quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O Proprietário. [parte 1]


Ademar Murtosa não era como destes policiais que aparecem nas telas de cinema. Não era nem um pouco galã, e a prova cabal era sua volumosa barriga, fruto do malte da cerveja, bebida que apreciava diariamente. Não se poderia chamá-lo de careca, mas a calvície se aproximava com certa rapidez. Nos olhos carregava as olheiras dos plantões, e das noitadas nos subúrbios, onde conhecia os lugares mais quentes da cidade. Outra grande diferença estava em sua condução. Ao invés de carrões esportivos dos “tiras” das telonas, chegava à delegacia em seu Monza oitenta e oito. Em seus mais de vinte anos de policia civil, onde passou de inspetor a delegado, jamais vira tal brutalidade, e olha que naquela cidade, e nas jurisdições muitos crimes horrendos aconteciam rotineiramente, mas nada se comparava àquilo. Com sua saúde ainda frágil, do pouco tempo que regressara de uma hospitalização, não segurou a ânsia e o vômito que empestearam ainda mais o ambiente, já tenebroso.


O apartamento da vítima era pequeno, um quarto apenas. Era onde se encontrava o corpo do homem. Os lençóis estavam encharcados de sangue. Muitos respingos inclusive nas paredes e no teto. Seu abdômen estava rasgado na altura do coração. Refeito da coragem, o delegado Murtosa aproximou-se, e logo constatou que algo faltava ao morto. O coração. Ele tivera seu coração arrancado. – Procurem pelo apartamento. Ordenou o delegado aos seus subordinados. Ficou sozinho analisando a cena do crime, principalmente o fato mais estranho entre todos. A própria vítima segurava em sua mão uma adaga de fio cortante, e completamente ensangüentada. Buscou por rastros de sangue, pois isto poderia indicar que houvesse tido algum tipo de luta, e o assassino poderia ter sido ferido por sua vítima. Não encontrou. Os outros policiais também não encontraram mais, nada. O possível assassino tivera seqüestrado o coração do morto, que logo ao remexer em seus documentos, descobriu-se o nome, João Carlos Belo.

A carteira continha boa quantia em dinheiro, cartões de crédito e a sua identidade. Tinha quarenta anos. – Que faz um homem desta idade sozinho, perguntou-se Murtosa. Nada fazia sentido, e isto lhe intrigava. Assalto foi á primeira hipótese a ser descartada. Absolutamente nada havia sido retirado do local. Nisso perguntas começaram a ser rabiscadas numa caderneta. Este era o método por qual Murtosa trabalhava. Perguntava-se a todo instante, pois somente deste jeito conseguia manobrar teorias que melhor se adaptassem a suas perguntas.

Como o assassino entrara no local? Foi á primeira pergunta que se fez. Os policiais só conseguiram invadir o local depois de arrobarem a porta, que estava com todas as travas de seguranças pelo lado de dentro. O apartamento estava no oitavo andar, eliminando assim as janelas. Aliás, o corpo só foi descoberto de pelo menos uns quatro dias da morte, quando o sumiço e o mau cheiro vindo do local, começou irritar os demais condôminos. “Foi suicídio”, balbuciou um dos policiais. Murtosa virou-se rápido. Olhou novamente o corpo, e viu-o de uma forma diferente. De fato sua posição indicava tal possibilidade, até então não cogitada. Refletiu por alguns segundos, e voltou-se ao outro policial, e concomitantemente rabiscou mais uma pergunta em seu caderno, e falou em voz alta, “pode até ser, mas cadê o coração?”

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