quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Numa noite de Sexta-feira Santa
A paisagem do caminho é uma mistura de sentimentos. Assim como o medo e a adrenalina pela aventura se misturam, a aridez de campos secos mistura-se a pequenos bosques e vegetação de arbustos, graças a campos abandonados. Pouca gente vive por aquelas bandas. Há mais pinheiros pelo caminho, que boas almas a viver da agropecuária. E quando encontramos algum ser vivo, seus olhos são cabisbaixos e tristes. Na face carregam os sinais dos tempos. Não há gente jovem por lá. Foram todos embora.
Para chegar ao nosso destino, ainda passamos por um vilarejo e comemos poeira na estrada mal conservada. O capim e os galhos avançam pelo caminho dos que tem coragem de trafegar em lugares tão abandonados. Sabemos quando chegamos, quando entre aroeiras, vassouras brancas e vermelhas, uma massa de concreto corta o ar. Aí basta entrar num acesso escondido pelo capim à esquerda, e descermos lentamente até as margens do arroio.
A areia parece até ser de praia. Mas não há ondas. A água é dum tom verde-esmeralda e o leito do pequeno riacho tem corredeiras arredias e pedras espalhadas por todos os cantos. As margens são rodeadas por vegetação nativa. Corticeiras vivem por toda sua extensão. Há uns doze metros de altura fica a ponte de concreto, ligando dois pontos no meio do nada. Apenas ela é mais imponente que as árvores. Era neste lugar que por causa da minha indefinição passei uma noite alucinante de sexta-feira santa.
Bem, eu sou um desses sujeitos que faz tudo, e está presente em tudo. Não sei se me compreendem, mas há em meu íntimo um botão instalado que me impede de dizer não. É como se esta palavra não existisse em meu vocabulário. Acreditem, passei alguns apertos por causa disso. – Vamos pescar hoje? – Mas hoje é... – capaz isto é besteira dos mais velhos. – Mas... – Está bem vamos! E foi assim que entrei numa fria
Sexta-feira santa não punha mais medo nas pessoas. Principalmente nos jovens. Tem até os que fazem festa, vão a bailes. Cruz credo. Isto não ocorria nos tempos de meu pai. Talvez pescar não fosse maior pecado que pescar, e assim pela incapacidade de dizer não, e pela inocência de um jovem, parti naquele fusca. Éramos cinco. Mal tinha espaço para os apetrechos necessários para acamparmos. Na partida minha mãe, ainda tentou demover-me da empreitada. Mas era tarde. Não podia dizer não entre os outros guris.
Distraído por meus próprios medos, quando dei por mim estava cercado por aquela paisagem deserta. As árvores dançavam com o vento leve que se precipitava. Não gosto de mato. Mas estava no meio de um. Olhava para a ponte. Para ás árvores. Tinha sempre a impressão que algo desagradável surgiria da mata. Seus sons, suas sombras tudo me irritava. Mas me mantinha em silêncio. Já havia sido rotulado como medroso da turma, e queria desfazer aquela impressão.
Juntamos lenha para preparar uma fogueira. Com a tarrafa pegamos as iscas. Pobres lambaris. Até que davam uma boa fritada, mas para nós serviam apenas para habitarem nossos anzóis de aço. Largamos as linhas na água. Botamos as redes. A bóias-loucas. Estava tudo preparado, e quando a noite caía sobre nós, o fogo estava alto e o arroz e a lingüiça ferviam na panela de ferro. Bebíamos e contávamos piadas aguardando o jantar.
Dentre os cinco quatro já estavam embriagados antes das dez. Eu, o que menos bebia ainda conseguia discernir melhor. Tentei alertar que o vento aumentava, e que a lua cheia que por um momento iluminara nossas almas fora encoberta por nuvens negras e pesadas. Ao longe trovões podiam ser ouvidos, e não demorou para que uma chuva torrencial caísse sobre nós.
Neste momento ainda estava calmo. Exilados em nossas barracas de lona preta, eu era o único ainda acordado. Relaxava aos sons dos pingos estalando no plástico. Não há som mais calmante que esse. Um atrás do outro, como se regessem uma sinfonia. Fechava os olhos e fabricava imagens alegres. Então a noite começou a mudar de rumos.
