segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

BELARMINO.


Há alguma coisa mais assustadora que atravessar um milharal durante a noite? Aquelas plantas cerradas, suas folhas roçando-se uma nas outras com o som característico sempre nos remetendo a alguma companhia. No meio de uma plantação de milho você terá sempre a sensação de que alguém o acompanha. Era o que eu sentia naquela noite. AS plantas estavam articamente secas, prontas para a colheita. Eu tinha de chegar ao outro lado da lavoura. Era o caminho mais prático para o sítio do Belarmino. Também, quem mandou ser o único do lugar a ter um telefone. Resultado: lá se ia eu distribuindo recado aos vizinhos, não importava qual hora fosse.

Naquela ocasião, meia-noite batera no velho relógio de casa quando parti. A finada mãe – finada porque eu já sabia, mas este era o justo recado a mim confiado – de Belarmino se fora. Este tipo de coisa não se pode deixar para manhã, então segui o caminho. A casa dele ficava uns dois quilômetros da minha, coisa pouca pra quem vive pra fora. O atalho diminuía uns quinhentos metros, mas juro se arrependimento matasse, morreria duas vezes.

Não havia lua. No céu escuro apenas as estrelas cintilavam. Já repararam a beleza do céu longe da cidade? Negro, mas cintilado por estrelas. Elas sem dúvidas estão bem longe da terra, mas naquela noite parecia poder tocá-las. Um vento cortava o ar com malemolência, e quando atravessei o cercado que levava ao milharal pude notar a cadência da dança que as plantas faziam. Relutei por alguns segundos, entre atravessar a plantação, ou fazer a volta pela estrada. “É caso urgente.” Pensei, e pela pressa que a notícia solicitava me enveredei no milharal.

As costelas sentiam um frio que iniciava no pescoço, e descia até os calcanhares. Na imensidão negra da noite apenas a luz da lanterna quebrava sua hegemonia, como um pequeno vagalume. A sensação de companhia aumentava a cada instante, a cada folha entrelaçada. “É só milho, é só milho...” pensava. Tremendo qual vara verde busquei encorajar-me. Ainda faltava metade da lavoura a ser vencida, e para fazê-lo mais rápido, ou talvez com menos medo, fui eliminando os riscos que sofria.
“Deixe de tolices homem, hoje não é lua cheia, o lobisomem não vem, a mula também deve estar de folga, trabalha só nas sexta-feiras, e hoje é quinta. Vampiro, bem estes não existem, e no máximo um daqueles homenzinhos verdes pode querer aparecer pra brincar na lavoura.” Falava em voz baixa o suficiente para mim mesmo ouvir, e suficientemente baixa para que ninguém mais ouvisse.

Quando a empreitada estava quase vencida, vi meu engano fatal. Pensei que conhecesse as pessoas, mas isto, é sempre impossível. Talvez preferisse ser tocaiado por um lobisomem, ou enforcado pelas folhas de algum milho assassino. Mas jamais podia crer que a mãe de Belarmino jamais morrera. Disgramado! Fingir ser a própria mãe devia ser pecado imperdoável. Tão imperdoável como tocaiar um vizinho que nada lhe fizera. Antes que o machado cortasse meu pescoço, lembro-me apenas de seus olhos, vermelhos, fogueados, como tomado por uma ira, que sinceramente não sei donde nascera. Morri. Mas juro, depois daquela noite nenhum milharal, e nenhum lobisomem me põe medo, como as pessoas põem. O medo é tão grande, que nem assombrar, tomei coragem. Melhor ficar por aqui. O limbo não é tão ruim como dizem.


Por Doug Swanp

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