quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A estrada como de costume estava deserta naquela madrugada. Os três amigos, cada qual mais embriagado que o outro, ziguezagueavam sobre o asfalto áspero que cortava a pequena cidade de Pantano Grande ao meio. O lugar, no coração do Rio Grande era pacato, e não tinha mais que dez mil habitantes. Os amigos, Cleiton, Eduardo e Jeferson, voltavam para casa depois da festa num clube da cidade...

Do centro até os sítios onde moravam, pouco mais de seis quilômetros, e mesmo bêbados eles voltavam a pé para casa. Cleiton abriu seu telefone celular e verificou que já passava das cinco. Eduardo parou sobre o acostamento, abriu seu zíper e pôs-se a urinar toda a cerveja que bebera na festa. Os outros dois o seguiram, e enquanto encharcavam o solo com o líquido ácido e quente que saia de seus pênis, cantarolavam aos gritos uma canção desafinada. Nem mesmos os dois olhos de luzes que despontava antes da curva inibiram o grupo, e quando o carro passou por eles, se viraram para a estrada apontando seus membros em direção do veículo. O carro passou sem percebê-los.

O trio, mais alegre que o de costume, seguiu seu caminho. Com os pés cansados, tiraram os sapatos, e caminhavam sentindo o sereno da primavera. A cantoria continuava. Apenas a canção se alterou, e logo no início de uma curva que abria as cortinas para o cemitério municipal, ao invés das baladas populares começaram a entoar a ave-maria e o pai nosso. Cleosvaldo, o vigia, escondeu-se atrás dos muros jogando-lhe pedras, mas o álcool impedia que os amigos temessem ate mesmo os mortos. Estavam na metade do caminho para casa.

A propriedade dos pais de Jeferson era um pouco antes da dos irmãos Eduardo e Cleiton. – É to quase chegando! Disse Jeferson de forma atrapalhada e gaguejante. Antes da porteira que dava acesso para o sítio, cruzaram pelo milharal. Era um atalho. As espigas estavam verdes. Tenras e doces. – Ajuda a diminuir o álcool no sangue. Dizia Eduardo ao desfolhar e devorar uma espiga inteira enquanto cruzava pela plantação.

- Não sei por que, mas detesto milharal. Disse Jeferson.
- É parece que tem sempre alguém nos espionando. Respondeu cleiton.
- Essas folhas, se roçando... Chega até mesmo dar arrepios. E você, Duda? Duda? Duda...

Eduardo não respondeu a nenhum deles. – Deixa de ser idiota moleque. Pensa que vai nos assustar. Os dois seguiram pelo milharal. Um vento que começou a soprar mais forte dava a impressão que dezenas de pessoas circulavam pela plantação. – O idiota do Duda, pensou que ia nos assustar... Não é Cleiton? Cleiton? Cleiton...

Cleiton também havia desparecido? Ou seria apenas uma brincadeira de mau gosto. Jeferson bem conhecia os dois, e preferiu continuar caminhando no mesmo passo, do que servir de piada no dia seguinte. “Droga de plantação! Parece que tem sempre alguém nos seguindo!” murmurava em vos baixa. Seus olhos estalados olhavam em todas direções, pois queria estar prevenido quanto alguma aparição abrupta de seus amigos. Não queria deixar-se levar pelo susto. Com as mãos abria caminho entre as folhagens da planta. O milharal estava quase vencido.

Mas ele não conseguia observar a tudo, e tropeçou em algo. Na verdade foi levado a tropeçar, pois antes de seu corpo se espatifar no chão, percebeu que uma espécie de laço, com três pesos nas pontas o desequilibrara. Nem bem caiu uma rede caiu sobre seu corpo, lhe causando pequenos choques elétricos. Com os olhos enfumaçados, e a consciência lhe fugindo sentiu seu corpo sendo arrastado pela terra fofa.

Jeferson, mesmo com a visão turva movimentou sua cabeça para tentar ver quem o havia capturado. Pode ver apenas um par de pés descalços. Não eram pés humanos. Eram pés enormes, esverdeados, e escamosos... Dos calcanhares duas grandes unhas encurvadas se assemelhavam com ferrões. Aquele par de pés levava seu dono - que devia ter mais de dois metros de altura, se a julgar pelo tamanho dos pés – a passos lentos e torturantes em direção de uma luz forte.


Jeferson voltou então a rezar, como fizera a pouco, quando cruzara pelo cemitério. Mas dessa vez o cântico estava afinado, e bem mais sincero. Porém talvez a brincadeira anterior tenha irritado ao poder celeste, e sua oração não foi ouvida.





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