domingo, 21 de dezembro de 2008

Filhos indesejados.


Tem idades que o tempo sob o chuveiro parece necessitar mais atenção. Era nesta fase da vida que Ricardo encontrava-se. Portas trancadas, inspirações em capas de revistas com mulheres desnudadas. No mínimo meia-hora sob a água morna do chuveiro acariciando o próprio corpo até regozijar-se em prazer solitário, despejando pelo ralo a semente da vida, a sua semente.

Adolescentes não atentam para escritos, para ordens ou convenções. Tempos atrás ele até mesmo poder-se-ia martirizar por causa do pecado cometido, mas não em tempos atuais, onde pipocam revistas propagando que o ato inclusive pode ser saudável, desde que com moderação, e o intuito de descobri-se, para assim estar preparado para uma vida a dois, quando esta chegar, se é que já não havia chegado para Ricardo.

Mas tudo isso não vem ao caso, já que o que quero falar-lhes, é entre os absurdo, o grande absurdo, capaz de provar que coisas estranha surgem do nada, embora o nada precise sempre de uma ação nossa, mesmo que mais ingênua e pura como o ato do jovem adolescente jogar pelo ralo do banheiro sua semente vital, seu código, sua herança.

Há um submundo de textura nauseante e odor ainda pior em canos e tubos por onde pessoas jogam o que não lhe mais pertencem, no caso desta narrativa, a semente de Ricardo. Neste submundo proliferam-se bactérias, insetos repugnantes, e túneis que levam ao ninho de animais detestáveis. Sem notar muitas vezes jogas tesouros nestas vias secretas que se leva para sabe-se lá onde. Acreditem meus amigos, desta Lição Ricardo jamais esquecerá, mesmo vivendo num limbo eterno após o regresso de sua criação indesejada.

Ao jovem Ricardo coube apenas o prazer solitário, e o expelir de sua seiva genética pelo box. Terminou seu banho como sempre o fizera sem jamais se perguntar quais seriam os destinos da substância levada pela água morna ao submundo. Mas não o recrimino por tal ignorância, afinal qual adolescente se faria tal pergunta. Os tempos da idade média foram-se há muito. Ricardo era normal.

Então deixamos prá lá o jovem, pois na verdade ele apenas é o epílogo, uma mera formalidade no enredo, já que estou aqui para narrar a outra ponta da história, a parte que sequer Ricardo soube, e mesmo assim foi a parte que lhe causou sua morte, horrenda por sinal.

Voltemos a substância expelida por nosso amigo. Sua seiva vital. É sobre seu destino, sobre seus caminhos no submundo que preciso falar-lhes, e de como seu trajeto levou a morte do rapaz. Já disse um pouco do submundo, de seus túneis apertados, fétidos, escuros e completamente úmidos. Apenas á água o penetra com agilidade e fluidez em suas entranhas. Isto deveras não seria problema, se não fosse ás tantas coisas desperdiçadas que ela carrega pelo caminho que segue.

E foi com a carona da água morna serpenteando pelos canais do submundo que a semente de Ricardo pegou carona. Assim ela se manteve viva, quente, prestes a germinar, bastava apenas encontrar solo fértil.

Entre tantos animais asquerosos como aqueles insetos que sobrevivem até á crises nucleares, os ratos são habitantes numerosos no submundo. Neste caso, uma rata. Grande, de pêlo úmido, acizantado. Era um animal grande, com rabo mais comprido que o corpo, e dentes fortes, acostumados a roer velhas tubulações, donde encontra muitas vezes sua sobrevivência. Esta rata era solo fértil.

Não sei ao certo quantas curvas foram vencidas pelas sementes depositadas pelo jovem no submundo, mas sei muito bem que chegaram logo ao seu destino, ao solo fértil que as esperava.

A procriação entre ratos é de ciclo curto e muito fértil. A grande rata logo despejou sua ninhada pelo submundo como já o fizera dezenas de vezes. No entanto daquela vez era diferente. Nunca dera uma ninhada com tantos ratos e tão feios. Tinham membros frágeis, eram maiores que o normal, e pasmem equilibrava-se sobre duas patas. Suas orelhas eram curtas, seus dentes fortes, e no rosto demasiadamente ralo de pêlos para o padrão de uma cria saudável. Mas o que mais assustara a rata eram os olhos. Não eram olhos de ratos. Pareciam humanos... Sim humanos. Por algum tempo ela tentou cuidar da prole, mas desistiu, sabia que sua prole era defeituosa. Além disso, os dias passavam a lhe trazer riscos, pois sua cria já dava o dobro de seu tamanho. Eram ratos muito estranhos, aqueles.

Com o aparelho de mp3 tocando em som alto, Ricardo não ouvia bater de paras sob o piso de sua casa. Era um barulho nervoso, agitado. Como a corrida de alguém que tem pressa de chegar ao seu destino. Andavam pelos lúgubres corredores do submundo, em busca de uma saída. Procuravam por alguém, por seu pai... Sim ele tinha culpa pelo que eram, pela criatura que se transformaram. Meio ratos, meio homens, e no fim de tudo nenhum dos dois, apenas criaturas monstruosas com a consciência sobre quem eram, e com uma raiva incontida.

Enfim encontraram um cano frágil perante seus dentes poderosos. Buscavam seu destino pelo cheiro. Logo alçaram-se ao térreo, onde tiveram a sorte de ser noite, e as luzes estarem apagadas, afinal, não conheciam a luz do dia, e uma incursão em momento errado poderia significar suas mortes. Maior entre ele liderava o grupo de umas trinta criaturas, no mínimo. Desejavam apenas uma coisa: Vingança pelo que eram.

Da cozinha, seus pés saltitantes tilintavam no piso encerado até um saguão próximo da escadaria que levava aos quartos. Subiram com volúpia e velocidade sem errar o caminho. Logos as criaturas estava de frente a uma porta. A madeira não intimidou sés dentes, que roeram praticamente a metade da porta. A luz tênue revelava o corpo que dormia ouvindo música.

Então o silêncio foi quebrado pelo único grito de dor que Ricardo pode emitir. Seu ultimo e derradeiro sinal de vida. Mas não durou muito, pois a sagacidade com que seus filhos roíam suas carnes. Levaram poucos segundos para seus ossos, e suas vísceras ficarem expostas. Quando seus pais finalmente chegaram em seu socorro nada além de um corpo disforme, uma porta roída, e estranhas pegadas, foram encontradas no quarto do rapaz.

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