segunda-feira, 27 de julho de 2009

Consultório

Há neste mundo algo mais aterrorizador que um consultório de dentista? Seu odor característico, o som dos equipamentos em pleno funcionamento faziam minha pressão arterial descer, enquanto aguardava na sala de espera. O atendimento por ordem de chegada me deixava no meio da fila, tempo suficiente para ouvir gritos pavorosos, e a estridente broca perfurando maxilares mal cuidados. O doutor Ricardo Boaventura era novato, na cidade, e alugara um velho casario, onde montou seu consultório, que era secretariado por uma velha de cara rabugenta, e que jamais olhava-nos nos olhos. Cabisbaixa, anotava nome dos pacientes, e os anunciava ao som de uma campainha apertada dentro da sala do dentista. Estranhamente, os pacientes não retornavam pela porta por onde entraram. Um a um eram chamados, e ao toque da campainha outro entrava sem que o anterior "desse as caras" no saguão. Estranhei o fato, mas supus alguma porta de saída, afinal, era uma casa enorme. A fila foi diminuindo, e torturantemente minha vez ia se aproximando. Já podia sentir a broca raspando minhas cáries, a saliva ensanguentada eclodindo de minha boca... Detestava qualquer dentista, e fosse qual fosse, o odiaria mais que a um inimigo. Mas inevitavelmente me era necessário, e quando a voz empolada da secretária me anunciou, um frio abateu-se sobre meu corpo, e uma vontade de dar meia volta instigava meu pensamento. Só não o fiz por orgulho, pois temia a chacota dos que ainda aguardavam. Cidade pequena, todos comentariam meu medo. Desse modo, muito mais por vergonha em demonstrar fraqueza, do que por coragem de enfrentar a cadeira que me aguardava, entrei no local. Primeiramente procurei pela porta de saída, o que não existia. A única porta era a de metal, que dava acesso a uma espécie de câmara frigorífica. Se já havia medo em meu coração, imagine o leitor após esta constatação. "Por onde saíram os outros?" era a única pergunta que me vinha ao pensamento. Absorto nesta questão esclarecedora, não percebi meus punhos e pés atados firmemente à cadeira. Quando o doutor virou-se, minha ultima visão foram os olhos alaranjados do dentista, que lentamente vinha em minha direção com sua cruel broca, que só saciou seu desejo por sangue após atingir meu cérebro, extinguindo meu último suspiro de vida. Próximo. Gritou a secretária. A fila ainda estava grande, mas o doutor resolveria a dor de dente de muita gente, naquela tarde.

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