Um ronco de motor se aproximava. “Quem Diabos, anda numa noite dessas por este lugar?” Indaguei mentalmente. Tentei acordar meus companheiros. – É só alguém indo pra casa. Disse um deles, e voltou a dormir. O ronco estava mais próximo. Era um ronco agudo. Forte. Andava lento. De repente, quando o ouvi próximo a ponte, o motor silenciou. Arrastei-me pela barraca, e pela fresta pude ver o vulto sobre a ponte.
Estava escuro e a chuva embaçava a minha visão. Mas jamais esqueci a silueta forte do homem sobre a moto, e o farol que mirava sobre nós e ofuscava meus olhos. Senti medo. Muito medo. Sabe quando uma presença te causa terror. Assim ocorria comigo. O motoqueiro nada fez, mas apenas sua presença me afligia. Seu repouso sobre a ponte nos mirando sua paciência e sua omissão com os fatos que sucederam sua chegada me atormentam.
Os pesadelos daquela noite me acompanham a cada noite, que relembro o fedor pútrido que invadiu minhas narinas. Era como se queimassem mil chifres de gado na beira daquele riacho. Ainda ofuscado pela lanterna da motocicleta, apenas ouvia o quebrar das águas contra as pedras. Elas serpenteavam as curvas de seu leito mais veloz que o habitual. Era uma enxurrada. Um manto de morte feito por água e peixes carnívoros que desciam rio abaixo. Vi alguns desses animais se regozijando com as carnes de meus amigos.
Quando as águas me sugaram para seu interior vi meus olhos serem cegados pelas águas escuras. Girava como as hélices de um navio num verdadeiro redemoinho. Era como se estivesse dentro de uma máquina de lavar roupas. Troncos e galhos tiravam raspão, arranhando meu corpo e distribuindo meu sangue. Sangue este que alertava o estranho cardume. Não tinha relatos de peixes carnívoros na região, mas naquela noite eu os pude ver. Eram enormes. Anormais. Seus olhos luminosos cor de fogo transformavam a solidão do mundo submerso do riacho numa grande metrópole com suas lâmpadas acesas.
Quando uma boca com dentes mais afiados que navalha penetrou minhas carnes, gritei medonhamente. A água invadiu minha boca e meus pulmões, silenciando a minha expressão de dor. Não podia mais gritar, e as mordidas aconteciam sucessivamente. Mentalmente orei um Pai Nosso, pois apenas a providência divina poderia salvar-me. Pedi perdão por meus pecados, e jurei nunca mais desrespeitar a sexta-feira santa. Minha mãe sempre dizia que neste dia “o bicho ruim” andava solto. Lembrei de suas palavras, e adormeci sem mais nenhuma consciência, e com vela da vida deixando de queimar seu pavio em minha alma.
Quando acordei já estava nesta cadeira de rodas. Sem minhas pernas. Sem um dos meus braços. Meu rosto está desfigurado, um dos olhos não existe mais. Apenas as lembranças daquela noite continuam perfeitas.
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Mais um conto de natal
Natanael, pouco entende da data que se aproxima. Já Benjamim, de cinco anos, toda tarde chega para abraçar-lhe, e contar do pedido depositado num pequeno pinheiro improvisado por Judith. Ele abraça o filho, diz poucas palavras, e vai ao banheiro. É lá que gosta de pensar. Refletir. É na solidão entre aquelas pequenas paredes, que o envolvem, que ele toma muitas de suas decisões.
Marcondes liga o chuveiro, e a água morna começa a escorrer lentamente sobre sua pele tostada pelo sol, de um dia inteiro. Infrutífero por sinal. As vendas não iam bem, e ele dependia de suas comissões. Uma ou outra prestação, água, luz, farmácia... Não havia fórmula mágica para os números que são acompanhados por cifras.
No caminho, ele passara por tantas vitrines. Vermelhas. Enfeitadas. Coloridas. Na tevê a mesma coisa. Propaganda. Muita propaganda. E enfim o bom e velho papai-noel se tornara alguém muito famoso, e de muitas faces, e empregado em diversas lojas. “Devem ser clonados, ou são fabricados em larga escala!” Pensava Marcondes, enquanto pressionava ao máximo o vidro de xampu quase vazio.
Como a água cada vez mais quente estava sua cabeça. Ele não queria falhar. Mas sua impotência o castigava. Ele calculava de um lado, puxava números de outro, somava aqui, subtraia ali, mas não chegava a um denominador comum. De forma alguma papai-noel conseguiria entregar ao jovem Benjamim seu Auto Posto, desejado há três natais no mínimo. “Não... Não posso adiar mais uma vez...”
