segunda-feira, 17 de agosto de 2009

TEMPESTADE DAS ALMAS

Minha esposa não é de perder tempo. Mal as nuvens se prepuciavam ao horizonte, e ela tratou de recolher as roupas que secavam no varal. Não tinha meu auxílio, que contemplava a ação da natureza, que aos poucos avançava sobre a abóboda que nos cobria. Depois de uma tarde quente, e sol brilhante, os negros cumulonimbos digladiavam-se entre sí, em busca de espaço, causando trovões, que de início distantes, logo se tornavam tão audíveis quanto os batimentos de nossos corações.

Tinha eu, esta estranha predileção. Tempestades me fascinavam. A nossa impotência frente a tal força natural devia ser sempre analisada com carinho e ternura, e eu me dispendia a fazer tal, olhando de forma clínica, como se fosse um especialista a analisar suas formações.

O vento quente soprava do sul, nascente do temporal. As folhas levadas por sua insistência não encontravam obstáculos, e a poeira tradicional de minha cidade, carregada de calcário e cal, nos cobria como um manto poluente. Um ar úmido logo denunciava que os pingos da chuva não tardariam a cair, e os trovões mais intensos e os ráios flamejantes a cada minuto mais próximos interromperam minha contemplação.

Portas e janelas fechadas, o fim de tarde envolveu-se de um crepúsculo assustador. Os ráios em intervalos cada vez menores, e trovões capazes de estremecerem os alicerces de minha pequena moradia, enfim traziam-me medo. O vento sacudia as paredes, e minha doce esposa fazia suas orações pedindo o fim da tempestade que sequer começara.

Eu aguardava pela chuva. Minha mãe me ensinara que após seu início os ventos se acalmam. Mas nem sempre as mães estão corretas, e naquele dia os pingos grossos desciam na direção que os ventos lhes empurravam. Nunca ouvira tal som durante uma chuva. Pensei ser granizo. Mas por uma fresta na janela, percebi que não tratava-se de pedras de gelo.

A chuva incomum, produzia uma sonoridade que aos poucos trouxe frio ao meu coração, pois percebi que não tratava-se de uma tempestade comum. As telhas de fibrocimento são delicadas, e ao menor toque provocam um som característico. Em chuvas comuns, este som fazia-me relaxar, porém, naquele início de noite o pânico invadiu meu corpo.

O primeiro toque da gota à telha produzia o som normal que todos conhecem, porém de forma mais intensa. No entanto, em vez de silenciarem, cada gota que caía ganhava mais vida como se cada gota passasse a caminhar sobre as telhas. Era como se insetos pousassem sobre minha casa.

Quando a energia nos faltou, minha esposa soltou um grito de pavor. Não tinha velas em punho, e tive de socorrer-me com a iluminação do aparelho de telefone celular. Estranhei seu gesto, pois ela sempre se mostrou valente, mas depois de um segundo grito, e um silêncio absoluto, preocupei-me mais, e fui ao seu encontro no quarto.

A luz tênue me revelou seu corpo com espasmos, como sentisse alguma convulsão. Corri para socorrê-la, mas senti algo iniciar uma caminhada sobre meu corpo. Logo veio outro. Depois mais outro. Até me encontrar coberto por uma nuvem de insetos. No entanto, ao ponto que eles atingiram a altura de meu rosto vi que não tratava-se de inseto algum, e sim de seres estranhos, feitos de água, que caminhavam rumo aos orifícios que me proviam o ar, invadindo meu corpo, até que o estranho afogamento levasse minha vida. As chuvas normalmente alimentam-nos, e ao planeta, com sua dádiva da fertilidade, porém aquela era diferente, alimentava-se de nossas almas.

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