sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O Acordo

Patrícia estava nua. Seu corpo não era mais o mesmo, de vinte anos. A pele não era tão tenra quanto antes, e seus olhos caídos não revelavam a esperança de outrora. Sobre a cama, o gordo homem repousava, apitando como uma locomotiva, repousando depois de quinze minutos de atenção. Em outras épocas ela até chegou a gostar do que fazia, sentiu prazer, deu prazer. Até ganhou um pouco de dinheiro, mas a maior parte morreu nas mãos de agentes ambiciosos e violentos...

No presente tudo aquilo lhe era uma obrigação, uma cruz a carregar, um martírio. Não conseguia mais fugir de seu passado, que a enterrava cada vez mais no presente, onde as portas estavam fechadas, e cuja única janela aberta era aquela de seu quarto, cuja cortina voava com a brisa da tardinha. Tinha asco de si mesmo. Tinha asco do homem sobre a cama. Para piorar seus sentimentos, sabia que depois dele viria, outro, e depois do outro, mais outro...

Ela olhava ao seu redor. O quarto quente, do hotel barato. O único que conseguia pagar. Sentou-se, e pegou sobre o pequeno bidê – arquivo de camisinhas, e seu único bem, uma carteira de couro com seus documentos – um maço de cigarros. Acendeu um, para relaxar, até que cessasse o tempo de Jordan. O quarto impregnado pelo odor de bebida barata, misturado com o cheiro vil de sexo nos lençóis amarelos e surrados pelo tempo, a faziam viajar em seus próprios pensamentos.

Enquanto a fumaça dançava como bailarinas do municipal na atmosfera tensa do ambiente ela olhava vagamente para um horizonte distante. Um futuro diferente. Mesmo que os sonhos lhe fossem distantes, e a esperança uma velha senhora de bengalas, Patrícia insistia em mantê-los vivos. Não queria muito. Uma vida estável, saber que haverá dinheiro para comer, para pagar a luz, porque não ser amada, algo que a vida nunca lhe proporcionara.

No entanto eram apenas sonhos de uma noite quente e abafada em que o ventilador zunia seu fraco motor, para deixar tudo como estava, quente. Queria tomar banho, sentir-se limpa. Ainda tinha dez minutos até o próximo cliente. Sairia do chuveiro para acordar o rápido e vigoroso Jordan, receber os Trinta Reais, e aguardar pelo próximo nome da agenda. Cinco minutos foram suficientes para disfarçar o sexo recém feito.

Ela saiu do banheiro enrolada numa toalha áspera e desconhecida de qualquer marca de amaciante. O homem ainda apitava como locomotiva. Seu corpanzil estava estirado sobre a cama, entregue ao sono como um rei farto após seu banquete. Ela procurava por sua calcinha negra, que estava perdida AM algum lugar do quarto quando ouviu passos pelo corredor. Estaria adiantado o próximo homem, pensou ela.

Os passos eram cadenciados. O som estalava no piso gélido, como se a sola do sapato fosse de metal, ou o visitante possuísse cascos. Ela sentia a aproximação. Era pela porta dos seu quarto que ele procurava. – Quem esta aí? Não está na hora ainda. Aguarde mais um pouco. Disse ela pensando ser uma pessoa. No entanto não era quem ela pensava. Não era alguém esperado.

Quando a maçaneta girou, a primeira coisa que lhe veio à cabeça foi que se tratava de alguém muito mal educado. Porém, por algum motivo alheio a sua própria vontade, ela não fez qualquer objeção. A porta rangeu com á pouco fazia sua cama de metal. Pela fresta que se abriu um odor de fumo pestilento se sobrepôs ao da bebida, e ao do sexo. – Quem é você? Perguntou ela novamente. Já com um tom de medo na voz.

A porta revelou o corpo de um homem esguio e alto. Vestia um casaco negro, que combinava com seu chapéu de aba curta. A luz relutante da única lâmpada fluorescente do corredor não lhe permitia ver nada mais que seus traços longilíneos, e seus olhos avermelhados torneados por suas sobrancelhas espessas e em formato de V. Quando o homem, de voz melodiosa como a dos pastores a convencer seus fiéis a pagarem o dízimo, fez o uso da palavra, foi para fazer uma proposta a Patrícia.

Ele insinuou as conquistas que ela tanto sonhara. Dinheiro, a tranquilidade de uma vida estável, e a beleza de outrora, que se consegue com os itens anteriores. Até romances lhe foi cogitado. As palavras do misterioso homem tocaram fundo o coração de Patrícia. Vislumbrar seus desejos fazia querê-los mais do que nunca antes. As palavras ardilosas do visitante a convenciam de que tudo era possível. – Eu aceito! Disse ela, mesmo lhe sendo colocadas algumas contrapartidas.
Quando ela disse aceitar o acordo, o homem, vitorioso em sua empreitada, deu-lhe as costas. Podia partir. Sua tarefa havia sido cumprida, e de sosleio, disse – Não esqueça, nosso acordo está valendo a partir desta noite. Alguns passos foram ouvidos, e logo o silêncio voltou a reinar no andar, exceto é claro pela locomotiva que continuava apitando.

Patrícia havia compreendido muito bem o acordo que fizera. Guardava sempre em sua bolsa um canivete suíço, comprado no Paraguai. Passou sua lâmina no pescoço de Jordan como um açougueiro passa sua navalha nos porcos. O homem urrou como um porco. Sangrou como um porco. Morreu como um porco...

Nos olhos de Patrícia a esperança voltava a ser uma jovem de bumbum arrebitado, seios fartos, e sorriso estampado. Não havia em sua alma qualquer arrependimento pelo que tinha feito. Considerava justa a troca de uma vida a cada sete dias, pelos trinta e poucos anos que a vida lhe negligenciara.

Ela tomou um segundo banho. Sentiu sua pele mais lisa, mais tenra. Tocou seu próprio corpo. Seus seios lhe pareciam mais empinados. Masturbou-se. Até perfume ela voltou a usar. Vestiu-se, pegou a carteira do homem envolto a uma poça de sangue. Ela estava recheada com umas quatro ou cinco notas de cinqüenta. Desceu do prédio, e caminhando com um rebolado extremamente lascivo pela calçada. Estava feliz, e seus pensamentos imaginavam quando seu misterioso visitante começaria a cumprir a outra parte do acordo.

Distraída, atravessava a avenida quando ouviu um estridente gritar de pneus. Um carro, modelo importado. Um tipo de automóvel que poucos podem ter quase a atropela. O coração de Patrícia está pulsante. Há tanto medo nela, que não consegue perceber o olhar do homem que está ao volante. É um olhar apaixonado. – Você quer uma carona? Pergunta ele. Ela aceita, e entra no carro. E então o homem, belo, cheiroso e rico, lhe faz uma pergunta surpreendente – Por favor, não pense que sou bobo, mas por acaso você acredita em amor à primeira vista?

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