Marcondes sabia que entraria como uma navalha a cara de frustração. De descrédito de seu rebento. Crianças apenas desejam. Sem maldade. Benjamim, talvez logo esquecesse, talvez até mesmo compreendesse, mas Marcondes sabia, e isto era o suficiente para atormentá-lo.
A toalha ríspida lavada sem amaciante passava pelo corpo do pai, quase em desespero por ver sua impossibilidade em atender o desejo de um filho. Vestiu um calção velho, e a camiseta lacrimejando. Estava prestes a chorar. Porém, não podia ver seu garoto esperar por uma visita que jamais chegaria no dia vinte e quatro.
O garoto assistia televisão. Ironicamente a propaganda mostrava o tão desejado brinquedo. Os olhos do menino brilhavam. É o que acontece quando desejamos algo tão profundamente. Nossos olhos brilham. Mas os olhos de Marcondes não brilhavam mais. Estavam profundos e vazios. Caminhando a passos lentos, pegou sobre a pia uma pequena faca. Empunhou firme, descascando de forma firme e raivosa o pêssego que estava noutra mão. Foi até o quarto e sentou-se ao lado do garoto.
A faca machucava a carne da fruta como se Marcondes quisesse machucar sua própria carne. Era uma decisão que não teria mais volta. Talvez Benjamim jamais o perdoasse. Jamais o entendesse. Mas o desesperado pai estava desesperado. E algo iria morrer definitivamente naquele dia.
Marcondes aproximou-se do jovem, e com o braço esquerdo o envolveu em seu colo. – Chega mais perto do pai, meu filho! O menino então olhou-o no fundo dos olhos como se previsse que algo aconteceria. Ficou em silêncio aguardando que seu pai continuasse a fazer o que estava decidido fazer. O menino viu uma lágrima escorrer, e os lábios de seu pai tremerem até que balbuciantes e chocantes palavras foram pronunciadas: - Meu filho, Papai-Noel não existe!
Com aquelas palavras, naquele dia uma crença morreu. Benjamim deixou a acreditar no natal.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Os 7 maiores detetives da literatura mundial
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Do centro até os sítios onde moravam, pouco mais de seis quilômetros, e mesmo bêbados eles voltavam a pé para casa. Cleiton abriu seu telefone celular e verificou que já passava das cinco. Eduardo parou sobre o acostamento, abriu seu zíper e pôs-se a urinar toda a cerveja que bebera na festa. Os outros dois o seguiram, e enquanto encharcavam o solo com o líquido ácido e quente que saia de seus pênis, cantarolavam aos gritos uma canção desafinada. Nem mesmos os dois olhos de luzes que despontava antes da curva inibiram o grupo, e quando o carro passou por eles, se viraram para a estrada apontando seus membros em direção do veículo. O carro passou sem percebê-los.
O trio, mais alegre que o de costume, seguiu seu caminho. Com os pés cansados, tiraram os sapatos, e caminhavam sentindo o sereno da primavera. A cantoria continuava. Apenas a canção se alterou, e logo no início de uma curva que abria as cortinas para o cemitério municipal, ao invés das baladas populares começaram a entoar a ave-maria e o pai nosso. Cleosvaldo, o vigia, escondeu-se atrás dos muros jogando-lhe pedras, mas o álcool impedia que os amigos temessem ate mesmo os mortos. Estavam na metade do caminho para casa.
A propriedade dos pais de Jeferson era um pouco antes da dos irmãos Eduardo e Cleiton. – É to quase chegando! Disse Jeferson de forma atrapalhada e gaguejante. Antes da porteira que dava acesso para o sítio, cruzaram pelo milharal. Era um atalho. As espigas estavam verdes. Tenras e doces. – Ajuda a diminuir o álcool no sangue. Dizia Eduardo ao desfolhar e devorar uma espiga inteira enquanto cruzava pela plantação.
- Não sei por que, mas detesto milharal. Disse Jeferson.
- É parece que tem sempre alguém nos espionando. Respondeu cleiton.
- Essas folhas, se roçando... Chega até mesmo dar arrepios. E você, Duda? Duda? Duda...
