sábado, 24 de maio de 2008

Aquele Estranho Amigo de Meu Pai



Asdrubal Inocêncio. Por si só, o nome daquele homem que trabalhava com meu pai já era capaz de criar certas cismas. Mas para piorar, sua aparência também não ajudava, e creio em minha ingenuidade que talvez aquele homem jamais tenha chegado perto de uma fêmea. Era um homem rotundo, braços, e barriga larga, e um rosto pipocado, coisas do tempo de catapora mal curada. Aparecia vez por outra lá em casa, quase sempre depois de dar carona ao meu pai, já que sua casa ficava cinco quadras após a nossa. Devia ter uns quarenta anos, e o mais estranho, jamais se casara, embora não fosse difícil imaginar os motivos para sua solteirice. Tinha uma voz embargada e rouca, e fosse qual fosse o dia vestia-se em tons escuros, principalmente roupas negras. Toda vez que ele aparecia por casa, eu sumia, pois o temia como o diabo da cruz.

Era um sábado, quando ele aportou, dando uma passada para cumprimentar meu pai por um bom negócio realizado. Fiquei a espreita, como um detetive em campana. Por algum motivo ele me passava certo mistério, e resolvera logo dar um jeito naquela situação, já que ele ia a nossa casa, mas jamais havíamos ido a casa dele, ou por falta de tempo, ou pela dificuldade em saber exatamente onde ele morava, pois mesmo nas proximidades ele jamais dissera com precisão seu endereço. Sabíamos apenas que ele morava com sua avó, uma velhinha de oitenta anos, essa era mais uma de suas esquisitices, pois jamais conheci um marmanjo que morasse com a avó.

Eu tinha um plano, seguiria ele com minha bicicleta, e finalmente poderia saber onde ele morava. Isto poderia saciar meus medos quanto a ele, pois quem sabe tudo não passasse da imaginação fértil de um adolescente desconfiado com o estranho amigo de seu pai. Por via das dúvidas mantive meu plano, e quando ele deu partida em seu automóvel, esperei por uma distancia segura, e comecei pedalar em perseguição.

As ruas do bairro são bem calçadas e até permitem uma velocidade maior, mas ele não acelerava muito, e acho que o carro não avançava mais que uns vinte por hora. Ao longe via que ele conduzia o volante olhando para os lados como se vigiasse todas as moradias dali. Não cumprimentava ninguém, era como se fosse um estranho, seguindo lentamente. Demorou uns vinte minutos para que a rua começar a encontrar seu fim, e com ela a ultima casa, um sobrado de janelas largas, cercada por um muro de tijolos se reboco. Parecia um lugar abandonado, onde reinavam os capins altos, e arbustos de todos os tipos. Era uma casa grande, e tinha aos fundos um grande quintal, que descobri fazendo a volta em meio a um matagal que se erguia num terreno baldio. Fiz isso para ver o que ele carregava sobre os ombros.

Ele tirara o saco do bagageiro do seu carro. Parecia pesado, pois suas pernas arquearam quando ele forcejou elevando-o às costas. Achei estranho, e sem nenhum senso de perigo, pus-me em persegui-lo. Iria até o fim, para desmascarar aquele homem estranho. Me embrenhei no matagal, arranhando pernas e braços, mas consegui alcançar um local seguro, sobre um pé de amoreira que tive de escalar. Acobertado pelas folhas verdes da planta, tinha a visão completa do quintal. Era o quintal mais estranho que já tinha visto. Era grande, porém nenhuma planta existia no lugar, e sinceramente, não há sentido em quintal sem flores e sem árvores, apenas um louco poderia conservar tal lugar, forrado por um gramado verde e bem aparado, e em um dos seus extremos uma cova parecia aberta.

Confesso com toda a sinceridade que naquele momento minha valentia havia fugido de mim, e minhas pernas tremiam, e por Deus, me perguntava os motivos para cometer tal idiotice. Pensei em fugir e não ver mais nada, e talvez até tivesse sido melhor, mas se o fizesse ele poderia descobrir minha empreitada, e isso sim seria perigoso demais. Vi ele se aproximar da tal cova, e com violência jogar ao chão o saco. Meu sangue gelou, e se tivesse alguém ao meu lado talvez pudesse confirmar minha palidez, pois fui travado pelo medo e pelo pavor. Um braço caíra pra fora, um braço de gente. De gente morta. Tremia, suava, e chorava escondido na amoreira. Pensava donde teria saído aquele corpo, quem seria aquela mulher, sim era uma mulher, pois quando ele ajeitava o corpo inerte um rosto se revelou, era um belo rosto por sinal, que logo fora jogado dentro da cova.

Ele enterrou pá por pá, e depois cobriu o retângulo de terra com fardos de grama. Ajoelhou-se, e creio que rezara. Todo o ritual deve ter levado cerca de uma hora, tempo que fiquei na amoreira e de lá saí apenas quando sua figura sumiu, entrando em casa pela porta dos fundos. Sai em disparada, até minha bicicleta, na qual montei, e saí em velocidade. Se, contei esta história para alguém? Bom era minha grande dúvida, qual seria minha atitude? Poderia falar a meu pai, ligar pra polícia, poderia fazer qualquer uma destas hipóteses, mas não fiz, achei melhor não arriscar, vá que ele descobrisse quem fora o dedo-duro. Achei melhor não mexer com alguém que enterra corpos em seu quintal, e ainda reza por suas almas.

Por Douglas Eralldo

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