terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Mais um conto de natal

Marcondes chega em casa no dia 23 de dezembro. Não é uma casa como as que você conhece. É uma casa pobre, onde as paredes de madeira são arejadas naturalmente pelas rachaduras, e o telhado está às vistas pela inexistência de forro. Mas Marcondes não reclama. Esta ali de favor. A casa de três pequenos cômodos divide com a esposa e seus dois filhos...

Natanael, pouco entende da data que se aproxima. Já Benjamim, de cinco anos, toda tarde chega para abraçar-lhe, e contar do pedido depositado num pequeno pinheiro improvisado por Judith. Ele abraça o filho, diz poucas palavras, e vai ao banheiro. É lá que gosta de pensar. Refletir. É na solidão entre aquelas pequenas paredes, que o envolvem, que ele toma muitas de suas decisões.

Marcondes liga o chuveiro, e a água morna começa a escorrer lentamente sobre sua pele tostada pelo sol, de um dia inteiro. Infrutífero por sinal. As vendas não iam bem, e ele dependia de suas comissões. Uma ou outra prestação, água, luz, farmácia... Não havia fórmula mágica para os números que são acompanhados por cifras.

No caminho, ele passara por tantas vitrines. Vermelhas. Enfeitadas. Coloridas. Na tevê a mesma coisa. Propaganda. Muita propaganda. E enfim o bom e velho papai-noel se tornara alguém muito famoso, e de muitas faces, e empregado em diversas lojas. “Devem ser clonados, ou são fabricados em larga escala!” Pensava Marcondes, enquanto pressionava ao máximo o vidro de xampu quase vazio.

Como a água cada vez mais quente estava sua cabeça. Ele não queria falhar. Mas sua impotência o castigava. Ele calculava de um lado, puxava números de outro, somava aqui, subtraia ali, mas não chegava a um denominador comum. De forma alguma papai-noel conseguiria entregar ao jovem Benjamim seu Auto Posto, desejado há três natais no mínimo. “Não... Não posso adiar mais uma vez...”

Marcondes sabia que entraria como uma navalha a cara de frustração. De descrédito de seu rebento. Crianças apenas desejam. Sem maldade. Benjamim, talvez logo esquecesse, talvez até mesmo compreendesse, mas Marcondes sabia, e isto era o suficiente para atormentá-lo.

A toalha ríspida lavada sem amaciante passava pelo corpo do pai, quase em desespero por ver sua impossibilidade em atender o desejo de um filho. Vestiu um calção velho, e a camiseta lacrimejando. Estava prestes a chorar. Porém, não podia ver seu garoto esperar por uma visita que jamais chegaria no dia vinte e quatro.

O garoto assistia televisão. Ironicamente a propaganda mostrava o tão desejado brinquedo. Os olhos do menino brilhavam. É o que acontece quando desejamos algo tão profundamente. Nossos olhos brilham. Mas os olhos de Marcondes não brilhavam mais. Estavam profundos e vazios. Caminhando a passos lentos, pegou sobre a pia uma pequena faca. Empunhou firme, descascando de forma firme e raivosa o pêssego que estava noutra mão. Foi até o quarto e sentou-se ao lado do garoto.

A faca machucava a carne da fruta como se Marcondes quisesse machucar sua própria carne. Era uma decisão que não teria mais volta. Talvez Benjamim jamais o perdoasse. Jamais o entendesse. Mas o desesperado pai estava desesperado. E algo iria morrer definitivamente naquele dia.

Marcondes aproximou-se do jovem, e com o braço esquerdo o envolveu em seu colo. – Chega mais perto do pai, meu filho! O menino então olhou-o no fundo dos olhos como se previsse que algo aconteceria. Ficou em silêncio aguardando que seu pai continuasse a fazer o que estava decidido fazer. O menino viu uma lágrima escorrer, e os lábios de seu pai tremerem até que balbuciantes e chocantes palavras foram pronunciadas: - Meu filho, Papai-Noel não existe!

Com aquelas palavras, naquele dia uma crença morreu. Benjamim deixou a acreditar no natal.















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