Eduardo não respondeu a nenhum deles. – Deixa de ser idiota moleque. Pensa que vai nos assustar. Os dois seguiram pelo milharal. Um vento que começou a soprar mais forte dava a impressão que dezenas de pessoas circulavam pela plantação. – O idiota do Duda, pensou que ia nos assustar... Não é Cleiton? Cleiton? Cleiton...
Cleiton também havia desparecido? Ou seria apenas uma brincadeira de mau gosto. Jeferson bem conhecia os dois, e preferiu continuar caminhando no mesmo passo, do que servir de piada no dia seguinte. “Droga de plantação! Parece que tem sempre alguém nos seguindo!” murmurava em vos baixa. Seus olhos estalados olhavam em todas direções, pois queria estar prevenido quanto alguma aparição abrupta de seus amigos. Não queria deixar-se levar pelo susto. Com as mãos abria caminho entre as folhagens da planta. O milharal estava quase vencido.
Mas ele não conseguia observar a tudo, e tropeçou em algo. Na verdade foi levado a tropeçar, pois antes de seu corpo se espatifar no chão, percebeu que uma espécie de laço, com três pesos nas pontas o desequilibrara. Nem bem caiu uma rede caiu sobre seu corpo, lhe causando pequenos choques elétricos. Com os olhos enfumaçados, e a consciência lhe fugindo sentiu seu corpo sendo arrastado pela terra fofa.
Jeferson, mesmo com a visão turva movimentou sua cabeça para tentar ver quem o havia capturado. Pode ver apenas um par de pés descalços. Não eram pés humanos. Eram pés enormes, esverdeados, e escamosos... Dos calcanhares duas grandes unhas encurvadas se assemelhavam com ferrões. Aquele par de pés levava seu dono - que devia ter mais de dois metros de altura, se a julgar pelo tamanho dos pés – a passos lentos e torturantes em direção de uma luz forte.
Jeferson voltou então a rezar, como fizera a pouco, quando cruzara pelo cemitério. Mas dessa vez o cântico estava afinado, e bem mais sincero. Porém talvez a brincadeira anterior tenha irritado ao poder celeste, e sua oração não foi ouvida.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
A ultima tarde de Mário
Era uma terça-feira de calor insuportável, dezembro transformava a metrópole num verdadeiro inferno. Quinze pra três da tarde, e ele caminhava apressadamente pelas ruas do centro. Era o último dia de depositar os valores do aluguel. Isto o chateava. Sua vida não existia, ele apenas contava regressivamente a chegada de sei fim. Depois disso, nada que marcasse sua existência seria legado à humanidade. Mario não queria apenas morrer, partir sem deixar qualquer rastro, mas isto não lhe era possível... Sem dinheiro, não a imortalidade, não há grande feitos, e ele teria de se contentar com a burocracia do escritório administrativo, e ao final do mês receber uma gratificação que lhe permitisse sobreviver.
Era Mario um sujeito metido a filósofo. Mesmo que ninguém o visse assim, ele elaborava teorias solitárias. Para ele a grande parte da humanidade apenas sobrevive. Passa trinta dias aguardando outros trinta, sempre iguais... Viver ao contrário, era algo mais complexo, implicava em felicidade, alegrias, e para isto, Mário era taxativo, apenas o dinheiro proporcionava. Uma vida sem pensar em contas, poder ir e vir para o lugar desejado, divertir-se... Tudo isto lhe custava caro.
Quando ele entrou no Banco faltavam cinco minutos para o fechamento da agência. Estavam todos lá. Marcílio, o guarda, o Gerente Vicenzo, e lógico uma fila de clientes. Mário suava. De seu rosto envelhecido pingos d’água escorriam até sua blusa. O guarda cumprimentou-o, como sempre, afinal era um cliente assíduo. Nunca de grandes valores, mas de pequenas quantias, sacadas e depositadas quase que diariamente. Mário foi então ao seu encontro, como se fosse cumprimentar-lhe. Mas não o fez, ao contrário, sacou uma arma de dentro da pasta e mirou na cabeça do guarda. Ele levantou as mãos, e Mário lhe retirou a arma. Depois jogou a pistola de brinquedo no chão, e anunciou o assalto com o 38 do próprio guarda em mãos.
Gritos, tentativas de correria, e o homem resoluto do que faria disparou para o alto. Foi até o gerente e lhe exigiu a chave do cofre. Era dia de pagamento de aposentados, ele sabia que havia volume em seu interior. O gerente tentou despistá-lo, mas o homem decidido mirou num dos homens atirado ao chão e acertou-lhe a cabeça. – Não estou brincando! Bradou firmemente.
