sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Motel Viena

Claudia estava submersa na banheira. Totalmente nua. A água quente e borbulhante tocava sua pele, e ela relaxava num descanso merecido. Ao longe admirava seu esposo em sono profundo sobre a cama. Jorge havia sido especialmente magnífico naquela noite. Com ele, Mariana e Ricardo dividiam o mesmo espaço. A loira tinha realmente um corpo descomunal. Suas coxas fartas, sem bumbum saliente se mostravam uma visão de deleite. Claudia nunca admitira, mas sempre tivera curiosidade em saber como era amar outra mulher. E ela não teve arrependimentos. Ricardo, da mesma forma era um bom amante, e os quatro haviam realizado todos os seus desejos...

A morena de seios fartos e lábios carnudos pensava na cumplicidade de seu esposo. Há poucos homens como Jorge. Abertos a novas experiências, modernos... Era a imagem que ela compunha de seu companheiro de mais de dez anos, quando a energia caiu. A escuridão plena se apossou da suíte, e ela não podia avistar um palmo a sua frente. O trio que admirava com carinho foi encoberto por um manto negro. A hidromassagem desligou-se automaticamente. A água passava a lhe gelar o corpo eriçando cada pêlo existente em sua epiderme. Ela tinha que sair dali. Chamou pelo nome de Jorge um, duas, três vezes... Ele não respondeu. Devia estar em sono profundo. Resolveu chamar por Ricardo, e depois por Mariana, mas ninguém lhe atendeu. “Droga! Nem fizemos tanto sexo assim para ficarem imprestáveis...” Praguejou ela mentalmente.

Com a água cada vez mais fria, tateou pela toalha. Macia. De algodão, e enrolou em seu corpo. De pé, fechou os olhos buscando lembrar mentalmente a disposição dos móveis. Aquele motel lhe era um lugar estranho, e ela não queria bater suas pernas frágeis contra qualquer obstáculo. À direita recordou-se estar uma mesa com tampo de vidro onde ela e Mariana jogaram suas bolsas enquanto beijavam-se calorosamente. Só a lembrança dos dedos atrevidos da estagiária entre suas pernas lhe excitava. Queria chegar até a cama redonda, e acordar qualquer que fosse que estivesse a fim de saciá-la novamente.

Enquanto caminhava passo por passo sobre o piso gelado, já que não encontrara as pantufas, lembrava-se da tarde daquela sexta na empresa, e do impulso de Jorge em lhe propor um encontro a quatro. “Safadinho. Provavelmente havia combinado tudo com esta vadia. Ele conhece cada um na fábrica, e macacos me mordam que ele não sabia que não sabia que a estagiária andava se refestelando com o entregador pelos cantos. O flagra foi apenas um modo de me convencer a esta loucura... De qualquer forma esta valendo a pena...”

Distraída pelos pensamentos Claudia sentiu suas panturrilhas tocarem algo macio e fofo. Era o sofá, e este estava à esquerda, o que lhe indicava centralizar mais seus passos, que a cada incursão de seus pés encontravam uma peça de roupa perdida pelo chão. Persistente a calma, guiada apenas por seu instinto em meio a tanta escuridão ela finalmente chegou até a moldura da cama redonda.

Como uma gata, ela foi se aninhando entre os corpos. Eles estavam inertes, e não notavam a presença daquela mulher que desejava mais prazer. Ela roçava seu corpo, novamente nu em seus corpos. Estranhamente ela percebeu que estavam úmidos. Mas não lhe parecia um líquido comum. Era algo viscoso, e ela não podia definir o que era em meio a tanta escuridão. Seu coração começava a se agitar e suas batidas era o único som a ouvir naquele momento. Voltou a chamar um por um... Sua voz estava embargada pela preocupação daquele silêncio melancólico. Cutucou um deles. Não podia precisar qual. Com a força impregnada por suas mãos ansiosas o corpo deixou a inércia de lado pendendo para o lado direito da cama, sem responder-lhe com qualquer ação.

A aflição dera lugar ao medo no coração de Claudia. Um por um tentou acordar, e a única coisa que conseguia tatear era o líquido viscoso que os cobria. No centro das trevas ela gritou... Chorou... Não via nada. Apenas seu tato dava-lhe indícios que algo de errado acontecia. Não conseguiu estancar o choro convulsivo e solitário. Ela não sabia o que fazer. Sentou-se, e com os joelhos dobrados abraçou suas pernas numa posição que ficava quando ainda adolescente sua falecida mãe lhe punha de castigo.

De repente um chiado quebrou o silêncio monótono. Ela olho para os lados. Não via nada. Mas o som estava a cada segundo mais nítido. Até que então uma canção podia ser escutada. “Sunday bloody Sunday” dizia o refrão vindo do pequeno rádio relógio sobre o bidê. Seus números digitais de um tom alaranjado como as chamas do inferno estavam travados, e marcavam 00:10. “Como funciona, se não há luz? Que dia mesmo é hoje? Sábado... Hum! Mas deve ser quase meia noite...” O volume começou então a reduzir, e ao passo que este diminuía, o marcador movimentava seus números de forma decrescente até marcar 00:00.

No exato momento em que zerou o marcador digital a energia retornou ao quarto. A luz como as trevas é rápida e ágil, e por um instante cegou Claudia. Quando suas pálpebras sentiram-se confiantes para descerrar a cortina daquele cenário, se abriram vagarosamente. Claudia temia o que iria enxergar. E quando seus olhos finalmente lhe permitiam ver, ela queria voltar a cegueira que até instantes lhe deixava alheia ao cenário macabro daquele quarto de motel.

Sobre a cama três corpos decapitados, e esfaqueados às dezenas inundavam de vermelho os brancos lençóis de cetim. Claudia permanecia imóvel. Seus olhos vidrados miravam distante, como se sua alma viajasse para muito longe. Nem mesmo a maquiavélica faca de açougueiro jogada ao chão lhe chamava a atenção. Seu desejo era de negação. Não queria crer no que seus olhos não podiam mentir. Estavam todos mortos. Apenas ela ainda vivia.

Claudia finalmente encontrou uma solução. Na verdade a única que lhe viera ao pensamento. Levantou-se da cama e caminhou como um zumbi sem vida até a porta que dava acesso a garagem. Abriu-a e viu o carro de Jorge. Abriu a porta e recostou-se no banco. Olhou a chave na ignição e uma alternativa lhe surgiu. “Não. Não acreditarão em mim...”

Claudia sempre fora conhecida por ser uma mulher decidida. E naquela madrugada de domingo ela sabia o que fazer. Já havia tomado a decisão ao levantar-se da cama encharcada de sangue. Abriu o porta-luvas. Jorge sempre guardava a pistola naquele lugar. Ela a empunhou com firmeza, e sem titubear um único segundo, apertou o gatilho, e a bala ardente abriu-lhe um rombo no crânio. Os vidros com sangue respingado por toda a parte compuseram a ultima parte do cenário triste embalado pela música que voltava a tocar dentro da suíte...

Um comentário: