mesmo com a parca luminosidade vindo da parte externa, tudo foi se revelando aos meus olhos... Inclusive ele... Que estava ali, parado. Observando-me há algum tempo. Vinha dele o odor nauseabundo. Sua aparência era ainda mais aterradora. Seu rosto disforme assemelhava-se a uma cabeça de hipopótamo coberta de enfisemas. Seus olhos descomunais, alaranjados e com expressão diabólica fitavam-me com estranho cintilar. Seu corpo resumia-se a um único tronco escamoso, ornado ao invés de membros, com mais de uma dezena de tentáculos. Sua boca, tão grande quanto seus olhos expulsavam seus dentes irregulares e pontiagudos. Sentado sobre uma velha cadeira de balanço, que dançava com tamanha malemolência, para frente... Para traz... Para Frente... Para traz... O monstro revelado apenas olhava-me. Mumificado tamanho horror que aprisionava minhas pernas, não apresentei qualquer reação. - Aqueles malditos demoraram mais uma vez em enviar-me o jantar! Sentenciou a criatura numa voz, e dialeto, praticamente incompreensíveis.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Projeto de livro vaza na web

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Nem mesmo os livros estão escapando das garras da web. "A Caveira" que deverá sair até o final deste ano, acabou tendo histórias que o compõe vazando na web, e ficando disponível para donwload inteiramente grátis par os internautas. O livro com 71 páginas reúne histórias arrepiantes, cujo terror se apresenta de forma renovada. No entanto no livro não encontra-se a obra que dá origem à capa. um verdadeiro mistério.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

TEMPESTADE DAS ALMAS

Minha esposa não é de perder tempo. Mal as nuvens se prepuciavam ao horizonte, e ela tratou de recolher as roupas que secavam no varal. Não tinha meu auxílio, que contemplava a ação da natureza, que aos poucos avançava sobre a abóboda que nos cobria. Depois de uma tarde quente, e sol brilhante, os negros cumulonimbos digladiavam-se entre sí, em busca de espaço, causando trovões, que de início distantes, logo se tornavam tão audíveis quanto os batimentos de nossos corações.

Tinha eu, esta estranha predileção. Tempestades me fascinavam. A nossa impotência frente a tal força natural devia ser sempre analisada com carinho e ternura, e eu me dispendia a fazer tal, olhando de forma clínica, como se fosse um especialista a analisar suas formações.

O vento quente soprava do sul, nascente do temporal. As folhas levadas por sua insistência não encontravam obstáculos, e a poeira tradicional de minha cidade, carregada de calcário e cal, nos cobria como um manto poluente. Um ar úmido logo denunciava que os pingos da chuva não tardariam a cair, e os trovões mais intensos e os ráios flamejantes a cada minuto mais próximos interromperam minha contemplação.

Portas e janelas fechadas, o fim de tarde envolveu-se de um crepúsculo assustador. Os ráios em intervalos cada vez menores, e trovões capazes de estremecerem os alicerces de minha pequena moradia, enfim traziam-me medo. O vento sacudia as paredes, e minha doce esposa fazia suas orações pedindo o fim da tempestade que sequer começara.

Eu aguardava pela chuva. Minha mãe me ensinara que após seu início os ventos se acalmam. Mas nem sempre as mães estão corretas, e naquele dia os pingos grossos desciam na direção que os ventos lhes empurravam. Nunca ouvira tal som durante uma chuva. Pensei ser granizo. Mas por uma fresta na janela, percebi que não tratava-se de pedras de gelo.

A chuva incomum, produzia uma sonoridade que aos poucos trouxe frio ao meu coração, pois percebi que não tratava-se de uma tempestade comum. As telhas de fibrocimento são delicadas, e ao menor toque provocam um som característico. Em chuvas comuns, este som fazia-me relaxar, porém, naquele início de noite o pânico invadiu meu corpo.

O primeiro toque da gota à telha produzia o som normal que todos conhecem, porém de forma mais intensa. No entanto, em vez de silenciarem, cada gota que caía ganhava mais vida como se cada gota passasse a caminhar sobre as telhas. Era como se insetos pousassem sobre minha casa.

Quando a energia nos faltou, minha esposa soltou um grito de pavor. Não tinha velas em punho, e tive de socorrer-me com a iluminação do aparelho de telefone celular. Estranhei seu gesto, pois ela sempre se mostrou valente, mas depois de um segundo grito, e um silêncio absoluto, preocupei-me mais, e fui ao seu encontro no quarto.