O gerente começou a recolher o dinheiro com a pistola sobre sua cabeça. O saco ia se avolumando. Mário já cogitava tirar umas férias. As sirenes se aproximavam, e quando ele deu o assalto por finalizado, e estava satisfeito com a quantia arrecadada se retirou da agência, com gerente engravatado por seus braços firmes, e sempre na mira do revólver.
Tudo havia sido planejado por Mário. O assalto, a saída com o refém, á fuga no primeiro carro que lhe surgisse, até mesmo uma possível perseguição, estava cogitada. Porém Mário não era ladrão. Nunca foi. Até mesmo para ser bandido se carece de experiência, de vocação. Um homem pacato como ele jamais calcularia todas as variantes de uma ação criminosa.
O tempo para ele parecia muito rápido. Mas não tão rápido que não permitisse a posição dos atiradores de elite. Foi de um deles que partiu a bala certeira, que lhe atravessou a cabeça. Os seus dedos pesados pela chegada da morte chegaram a disparar o gatilho, mas atingiram o gerente de raspão. Mário caiu morto, manchando a calçada de vermelha, pelo seu sangue em poças que deslizava até o primeiro bueiro que encontrou. Não sei qual era o desejo de Mário naquela tarde confusa e trágica. Talvez fosse apenas o dinheiro, talvez fosse encontrar a morte, e a falta de coragem nunca lhe permitiu fazer isto com as próprias mãos. Apenas sei que ele não chegará aos desejados noventa anos. Abreviou em dois terços, sua vontade de viver, e o máximo que conseguiu de reconhecimento foi seu nome em pequenas reportagens na página policial, que davam conta da tentativa de assalto frustrada. Até mesmo ao ganhar seu minuto de fama, Mário, apresentou-se como um fracassado.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
NATÉRCIO, O LOBISOMEM CONTRARIADO
Jogavam sinuca, falavam de mulheres, e bebiam... - A última, Joelmir. Disse Natércio, homem que todos tinham por lobisomem. O assunto lhe era desagradável, e Oliveira, o mais pândego entre eles resolveu "cutucar a onça com vara curta". Nesse caso mais propriamente o lobo.
Na verdade nunca se confirmara a hipótese. Ninguém vira a metamorfose, nenhuma testemunha, apenas algumas cabras, e ovelhas dilaceradas pelso sítios vizinhos. Fatos que geraram os boatos, que recaíram sobre Natércio, um homem passado dos cinquenta, meio mulambento, com a barba sempre por fazer, pêlos espalhados por todo o corpo, inclusive nas orelhas. A associação com a fera era inevitável.
- Pois é Ariovaldo, ainda bem que o tempo tá ruim, pois se a lua cheia tivesse clara, eu que não ficaria perto do Natércio. Disse Oliveira. Ariovaldo riu, e Joelmir entrou na conversa. - Qual é o sabor da carne da cabrito, crua, heim Natércio. O homem cerrou o olhar e frangiu as sombrancelhas. - É melhor vocês pararem com este assunto. Disse.
Porém a cachaça e a cerveja normalmente embalam o humor, e els seguiram com a conversa. - Não tem problema, rapaz, pode confessar pros amigos. Mas antes de tu matar os bichinhos? Insinuava um. - Pobre das crianças, basta o companheiro chegar perto que não resta um piá nas ruas. Lembrava outro.
Distraídos na brincadeira, os três não perceberam que Natércio estava vermelho. De raiva certamente. A cerveja já lhe orientava, a o caçoar de seus amigos lhe parecia provocação. Humilhação... - Por favor, me respeitem. Bradou numa última tentativa. Em vão, continuaram com as palavras ostensivas, contra Natércio, o lobisomem.
Então ele empunhou um dos tacos de sinuca de forma firme e obstinada. Suas mãos calejadas não o soltava por nada, e partiu contra cada um de seus amigos. No dia seguinte, quando Adair Correa foi até o bar comprar pão adormecido, encontrou um cenário macabro. Três corpos mutilados tinham seus membros espalhados pelo salão do bar. - Meu Deus! O lobisomem atacou ontem à noite! Disse espantado.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Baratas Assassinas
Ela pensava estar sonhando. Auquela gélida água lhe tocar, e o som dos motores sendo interrompidos pela queda de energia. A luz apagada revelando o lado sombrio do ambiente, pois nenhuma luminosidade penetrava no pequeno ambiente, já que a noite avançava no lado de fora...
No entanto para Bianca, apenas um sonho regado a música pop que tocava em seu Ipod. Havia sido um dia difícil de provas na faculdade, e atirada ao descanso merecido, as sutis patas que tilitavam ao tocar o piso cerâmico não foram percebidas... Mas eram centenas, milhares...
O chão branco, de uma higiene impecavél era tomada pelos insetos vorazes que emergiam dos ralos putridos do esgoto da metrópole. Baratas, gigantes, por sinal em comparação ao seu tamanho habitual. No entanto, para o azar da jovem distraída era a fome irracional que se abatia sobre asquerosos seres vivos, que formavam pilhas uma sobre as outras para avançar verticalmente pela banheira.
Algumas morreram afogadas em sacríficios pelo bando, que logo alcançou a saborosa e tenra carne de Bianca. Seus dentes minúsculos, se constituía em feroz e atroz navalha, rasgando a pureza e a vida de Bianca, que em vão tentou gritar por socorro, mas logo foi calada, e suas cordas vocais rasgadas pelos monstruosos animais.
Quando sua Mãe Lucia adentrou no banheiro após seu pai arrombar a porta com chutes, a jovem havia desaperecido, e nem mesmos de seus ossos havia restado vestígios. A baratas haviam roído cada célula daquela moça. A banheira estava vazia, sem Bianca, e apenas com uma ou duas gotas de sangue...
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
Um twitter pra lá de estranho.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Motel Viena
A morena de seios fartos e lábios carnudos pensava na cumplicidade de seu esposo. Há poucos homens como Jorge. Abertos a novas experiências, modernos... Era a imagem que ela compunha de seu companheiro de mais de dez anos, quando a energia caiu. A escuridão plena se apossou da suíte, e ela não podia avistar um palmo a sua frente. O trio que admirava com carinho foi encoberto por um manto negro. A hidromassagem desligou-se automaticamente. A água passava a lhe gelar o corpo eriçando cada pêlo existente em sua epiderme. Ela tinha que sair dali. Chamou pelo nome de Jorge um, duas, três vezes... Ele não respondeu. Devia estar em sono profundo. Resolveu chamar por Ricardo, e depois por Mariana, mas ninguém lhe atendeu. “Droga! Nem fizemos tanto sexo assim para ficarem imprestáveis...” Praguejou ela mentalmente.
Com a água cada vez mais fria, tateou pela toalha. Macia. De algodão, e enrolou em seu corpo. De pé, fechou os olhos buscando lembrar mentalmente a disposição dos móveis. Aquele motel lhe era um lugar estranho, e ela não queria bater suas pernas frágeis contra qualquer obstáculo. À direita recordou-se estar uma mesa com tampo de vidro onde ela e Mariana jogaram suas bolsas enquanto beijavam-se calorosamente. Só a lembrança dos dedos atrevidos da estagiária entre suas pernas lhe excitava. Queria chegar até a cama redonda, e acordar qualquer que fosse que estivesse a fim de saciá-la novamente.
Enquanto caminhava passo por passo sobre o piso gelado, já que não encontrara as pantufas, lembrava-se da tarde daquela sexta na empresa, e do impulso de Jorge em lhe propor um encontro a quatro. “Safadinho. Provavelmente havia combinado tudo com esta vadia. Ele conhece cada um na fábrica, e macacos me mordam que ele não sabia que não sabia que a estagiária andava se refestelando com o entregador pelos cantos. O flagra foi apenas um modo de me convencer a esta loucura... De qualquer forma esta valendo a pena...”
Distraída pelos pensamentos Claudia sentiu suas panturrilhas tocarem algo macio e fofo. Era o sofá, e este estava à esquerda, o que lhe indicava centralizar mais seus passos, que a cada incursão de seus pés encontravam uma peça de roupa perdida pelo chão. Persistente a calma, guiada apenas por seu instinto em meio a tanta escuridão ela finalmente chegou até a moldura da cama redonda.
