quarta-feira, 19 de março de 2008

MESA PRA TRÊS

O copo com uísque já na terceira rodada estava quase vazio. A fumaça de um cigarro mentolado escondia um dos rostos que confabulavam na mesa sete do bistrô. Quase todos os clientes haviam partido, e apenas eles permaneciam, bebendo, conversando, traçando rumos importantes para Cafundópolis. A mesa ficava ao fundo um pouco longe das vidraças que davam para a calçada. Afinal, não era propício que o presidente da Câmara cujo nome que o elegera foi Sapo, e sua principal propaganda um fusca com o desenho do anfíbio, se reunia e bebia amigavelmente com o valoroso oposicionista Valdir do Buteco. A eles se juntava o líder do partido de Sapo, nobre vereador Carlão do Posto.
– Como tu está inspirado este ano Valdir. Tenho pena da prefeita. Provocava Sapo, com a voz embargada pelo álcool. – Ao contrário meu colega, e a chefe do seu governo que precisa ter pena de nós. Devolveu ele depois de retirar seu cigarro da boca, e tragar profundamente, e depois expelir uma fumaça de cheiro medonho no ar. – Se os fiscais te pegam fumando aqui... Continuou brincando Sapo, pois o lugar onde estavam era de sua propriedade, e de modo algum seguia as leis. Alias a principal fonte financiadora de suas campanhas estavam nas duas mesas de pife que aconteciam terças e quintas numa saleta nos fundos.
– Mas penso que não estamos aqui para falar da prefeita, ou dos fiscais dela.
– Assim começo a gostar dos andamentos da conversa, e vejo Valdir, que não faz aqui como no plenário, com discursos evasivos. É disto que o povo precisa meu caro: objetividade.
– Sempre falastrão Sapo. Depois sou eu quem fica falando em rodeios.
– Não seja tão apressado, colega. Beba um pouco mais. Senão este copo terá mais água que álcool.
– Não tenho muito tempo, amanhã vou a capital atrás de recursos para a vila, e partirei ao amanhecer.
– Nisto não posso crer. Que político é você que pensas em dormir cedo, num momento tão decisivo, pois não esqueça que amanhã a noite tem sessão, e é na madrugada que as coisas se definem neste meio, meu amigo.
– Eu sabia. Você deve estar precisando de apoio para mais alguma loucura de seu governo. Mas saiba que neste ano, embora minoria, nossa bancada pretende fazer barulho. Não deixaremos que ganhem novamente.
– Sempre tomando sopa quente. Se acalme homem. Alias chamei-o para este encontro, não por causa do executivo, e sim pelo bem de nós vereadores, pois tenho que concordar que a prefeitura hoje não nos representa por inteiro, tampouco nosso povo.

