Claudio juntou todas as suas economias para adquirir seu bem mais valioso, um veiculo popular, mas que para ele se constituía num grande troféu para um homem de vidas simples e percalços rotineiros, que cada pequena coisa é uma grande vitória aos que nada tem....
Depois de muito planejamento, e com o dinheiro em punhos saiu da concessionária dirigindo seu carro, saboreando o cheiro de plástico dos bancos ainda intocados, ouvindo o som do motor ainda um tanto bruto, solicitando ser amaciado por pés firmes. Chegou em casa e na primeira noite o admirava de hora em hora.
No dia seguinte o operário foi até o centro de registros. Afinal, seu novo bem precisava de uma carteira de identidade, e assim como seu erregê, o carro tinha que ter uma placa. E foi no balcão do órgão público que seu sonho começou a tornar-se um pesadelo. – IML 0666, Senhor. – O quê? – Sua placa Senhor, IML O666. Disse o servidor.
Nada além dos carros do rabecão acostumados a carregarem defuntos veio ao pensamento de Claudio. “Instituto Médico Legal. Que Merda!” Pensou ele. – Posso trocar? – Pode senhor, serão mais setecentos reais em taxas. – Como? O senhor pode escolher a placa. A taxa é setecentos reais, senhor! – Mas não tenho esse dinheiro. Não da pra ti mesmo trocar? – Infelizmente, não posso fazer nada senhor, o sistema é automático. – Mas... Claudio tentou ponderar, mas contra o sistema, ninguém vence, pois ele é um inimigo invisível. Contrariado, saiu com o carro emplacado. “IML 0666. Que número mais desgraçado. Claudio, 666 não é o número do capeta?” Conversava consigo mesmo.
Contrariado entrou na rodovia que levaria até sua casa, indignado com a placa do veículo, e contra o servidor que o atendera. “Filho da mãe...” E tantos outros palavrões emanavam de sua mente que a única imagem que lhe vinha era o debate no centro de registro, e o sorriso sádico do atendente que lhe informara a placa.
Claudio formava teorias conspiratórias. “Ele sabia... Fez para me irritar... Filho da mãe... Aqueles olhos cintilantes me olhando, negros como a piada que me dizia... Aquele sorriso largo de alegria em ver alguém assustado... aquele cavanhaque ridículo... filho da mãe...”
Absorto na imagem sarcástica do homem Claudio não percebeu a carreta cada vez mais próxima, tampouco ouviu a buzina estridente, e nem o grunhindo dos pneus, e mergulhou para a morte, ficando seu corpo entre os ferros daquilo que um dia fora seu grande sonho. Se seus olhos arregalados, petrificados pelo horror da morte, se revelassem a última imagem de sua vida, lá estaria aquele homem... Sorrindo...
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