quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A ultima tarde de Mário

Até onde vai nossa honestidade e nossa moral? Esta pergunta martelava insistentemente o cérebro de Mario Bergmann. A casa dos trinta lhe chegava, e o marasmo de sua vida inútil lhe assustava. Era um terço de uma vida para quem desejava ultrapassar os noventa, e até ali suas escolhas haviam sido erradas, afinal, em sua testa via escrito fracasso cada vez que se refletia no espelho...

Era uma terça-feira de calor insuportável, dezembro transformava a metrópole num verdadeiro inferno. Quinze pra três da tarde, e ele caminhava apressadamente pelas ruas do centro. Era o último dia de depositar os valores do aluguel. Isto o chateava. Sua vida não existia, ele apenas contava regressivamente a chegada de sei fim. Depois disso, nada que marcasse sua existência seria legado à humanidade. Mario não queria apenas morrer, partir sem deixar qualquer rastro, mas isto não lhe era possível... Sem dinheiro, não a imortalidade, não há grande feitos, e ele teria de se contentar com a burocracia do escritório administrativo, e ao final do mês receber uma gratificação que lhe permitisse sobreviver.

Era Mario um sujeito metido a filósofo. Mesmo que ninguém o visse assim, ele elaborava teorias solitárias. Para ele a grande parte da humanidade apenas sobrevive. Passa trinta dias aguardando outros trinta, sempre iguais... Viver ao contrário, era algo mais complexo, implicava em felicidade, alegrias, e para isto, Mário era taxativo, apenas o dinheiro proporcionava. Uma vida sem pensar em contas, poder ir e vir para o lugar desejado, divertir-se... Tudo isto lhe custava caro.

Quando ele entrou no Banco faltavam cinco minutos para o fechamento da agência. Estavam todos lá. Marcílio, o guarda, o Gerente Vicenzo, e lógico uma fila de clientes. Mário suava. De seu rosto envelhecido pingos d’água escorriam até sua blusa. O guarda cumprimentou-o, como sempre, afinal era um cliente assíduo. Nunca de grandes valores, mas de pequenas quantias, sacadas e depositadas quase que diariamente. Mário foi então ao seu encontro, como se fosse cumprimentar-lhe. Mas não o fez, ao contrário, sacou uma arma de dentro da pasta e mirou na cabeça do guarda. Ele levantou as mãos, e Mário lhe retirou a arma. Depois jogou a pistola de brinquedo no chão, e anunciou o assalto com o 38 do próprio guarda em mãos.

Gritos, tentativas de correria, e o homem resoluto do que faria disparou para o alto. Foi até o gerente e lhe exigiu a chave do cofre. Era dia de pagamento de aposentados, ele sabia que havia volume em seu interior. O gerente tentou despistá-lo, mas o homem decidido mirou num dos homens atirado ao chão e acertou-lhe a cabeça. – Não estou brincando! Bradou firmemente.


O gerente começou a recolher o dinheiro com a pistola sobre sua cabeça. O saco ia se avolumando. Mário já cogitava tirar umas férias. As sirenes se aproximavam, e quando ele deu o assalto por finalizado, e estava satisfeito com a quantia arrecadada se retirou da agência, com gerente engravatado por seus braços firmes, e sempre na mira do revólver.

Tudo havia sido planejado por Mário. O assalto, a saída com o refém, á fuga no primeiro carro que lhe surgisse, até mesmo uma possível perseguição, estava cogitada. Porém Mário não era ladrão. Nunca foi. Até mesmo para ser bandido se carece de experiência, de vocação. Um homem pacato como ele jamais calcularia todas as variantes de uma ação criminosa.

O tempo para ele parecia muito rápido. Mas não tão rápido que não permitisse a posição dos atiradores de elite. Foi de um deles que partiu a bala certeira, que lhe atravessou a cabeça. Os seus dedos pesados pela chegada da morte chegaram a disparar o gatilho, mas atingiram o gerente de raspão. Mário caiu morto, manchando a calçada de vermelha, pelo seu sangue em poças que deslizava até o primeiro bueiro que encontrou. Não sei qual era o desejo de Mário naquela tarde confusa e trágica. Talvez fosse apenas o dinheiro, talvez fosse encontrar a morte, e a falta de coragem nunca lhe permitiu fazer isto com as próprias mãos. Apenas sei que ele não chegará aos desejados noventa anos. Abreviou em dois terços, sua vontade de viver, e o máximo que conseguiu de reconhecimento foi seu nome em pequenas reportagens na página policial, que davam conta da tentativa de assalto frustrada. Até mesmo ao ganhar seu minuto de fama, Mário, apresentou-se como um fracassado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário