segunda-feira, 5 de maio de 2008

BORDEL DA MORTE

Demorou tempos para os boatos se espalharem. Talvez por isso muitos ossos estejam sob as dunas que cercam o Bordel. Um letreiro com lâmpadas apagadas diz “Night Love”, mas nem sempre o amor era achado, pelos que por ali se aventuraram. Sua dona era conhecida por “Joana Tetuda”, uma senhora velha, que ganhara a vida vendendo o que carregava debaixo da saia. Há anos era ela quem comandava o lugar. Mas não era ela, a responsável pelo terror que se apossava de homens incautos, sedentos pelo jubilo do prazer. Ao contrário, Joana sempre buscou justamente o contrário, em seu íntimo lhe satisfazia prover machos do que estes não encontravam em seus lares. Sentia-se infeliz apenas, pois seu corpo denso e robusto, de pele caída e seus seios quase ao umbigo não atraiam mais ninguém. Outrora o volume de suas mamas eram um atrativo, mas com a idade passaram mesmo a ser um estorvo, um peso a carregar. Ao máximo ganhava cinco, ou dez pila por um “boquete”. Nisso ela ainda era mestra, e acreditem ou não, reunia clientes para tal. Porém não era mais o suficiente, e nada mais lhe restou que ganhar dinheiro com corpo de outras “meninas”.
Ela reunia em torno de si mulheres bonitas. Sabia que era o melhor atrativo. Um par de coxas bem torneado, um rosto bonito, bundas voluptuosas, e mulheres ardentes. Para ela este era o melhor ingrediente a oferecer, e por isso era exigente com as que se apresentavam. Outra coisa de costume era possuir em seu grupo, garotas novatas, mas sempre com mais de dezoito, pois Joana tinha medo da lei. Além disso, as novatas atraiam clientes desejosos por desfrutar pela primeira vez de uma mulher da vida. Pagavam caro por isso, e assim Joana levava a vida, não de riqueza, mas com uma considerável poupança no banco. O suficiente pra não se preocupar com os tempos de vacas magras, dizia. Porém foi justamente ao surgir uma destas novatas que coisas estranhas começaram a acontecer.
A – Dona Joana! Disse uma voz rouca e penitente. A cafetina chegou a levar um susto, pois, do nada surgiram as duas figuras. Um homem de cabelos grisalho e ralos, ostentando um cavanhaque tão branco quanto os cabelos, e segura por ele uma mulher de rosto ainda menina, que carregava nos olhos um vazio tão grande quanto a eternidade da morte.
– Cruz credo! Ave Maria. Assim tu me matas de susto homem.
– Não foi minha intenção Dona Joana, a Senhora me perdoe, por favor.
– Então me diga logo o que quer.
– A senhora sabe que minha família é grande, e que a gente está de muda pra São Paulo, mas o dinheiro anda curto, então vim se por acaso a Senhora não precisa de menina nova, pois quem sabe a gente faz negócio.
– E essa menina quem é? Não me parece com idade pra função?
– É Melissa, minha filha do meio. Mas a senhora pode sossegar que ela fez dezoito três meses atrás. Não faria isso, mas o dinheiro...
– Não precisa me repetir, pois esta história, eu conheço há muito tempo. Ela é virgem?
– Olha, isso ela não é mais, mas garanto pra senhora que só um macho buliu nela até hoje.
– Disso não duvido, e lhe garanto que não devo estar errada em saber quem foi. Mas isso não me importa, a casa até que ta precisando de novidade, e ela até que é bem bonitinha. Venha no meu escritório para acertarmos o preço. Judite Venha cá. Leve essa menina até o quarto que está vago, que já passo lá pra conversar com ela. Disse a dona do bordel para uma das quengas.
Sobre a beleza da garota era uma ofensa a palavra bonitinha. Melissa ostentava um rosto de traços finos, coisa rara naquele lugar. É como se ela não pertencesse ao mundo que nasceu. Seus cabelos negros, lisos e sedosos escorriam até a metade das costas, e o verde cintilante dos olhos serviam para aumentar o mistério de seu olhar que na maioria dos momentos era vago e distante. Sua pele era tão macia como os lençóis de seda que Dona Joana tinha em seu quarto, um capricho de puta velha. Seu corpo ainda florescia. Tudo era distribuído, sem nenhuma sobra. Suas coxas eram voluptuosas, mas sem exagero, e seus seios entre o médio e o farto era algo que não se encontrava fácil. Pela idade tenra seus bicos se mostravam altivos e rijos sob um vestido com estampas floridas. Ela entrou em silêncio, e assim seguiu ao quarto que Judite a levara. Na verdade nunca alguém ouviu dela uma só palavra. No máximo gemidos falsos para apressar os mais demorados a saciarem-se em seu corpo. Seu silêncio era inquietante. Dona Joana no início quase a mandou embora, porém seus mistérios acendiam as paixões nos homens da cidade.
Joana tentou conversar com a garota. Em vão. A velha temia que ela não fizesse o serviço, já que passou semanas sem obter qualquer resposta. No entanto no dia de sua inauguração na vida, Melissa, ou simplesmente, Mel, como passaram a lhe conhecer, não decepcionou. Dona Joana sempre soube como fazer render seus investimentos, e do mesmo modo, em sua função, pode-se dizer que tinha tino ao marketing. – Minha filha, hoje é o grande dia. Vai por mim, não precisa ter medo, muitos deles querem apenas uma perna aberta, e como é sua primeira vez, irão tolerar qualquer deslize. Porém tu terás que fazer tudo o que combinamos, dance, rebole, tire o sutiã, mas não se esqueça a calcinha não – isto fazia parte de mais um plano de Dona Joana, que vendera o produto como novo, e por isso estrearia Mel, nos dias que findavam seu ciclo menstrual, por isso a proibição de tirar a calcinha no salão – faça como Judite lhe ensinou que tudo sairá bem...