A luz tênue me revelou seu corpo com espasmos, como sentisse alguma convulsão. Corri para socorrê-la, mas senti algo iniciar uma caminhada sobre meu corpo. Logo veio outro. Depois mais outro. Até me encontrar coberto por uma nuvem de insetos. No entanto, ao ponto que eles atingiram a altura de meu rosto vi que não tratava-se de inseto algum, e sim de seres estranhos, feitos de água, que caminhavam rumo aos orifícios que me proviam o ar, invadindo meu corpo, até que o estranho afogamento levasse minha vida. As chuvas normalmente alimentam-nos, e ao planeta, com sua dádiva da fertilidade, porém aquela era diferente, alimentava-se de nossas almas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A nuvem

De meu gabinete no segundo andar, as flores artificiais descoloridas pela ação do tempo, e o tripé que ostentava as três bandeiras, do Brasil, do estado e do município, não impedia que pelo parco espaço possível na janela eu visse a cidadezinha descerrar-se pacata e melancólica. São casas simples que compõe minha visão. Rasteiras, com telhas de barro, e no máximo seis ou sete sobrados, num total de umas cem construções. O bairro é um dos mais tranquilos, e um grande espaço vazio, terrenos de um homem falecido ainda encontram-se virgens, sem qualquer moradia sobre eles. Noutros lugares, já estariam invadidos, mas ali não. As árvores desenhavam uma linha horizontal, fazendo com que o verde tocasse o azul anilado daquela bela manhã. Neste cenário, o único objeto a dispersar dos demais, eram as antenas de retransmissão dos canais de televisão, que rasgavam o azul, constituindo-se nas peças mais altas que integravam àquele cenário nostálgico. Distraído, ou talvez hipnotizado, fixava meus olhares à maior árvore que se erguia na parte alta do bairro. Um pinheiro, que pelos quinhentos metros que nos distanciavam não pude distinguir se possuía pinhas. Era uma árvore notável. Absorto, nesta visão central não percebi que pelas bordas da janela, nuvens negras se aproximavam. Não era uma nuvem comum. Densa, escura, movia-se com estranha velocidade. Não trazia trovões, apenas um zunido ensurdecedor, que ao passo que se aproximava, mais alto rompia nossos tímpanos. Foi exatamente o que aconteceu comigo, senti meus ouvidos estourarem, e a partir deste momento não ouvi mais nada. Apenas sentia minhas carnes sendo carcomidas pelos estranhos insetos do tamanho de minha mão, e que formavam tal nuvem. Eu devia ter fechado aquela janela.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Companheira.

Enquanto meu corpo repousava das carícias picantes da companheira daquela sexta-feira á noite, contemplava as curvas, e a delicadeza daquela pele inerte sobre a cama de um motel barato. Ela dormia. Saciada. Seus cabelos louros deitavam com suavidade sobre seus ombros, e desciam até quase onde se iniciam suas protuberantes nádegas, que a pouco me fizeram perder os sentidos. Estava de bruços, e a parca luz deslizava em suas curvas. Seus seios se chocavam contra o colchão duro espremidos em dois belos montinhos. Os lençóis cobriam apenas suas panturrilhas desenhadas em perfeita simetria pelos exercícios na academia. Seu rosto de beleza comum, mas cativante, estava sereno, talvez por bons sonhos que a acompanhava. E eu a contemplava... Típica atitude de homem feio, que não pode acreditar que por pouco mais de cem reais pudera ter tão bela mulher... Sentei-me a cabeceira da cama, com os braços enlaçando minhas pernas, e os olhos sem arredarem de minha ninfa... Antes tivesse dormido. Quando a luz da lua, intrometida, embrenhou-se pela janela entreaberta e tocou o corpo de minha amada, coisas estranhas começaram a acontecer. Seus pêlos pubianos bem aparados começaram a crescer vertiginosamente por todo seu corpo, cobrindo-a como uma bola de pêlos. As unhas rasgavam os lençóis, enquanto pesadelos a irritavam. O rosto não era mais o mesmo, dando forma a alguma espécie de animal... Talvez um peixe. Sim! Se parecia com o rosto de um peixe. As pernas alongadas se contorciam como o corpo de uma serpente, e seus braços multiplicava-se como tentáculos de um polvo... Ela grunhia de forma assustadora... Espinhos, e saliências salpicavam por toda a parte, transformando aquela pele macia que a pouco tivera o prazer de tocar, em algo asqueroso. Resolvi abandoná-la rapidamente, a tal ponto de sair daquele quarto pondo-me a correr inteiramente nu, pelo pátio do motel até alcançar a rua. Temia por deveras, o momento que a terrível criatura despertasse de seus pesadelos...

