sexta-feira, 6 de junho de 2008

A GELADEIRA



O coletivo corta a paisagem plana guiando-se pela linha negra que seguia reta ao horizonte que por hora se fazia infinito numa das tantas curvas à direita. Dentro dele vidas desconexas, mas que naquele mínimo espaço de tempo ligam-se uma na outra, ou pelos menos a aqueles que prestam atenção aos seus iguais. Era o que fazia, pois não bisbilhotava o alheio, apenas prestava atenção nas pessoas que naquele momento cercavam-me. Cada uma com um rosto diferente, cada uma com sua história, com seu passado... Mas estavam ali, pequenos ensaios de seus cotidianos a mercê do meu olhar, das minhas percepções...

Meus olhos e meus ouvidos teimavam em ir em direção da moça, um banco atrás do meu, mas no corredor paralelo. Não sei se ao acaso ela notou, mas não raro foram as vezes que contorcia meus músculos e membros para olhá-la. Tinha cabelos ruivos, e a silueta do rosto se mostrava amigável e bela. Ia absorta em pensamentos distantes que logo vieram á tona ao som da campainha do celular. Era uma melodia, triste...
– Alô.Eduardo? (...)
– Fale! o que você quer? (...)
– Talvez eu possa. Se você quer conversar, não tem problema (...)
– Eu também ainda gosto de você (...)
– Mas eu precisava sair. Dar um tempo. Mas já estou com a cabeça mais fria. Acho que uma conversa agora pode resolver (...)
– Não! Não! Você sabe disso (...)
– Mas eu sempre fiz tudo por nós dois, e você sabe disso. Eu sempre lutei pelo nosso casamento (...)
– Me espera em casa. As chaves estão no lugar de sempre... Também tem bebida, e janta na geladeira (...)
A – E você?
– Ora o quê! Você ainda me ama? (...)
– Por que tantos desvios para uma resposta? Você ainda me quer?
– Mas eu não estou forçando nada, meu querido, apenas fiz uma pergunta (...)
– Olha Eduardo, se você não sabe a resposta, é melhor nem conversarmos, e deixarmos tudo como esta (...)
– Não me culpe. Não! Não! E Não! Eu não sou Intransigente, Eduardo. Como queria que eu reagisse, ela era minha melhor amiga (...)
– A culpa não foi só dela. Não tente bancar o inocente, você sabe o que fez, e até isso eu estava para relevar, deixar tudo em segredo (...)
– Não! Não vou sair abrindo a boca por aí, mas acho que errei quando cogitei em te perdoar (...)
– É. acho melhor. Aproveita que não estou em casa e leva tuas coisas embora esta noite. Vou ficar na minha mãe quando eu chegar (...)
– Pode levar aquela porcaria... Também, nunca gostei daquele rádio, leva aquele trambolho (...)
A – Não!
– Está bem. Mas deixe-me o com dois lugares.
– Não! Não Eduardo!
– Pô! Eu já disse não, a geladeira é minha (...)
– Não faça isso, ela é minha (...)
– Nãaaoooo! Plaft.

A moça fechou o telefone e acabou com a discussão ali mesmo. Porém vez por outra quando mirava-a percebia sua preocupação, mais pela possibilidade de chegar em casa e não encontrar a geladeira, que pelo fim de seu relacionamento.

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