Não preciso dizer que a cidade esperava por aquela noite. Há tempos não havia estréia no bordel, e os homens estavam ansiosos, e de “burra” cheia, para gastar no leilão. As luzes se apagaram e um círculo se formou ao redor da pista de dança do salão onde uma cadeira solitária repousava. Então uma música mais agitada rompeu o silêncio, e uma jovem mulher saiu de trás da copa. Serpenteava seu corpo ao som da música. Trajava um vestido vermelho, da cor do pecado. Antes mesmo que este descobrisse seu corpo, marmanjos não conseguiam esconder sua excitação ereta, frente a tal beleza. Ela se desfez do vestido, e revelou sua lingerie negra. Rebolava fazendo a volta na roda formada, e por vezes empinava seu bumbum de tamanho simétrico, elevando quase a altura de rostos vorazes em devorá-lo. E antes de as luzes se acenderem, tirou o sutiã, expondo seus seios a uma platéia que aplaudia em reverência. Depois de lances altos, o prefeito por fim arrematou a chance de estrear a novidade.
Desde então, Mel foi á quenga mais procurada no Bordel, e mesmo quando os boatos se espalharam, e a casa passou a ficar vazia, sempre quando surgia algum cliente, e por ela que procuravam: - Onde está a morena misteriosa? Perguntavam. E aí sempre surgia Mel, ostentando suas curvas seminuas. Mas estes eram poucos, pois muitos homens haviam sumido na cidade, pra quase uma centena diziam alguns. As mulheres procuravam por seus maridos sem suspeitar de seus paradeiros, mas os homens do lugar sabiam que muitos destes foram vistos pela ultima vez no Bordel da Joana, porém como quase todos os sumidos faziam parte da sociedade, o mistério dos desaparecimentos não vinha á tona pelo receio dos que sabiam de onde sumiram tantos homens. Era um lugar conservador, e era preferível ocultar o segredo deixando de freqüentar o Bordel da Joana, a ver seus nomes em escândalos familiares.
Então o Bordel de Dona Joana começou a passar por grande crise, e viver apenas de viajantes desavisados. Quase todas as putas a abandonaram, apenas Mel ficou exercendo o metie. Adoentada, a velha Joana quase nem saia de seu quarto, e pra dizer a verdade Mel era quase uma sombra solitária escondida em sombras. Porém o letreiro seguia aceso. Uma armadilha tal qual a teia da aranha na espreita por insetos descuidados. Foi o que chamou a atenção de André, que viajava há mais de três horas para uma reunião que aconteceria na manhã seguinte. “Pode ser uma boa idéia!” Pensou o viajante. Ele estacionou seu automóvel em frente ao local e desceu. Estranhou o som abafado, e quando adentrou no recinto se deparou com um salão escuro e vazio, onde uma música em tom baixo tocava e as luzes coloridas eram a única luminosidade do lugar.
Das sombras um corpo despido surgiu, e nada mais fez que um sinal convidativo. Mel nunca precisou falar, todos atendiam ao seu chamado. “Meus Deu! Que mulher é essa?” pensou em voz alta o homem ao ver Mel, nua e exalando o aroma de prazer. Os gestos dela dispensavam palavras, e ele sabia que era um convite.
Embriagado pela lábia silenciosa daquela mulher de beleza estonteante André a seguiu. Seus olhos avistavam apenas o corpo nu que o levava num caminhar lancinante e provocativo a um pequeno quarto nos fundos do prédio. A cama velha rangia enquanto o homem era tragado para dentro do corpo de Mel. André por hora tinha sensação de se encontrar por inteiro dentro da mulher que fazia sexo com ele da maneira que ele jamais fizera com alguém.
Mel nunca pode entender por quais motivos seus instintos nasciam com a lua cheia. Nestas datas que era aconselhável nenhum homem aparecer no Bordel. Apenas quando a lua se expunha por inteiro. Talvez por isso, como a lua, também os sentimentos de menina-mulher tomavam seu corpo por inteiro, e deste sentimento renascesse a cada quatro semanas, seu ódio pelos homens, pelos machos... Pois eram nestes dias de luar que a imagem de seu pai invadindo seu corpo virgem seu suor fétido e hálito embriagado a faziam lembrar o quão animal pode ser o homem. Nestas noites, seu silêncio, seus gemidos eram trocados pelos gritos de dor, a mesma dor da primeira vez que o homem que a vendeu a Dona Joana lhe fizera sentir, a dor de estar viva, e conviver com tais lembranças... Nestas noites todo homem que se aventurasse em seu corpo pagaria pelos crimes do velho Gregório.
Enquanto André fazia jorrar seu prazer, envolto nas sombras da noite, Mel via apenas o rosto do Velho Gregório. Sentia seu bafo de cachaça barata, e seu corpo produzia o mesmo asco que sentira cada vez que seu pai a violentara. A faca guardada sob o colchão deslizava pelo pescoço inocente, e Mel só percebia então que o morto não era quem ela queria matar, depois do trabalho feito. Muitas vezes ela teve de limpar o sangue, e os vestígios. As dunas eram um bom esconderijo onde jaziam ossos aos quais, André se juntaria logo.
Antes do alvorecer ela retornava ao quarto, esperando que um dia o rosto não se desfigurasse, e ali pudesse enterrar o homem a quem ela aguarda ansiosa um dia poder matar. Mas enquanto este dia não chega não aconselho ninguém chegar pelas bandas do Bordel, “Night Love”. Pelo menos, não em dias de lua cheia.

por, Douglas Eralldo

Nenhum comentário:

Postar um comentário