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A batalha dos miseráveis contra os que não querem morrer...

Cleucimar. Mas melhor chamá-lo de Doutor. Era desta forma que os miseráveis o viam, embora, fosse ele da mesma carne, da do mesmo ralo social que seus admiradores. Mas, mesmo nos piores dos submundos, líderes surgem, e ao passo que aumentam seus seguidores, as coisas começam a mudar. O ano era o de 2.200, e São Paulo não mais era uma metrópole, e sim uma grande lixeira, repleta de miseráveis, e sua selva de pedra, deteriorada, e coberta de liquens e musgos. Apenas á escória da nova sociedade conseguia habitar aquele local fétido. Não fazia muito o mundo mudara. Os homens não morriam, graças aos avanços nas pesquisas com células-tronco que podiam renovar a qualquer momento a parte do corpo que fosse. Para morrer, só mesmo um desastre, pois tudo poderia ser regenerado. Inclusive a engenhosa máquina chamada cérebro que foi mapeada por completa por volta de 2.050. Obviamente tais recursos avançados estavam ao alcance apenas de uma minoria privilegiada financeiramente, que foi isolando-se em sociedade avançadas, autônomas, e distante dos miseráveis, que já não tinham mais emprego, dinheiro, cidadania... Não demorou muito para parlamentares, logicamente integrantes da nova humanidade, classificar os miseráveis como selvagens, relegados a própria sorte, sem infra-estrutura alguma. Os novos humanos, formados pela face mais egoísta do ser humano, permitiam ao seu convívio apenas quem lhes fosse conveniente, e que não pudessem ser substituídos por máquinas com inteligência artificial. Assim nessa nova sociedade, nada se renovava, a não ser a tecnologia. Em cinco anos uma lei foi imposta proibindo a procriação entre os novos homens, pois não era mais necessária uma nova vida para manter a linhagem, já que estes eram imortais. No entanto, uma preocupação passou a afligir diuturnamente estes notáveis: A proliferação dos miseráveis era gigantesca, e para esta nova raça nobre, o planeta não conceberia duas espécies humanas, pois mesmo com um maior cuidado ambiental, nos territórios de população miserável eram estratosféricos dos números de dióxidos de carbonos lançados ao ar. A solução, sinceramente, não me trouxe surpresas para uma linhagem que outrora conheceu Alexandre, Césares, Calígula, Hitler, Bush, Saddam, entre tantos outros mestres da guerra... Exterminar os miseráveis. Esta era a solução mais apropriada, tendo inclusive o respaldo do conselho de segurança da ONU, ocupada por diplomatas imortais, e vitalícios em seus cargos; Neste contexto, Nasceu o Doutor, que aos seus quase trinta anos, mas que aparentava uns cinqüenta. Fato comum entre os miseráveis. Nunca poderemos saber como nasce uma liderança, mas o fato, que uma palavra aqui, outra ali, ao se redor uma centena de miseráveis compartilhava mesma idéia, e mais por um instinto de sobrevivência, que por disputa de poder, o extermínio promovido pela nova humanidade não lhes era simpática. 07 de agosto, de 2.200, às 19h01min, de uma noite cinzenta e ácida nos subúrbios dos muros da Nova São Paulo, habitada por pouco mais de trezentos mil privilegiados, com as mais modernas tecnologias de bem viver. Os guardas, não temiam perigo algum, e seus serviços basicamente traduziam-se em expulsar dos arredores os miseráveis que tentavam se aproximar em busca de alimentos. Portanto, no alto da arrogância de seus líderes jamais podiam supor uma rebelião coordenada, por seres insignificantes e incapazes de pensar; - Atacar! Vociferou o Doutor. As centenas que o seguiam partiram num ataque feroz, com antigas armas a base de pólvora, e não deram tempo de se carregarem os lazeres dos guardas. Furados a bala e chumbo, e com as cabeças cortadas a facão, a nova humanidade se mostrava frágil, e o Doutor iniciava guerra que sequer ele sabia o tamanho das proporções que tomariam. Em seus olhos viam apenas as imagens conturbadas de seus companheiros miseráveis sendo exterminados pelo gás mortal jogado pelos que não morriam. Cada grito de dor, das cólicas que os infernizavam antes da morte, era o estímulo para os golpes empregados pelo Doutor, que tinha já naquele momento o corpo coberto pelo vermelho do sangue... Como animais os tratavam... E como animais acuados aquele bando de miseráveis agia. Não sossegariam até que o último imortal sucumbisse à morte, e enfim descobrisse que por mais inteligente que se seja ninguém escapa do juízo final... Ninguém...