sábado, 4 de julho de 2009

Naquele dia não me viam


Não sei por qual motivo naquela manha despertara invisível. Sim, meus desejos de meninice se concretizaram em plena sexta-feira. Ninguém podia ver-me, e eu logicamente tornei-me um semideus, louco para realizar meus secretos desejos os quais nunca havia imaginado que poderiam sair do campo da imaginação.

Não que fosse um dia especial. Para uns até podia ser azar, mas a mim, o treze daquela sexta-feira trouxera foi muita sorte. O sol como de costume invadia a janela do pequeno apartamento, onde moro sozinho. Ele deslizava lentamente até chegar a meu rosto, e cutucar-me, fazendo-me acordar.

Da cama ao banheiro, ao quarto novamente, e vestido em menos de dez minutos, estava pronto para ir trabalhar. Até então nada de diferente havia percebido. Tudo ocorria normalmente como aos outros dias. Mas quando passei pelo Seu Valdir, porteiro do prédio percebia que alguma coisa estava diferente. Pela primeira vez em três anos ele se negara em cumprimentar-me. Nunca havia me negado um bom dia. E mesmo quando retornei, para tentar puxar alguma conversa o olhar do velho homem se mantinha distante, como se eu não estivesse ali. “Ficou doido, pobre homem.”

Cismado com o fato segui meu caminho, pois estava atrasado, e por muito pouco não perco o ônibus que me levaria ao trabalho. Quando Cris embarcou no ponto seguinte, fui a sua direção, para comentar o acontecido. No entanto estranhamente, ela também me ignorou. Naquela altura do dia, ainda não sabia da sorte que caía sobre mim, e praguejava aquela data azarada. Era como se todos os meus conhecidos estivessem de alguma forma me pregando uma peça. Eu não simplesmente não existia.

Irritado sequer despedi-me de minha amiga, e fui direto ao escritório. Porém, voltou a ocorrer a mesma situação. Claudete, a recepcionista, que me recebia sempre de sorriso largo – pois afinal não sou de se jogar fora – sequer dirigiu seu olhar esmeraldino em minha direção. Isto foi á gota d’água. O desdém de Claudete não poderia passar em brancas nuvens. Fui até ela, e desejei-lhe bom dia, duas ou três vezes... E nada. Ela não me respondia. Não me olhava. Eu não estava ali.

Como não podia crer que todos os meus amigos pudessem confabular tamanha brincadeira, Claudete fez-me perceber que algo estranho ocorria com a minha pessoa. E logo deduzi que naquela manhã eu amanhecera invisível. Era esta a resposta? Não tinha toda a certeza. Ainda cogitava qualquer brincadeira.

Mas minha mente traquina logo descobriu uma maneira de encontrar uma resposta. Meu Chefe. Se fosse uma brincadeira, por certo que ele não seria um dos participantes. Então sem cuidado algum fui ao elevador, e segui até o décimo primeiro andar. Ninguém me cumprimentou. Não estranhei, afinal, naquele dia, isto já era normal.

Quando cheguei ao temível andar, invadi-o sem cerimônias. A secretária nem me olhou, ou perguntou o que desejava. Nunca em três anos de trabalho, eu tivera tanta liberdade. Entrei na sala do chefe e ele estava lá. Enroscado numa loira que gemia como gata no cio. Pareciam dois contorcionistas, pela quantidade de movimentos que faziam sobre o sofá encouraçado. Para tirar qualquer dúvida, bati palmas. E eles não acusaram minha presença. Então naquele exato momento todas minhas questões se resolveram com uma única resposta. Eu estava invisível. Sorri obviamente.

Nem minhas gargalhadas atrapalharam os dois que prosseguiam o coito de forma muito calorosa. Nunca fui de espiar, mas não é todo dia que se entra na sala do chefe e vê-se aquele tipo de coisa. Fiquei ali observando o desempenho dele, que cá entre nós, falava mais do que fazia. Só mesmo o dinheiro poderia explicar a atração daquela bela mulher por ele.

Com aquela descoberta fascinante, a porção criança, e a porção devassa se apossaram de meu ser. O devasso fez com que pelo dia inteiro entrasse em: banheiros femininos, provadores, e outros locais que apenas mulheres entram. Posso lhes garantir que em um “sexshop” presenciei cenas impublicáveis.

Já a porção criança, me levou a cinema sem pagar entrada. Viajar pela cidade sem pagar passagem, espionar conhecidos, roubar sorvete, etc...

Quando dei por conta a sexta-feira escorria para seu final. Mas antes pude passar na pastelaria, tomar chope sem pagar e comer o pastel do português. Era uma delícia, e caro. Como estava invisível, levei cinco. Na portaria percebia que continuava invisível, pois Manoel, o porteiro da noite também não me cumprimentara.

“Por quanto tempo ficarei assim?” Era uma pergunta relevante, pois imaginava que tal situação fosse transitória. Cansado pelo dia de aventura e traquinagens favorecidas pelo novo dom, debrucei-me sobre o sofá. Tomar ou não tomar banho? Eis minha questão “cheiquesperiana” para aquele final de dia. Estava cansado demais, logo, entre o corredor que levava para o quarto e o que levava ao banheiro, optei pelo primeiro.

Não deveria ter aberto aquela porta. Talvez continuasse a imaginar ser invisível. Porém, já havia o feito, e a maçaneta girando e empurrando a madeira de modo que abria a visão para minha cama revelo-me numa situação embaraçosa, afinal, jamais eu estivera invisível, já que meu corpo permanecia imóvel sobre a cama, gélido, e completamente morto, exatamente como amanhecera naquele dia.

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