Como uma gata, ela foi se aninhando entre os corpos. Eles estavam inertes, e não notavam a presença daquela mulher que desejava mais prazer. Ela roçava seu corpo, novamente nu em seus corpos. Estranhamente ela percebeu que estavam úmidos. Mas não lhe parecia um líquido comum. Era algo viscoso, e ela não podia definir o que era em meio a tanta escuridão. Seu coração começava a se agitar e suas batidas era o único som a ouvir naquele momento. Voltou a chamar um por um... Sua voz estava embargada pela preocupação daquele silêncio melancólico. Cutucou um deles. Não podia precisar qual. Com a força impregnada por suas mãos ansiosas o corpo deixou a inércia de lado pendendo para o lado direito da cama, sem responder-lhe com qualquer ação.
A aflição dera lugar ao medo no coração de Claudia. Um por um tentou acordar, e a única coisa que conseguia tatear era o líquido viscoso que os cobria. No centro das trevas ela gritou... Chorou... Não via nada. Apenas seu tato dava-lhe indícios que algo de errado acontecia. Não conseguiu estancar o choro convulsivo e solitário. Ela não sabia o que fazer. Sentou-se, e com os joelhos dobrados abraçou suas pernas numa posição que ficava quando ainda adolescente sua falecida mãe lhe punha de castigo.
De repente um chiado quebrou o silêncio monótono. Ela olho para os lados. Não via nada. Mas o som estava a cada segundo mais nítido. Até que então uma canção podia ser escutada. “Sunday bloody Sunday” dizia o refrão vindo do pequeno rádio relógio sobre o bidê. Seus números digitais de um tom alaranjado como as chamas do inferno estavam travados, e marcavam 00:10. “Como funciona, se não há luz? Que dia mesmo é hoje? Sábado... Hum! Mas deve ser quase meia noite...” O volume começou então a reduzir, e ao passo que este diminuía, o marcador movimentava seus números de forma decrescente até marcar 00:00.
No exato momento em que zerou o marcador digital a energia retornou ao quarto. A luz como as trevas é rápida e ágil, e por um instante cegou Claudia. Quando suas pálpebras sentiram-se confiantes para descerrar a cortina daquele cenário, se abriram vagarosamente. Claudia temia o que iria enxergar. E quando seus olhos finalmente lhe permitiam ver, ela queria voltar a cegueira que até instantes lhe deixava alheia ao cenário macabro daquele quarto de motel.
Sobre a cama três corpos decapitados, e esfaqueados às dezenas inundavam de vermelho os brancos lençóis de cetim. Claudia permanecia imóvel. Seus olhos vidrados miravam distante, como se sua alma viajasse para muito longe. Nem mesmo a maquiavélica faca de açougueiro jogada ao chão lhe chamava a atenção. Seu desejo era de negação. Não queria crer no que seus olhos não podiam mentir. Estavam todos mortos. Apenas ela ainda vivia.
Claudia finalmente encontrou uma solução. Na verdade a única que lhe viera ao pensamento. Levantou-se da cama e caminhou como um zumbi sem vida até a porta que dava acesso a garagem. Abriu-a e viu o carro de Jorge. Abriu a porta e recostou-se no banco. Olhou a chave na ignição e uma alternativa lhe surgiu. “Não. Não acreditarão em mim...”
Claudia sempre fora conhecida por ser uma mulher decidida. E naquela madrugada de domingo ela sabia o que fazer. Já havia tomado a decisão ao levantar-se da cama encharcada de sangue. Abriu o porta-luvas. Jorge sempre guardava a pistola naquele lugar. Ela a empunhou com firmeza, e sem titubear um único segundo, apertou o gatilho, e a bala ardente abriu-lhe um rombo no crânio. Os vidros com sangue respingado por toda a parte compuseram a ultima parte do cenário triste embalado pela música que voltava a tocar dentro da suíte...
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
IML 0666
Depois de muito planejamento, e com o dinheiro em punhos saiu da concessionária dirigindo seu carro, saboreando o cheiro de plástico dos bancos ainda intocados, ouvindo o som do motor ainda um tanto bruto, solicitando ser amaciado por pés firmes. Chegou em casa e na primeira noite o admirava de hora em hora.
No dia seguinte o operário foi até o centro de registros. Afinal, seu novo bem precisava de uma carteira de identidade, e assim como seu erregê, o carro tinha que ter uma placa. E foi no balcão do órgão público que seu sonho começou a tornar-se um pesadelo. – IML 0666, Senhor. – O quê? – Sua placa Senhor, IML O666. Disse o servidor.
