quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

IML 0666

Claudio juntou todas as suas economias para adquirir seu bem mais valioso, um veiculo popular, mas que para ele se constituía num grande troféu para um homem de vidas simples e percalços rotineiros, que cada pequena coisa é uma grande vitória aos que nada tem....

Depois de muito planejamento, e com o dinheiro em punhos saiu da concessionária dirigindo seu carro, saboreando o cheiro de plástico dos bancos ainda intocados, ouvindo o som do motor ainda um tanto bruto, solicitando ser amaciado por pés firmes. Chegou em casa e na primeira noite o admirava de hora em hora.

No dia seguinte o operário foi até o centro de registros. Afinal, seu novo bem precisava de uma carteira de identidade, e assim como seu erregê, o carro tinha que ter uma placa. E foi no balcão do órgão público que seu sonho começou a tornar-se um pesadelo. – IML 0666, Senhor. – O quê? – Sua placa Senhor, IML O666. Disse o servidor.

Nada além dos carros do rabecão acostumados a carregarem defuntos veio ao pensamento de Claudio. “Instituto Médico Legal. Que Merda!” Pensou ele. – Posso trocar? – Pode senhor, serão mais setecentos reais em taxas. – Como? O senhor pode escolher a placa. A taxa é setecentos reais, senhor! – Mas não tenho esse dinheiro. Não da pra ti mesmo trocar? – Infelizmente, não posso fazer nada senhor, o sistema é automático. – Mas... Claudio tentou ponderar, mas contra o sistema, ninguém vence, pois ele é um inimigo invisível. Contrariado, saiu com o carro emplacado. “IML 0666. Que número mais desgraçado. Claudio, 666 não é o número do capeta?” Conversava consigo mesmo.

Contrariado entrou na rodovia que levaria até sua casa, indignado com a placa do veículo, e contra o servidor que o atendera. “Filho da mãe...” E tantos outros palavrões emanavam de sua mente que a única imagem que lhe vinha era o debate no centro de registro, e o sorriso sádico do atendente que lhe informara a placa.

Claudio formava teorias conspiratórias. “Ele sabia... Fez para me irritar... Filho da mãe... Aqueles olhos cintilantes me olhando, negros como a piada que me dizia... Aquele sorriso largo de alegria em ver alguém assustado... aquele cavanhaque ridículo... filho da mãe...”

Absorto na imagem sarcástica do homem Claudio não percebeu a carreta cada vez mais próxima, tampouco ouviu a buzina estridente, e nem o grunhindo dos pneus, e mergulhou para a morte, ficando seu corpo entre os ferros daquilo que um dia fora seu grande sonho. Se seus olhos arregalados, petrificados pelo horror da morte, se revelassem a última imagem de sua vida, lá estaria aquele homem... Sorrindo...

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