– Garçom, mais uma cerveja. Estas foram ás primeiras palavras de Carlão depois de começado a conversa com mais ênfase entre seus dois companheiros. Estava ali para representar o partido, e para manter sua imagem de fiel escudeiro de Sapo. Entre os três tinha menos idade, e sua função naquela noite era testemunhar um provável acordo, e se necessário ajudar a convencer seu colega da oposição.
– Então para de dar meais voltas com as palavras e diga logo porque estamos aqui. Disse Valdir.
Tragando o ultimo gole do uísque e devorando o ultimo cubo de queijo do tira-gosto, Sapo começou a falar de suas intenções.
A – Sabe bem o colega que amanhã a prefeita envia a nossa casa legislativa um projeto para cobrar a iluminação pública.
– Sim, e acho que se fosse governo como vocês, estaria cuspindo fogo pelas ventas. Tenho informações que os colegas pouco sabem sobre o projeto.
– Este também é um problema...
– Problema qual não tenho nada a ver... E na verdade em nome de nossos cidadãos este projeto já esta vetado antes mesmo de sua apresentação.
– Não se precipite colega. Também não blefe, pois sabe que a maioria aprovará. Pois somos a maioria.
– Nunca se sabe, não é?
– Não caio em suas artimanhas. Você é ardiloso, mas ainda controlo aquela casa.
– Então, se já esta tudo aprovado não entendo porque me chamou. Não temos tempo para conversa fiada.
– Ora. Não seja precipitado. Sabe que existem muitos fatores que envolvem este projeto.
– Não entendo aonde o colega quer chegar.
– Permita-me explicar melhor. O amigo sabe que a oposição irá gritar, ir aos jornais, ao rádio, fazer um barulho enorme. Para talvez “roubar-nos” alguns votos. Não conseguira nada além de barulho. Por outro lado se o projeto do executivo, da maneira que esta, taxando a energia pública sobre o percentual que já gastamos com a luz. Acredito que este projeto também não será positivo para nossa imagem.
– Agora fiquei mais perdido que cego em tiroteio. Ou entendi mal, ou o senhor não quer que a oposição seja contra, mas também não apóia a idéia de sua “querida” prefeita.
– Não estamos aqui para ironias Valdir. O assunto é sério.
– Não estou com ironias meu caro, mas que continuo sem entender. Você é contra, mas fala na aprovação do projeto.
– O colega sabe que o Tribunal de Contas não permite renuncia de receitas. A taxa de iluminação pública tem de ser criada, me refiro apenas sobre sua maneira, pois sim, não fomos escutados, e isto é um desrespeito com toda a casa legislativa. Mas isto também não vem ao caso, pois quando o chamei, o fiz por causa de uma luz que se apresenta ao fim deste túnel nebuloso.
– Então continue.
– Pois bem. Antes de falar-lhe de uma hipotética proposta, da qual espero que o senhor não utilize conta nós algum dia, lhe pergunto, o projeto do jeito que está é bom para o povo? E nós vereadores, e estamos sempre no subúrbio das decisões, o que ganhamos com isto? Não, o projeto não é bom para nosso povo, imagine nossos queridos empresários pagando três por cento sobre suas faturas da conta de energia. É um custo muito alto, e sabemos bem, já que aqui, cada um de nós tem seu comércio. Além disso, o custo político é alto, e mesmo vocês da posição pouco ganharão com seus gritos.
– Disso concordo com tudo, mas não compreendo ainda.
– Vou ser mais direto, mas que morra aqui entre nós. A bancada da maioria tem proposta. Dentro do partido conversamos alternativas, e sabemos das reações negativas, porém também não podemos travar o governo. Assim criamos uma alternativa. A nossa casa legislativa tem a soberania do método de contribuição desta taxa, e convenhamos nenhum de nós que uma taxa alta, e sei bem Valdir do consumo de energia que utilizas. Pense pagar três por cento sobre isso. Se aprovarmos isso quero ver algum empresário financiar nossas campanhas.
– Concordo. Mas...
– Não me venha com mais indagações, e deixe-me terminar. Tenho aqui a matéria com alterações, e a nossa proposta é que votemos por uma taxa definida em valores, e assim nossas empresas, e as de nossos amigos nãos serão castigadas com mais impostos. O senhor sabe que isto beneficiará a todos.
– Por esse lado. Mas não sei se consigo convencer os outros cologas oposicionistas do mesmo.
– Conseguirá meu amigo.
– Não tenha certeza, pois o José é arredio, e é do sindicato, e não ta nem aí pro empresários.
– Calma, não é a toa que nosso colega Carlão está aqui. Embora calado e nos ouvindo nosso amigo que lembre-se o senhor, que nosso amigo aqui também é o presidente da Associação Comercial e traz-nos uma proposta ainda melhor.
Chamado ao assunto Carlão não se furta em entrar em ação na tentativa de selar o acordo.
– Pois bem. O amigo Valdir sabe do temor da Associação e seus membros com a proposta do executivo. Seríamos onerados em demasia, e por isso nos precavemos em instituir um pequeno fundo – ele escreve a quantia contida no tal fundo num pedaço de guardanapo capaz de fazer Valdir engolir a seco pela surpresa do valor apresentado – que nos dispusemos em partilhar dividindo-a igualmente entre os colegas.
Tragando um gole do uísque que recompunha novamente o copo, Valdir levantou-se da mesa olhou aos dois, entendendo-lhes a mão. – Os colegas me convenceram. Até amanhã. E não se preocupem com o José.

Um comentário:

  1. O conto esta otimo com todos os outros.... sapo é anfibio não reptil!

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