Nada além dos carros do rabecão acostumados a carregarem defuntos veio ao pensamento de Claudio. “Instituto Médico Legal. Que Merda!” Pensou ele. – Posso trocar? – Pode senhor, serão mais setecentos reais em taxas. – Como? O senhor pode escolher a placa. A taxa é setecentos reais, senhor! – Mas não tenho esse dinheiro. Não da pra ti mesmo trocar? – Infelizmente, não posso fazer nada senhor, o sistema é automático. – Mas... Claudio tentou ponderar, mas contra o sistema, ninguém vence, pois ele é um inimigo invisível. Contrariado, saiu com o carro emplacado. “IML 0666. Que número mais desgraçado. Claudio, 666 não é o número do capeta?” Conversava consigo mesmo.
Contrariado entrou na rodovia que levaria até sua casa, indignado com a placa do veículo, e contra o servidor que o atendera. “Filho da mãe...” E tantos outros palavrões emanavam de sua mente que a única imagem que lhe vinha era o debate no centro de registro, e o sorriso sádico do atendente que lhe informara a placa.
Claudio formava teorias conspiratórias. “Ele sabia... Fez para me irritar... Filho da mãe... Aqueles olhos cintilantes me olhando, negros como a piada que me dizia... Aquele sorriso largo de alegria em ver alguém assustado... aquele cavanhaque ridículo... filho da mãe...”
Absorto na imagem sarcástica do homem Claudio não percebeu a carreta cada vez mais próxima, tampouco ouviu a buzina estridente, e nem o grunhindo dos pneus, e mergulhou para a morte, ficando seu corpo entre os ferros daquilo que um dia fora seu grande sonho. Se seus olhos arregalados, petrificados pelo horror da morte, se revelassem a última imagem de sua vida, lá estaria aquele homem... Sorrindo...
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
A batalha de Akbar Mastich
Há dois dias ele se desprendera na jornada. Quando finalmente chegou à grande parede feita de rochas impenetraveis teve de escalar o terreno íngreme através da Escadaria Mor, que o levaria até o bacal de uma caverna que dava acesso aos túneis negros. Quatro dias e quatro noites foram necessárias para que o velho chegasse a um quarto do paredão, onde a entrada secreta o aguardava.
Conhcedor dos perigos nos túneis negros caminhava em silêncio, sem que qualquer luz fosse acessa. Em certos pontos tinha de gatinhar, arrastar-se, mergulhado em intensa treva. Ao fim do primeiro dia sob plena escuridão a grande batalha ocorreu.
Em um dos saguões mais amplos dos túneis enquanto aproveitava para alimentar-se com folhas de Guabirova, o velho sentiu o solo pedregoso oscilar. Algo tremendamente mosntruose se aproximava. E naquele lugar nenhum habitante era amistoso, por isso Akbar tentou esconder-se. Em vão, Jagua - Tê, o último da raça dos Teju havia sentido seu cheiro. Nas cavernas não há alimentos e sem ter acesso as frutas e ao mel, comida predileta de Jagua - Tê, desde que fora expulso da floresta, o monstro acostumou-se ao sabor da carne. Há dias ele não se alimentava, e quando seu olfato sentiu a presença do velho, mesmo sabendo que sua carne não era saborosa, decidiu comê-lo.
Quando das sombras o velho Akbar viu surgir uma silueta enorme vindo em sua direção, viu-se obrigado em acender seu lampião de emergência, revelando a ele o Teju. O monstro tinha o corpo de lagarto com quase cinco metros de comprimento de onde sete cabeças de cão mostravam seus dentes cerrados. O velho pôs-se a correr entre os túneis sendo seguido pelo monstro que se arrastava com agilidade entre os túneis.
Astuto, Akbar corria até encontrar um túnel mais estreito onde o mosntro não pudesse segui-lo. No entanto tropeçou em uma pedra, estatelando-se no chão. Quando pensou em reerguer-se, o monstro estava sobre ele, com suas cabeças famintas expelindo uma baba fedorenta.
Mas a velhice também não tirara de Mastich a agilidade, e cada vez que uma das cabeças dava o bote tentando abocanhá-lo, o velho driblava como maestria. Mesma maestria usada para sacar sua adaga de lâmina cortante, com a qual rasgou cabeça a cabeça do monstro, única forma de matá-lo.
A batalha nas cavernas roubara tempo do velho. Foi uma luta de quase vinte e quatro horas, e ele não teve mais tempo para descansar, correndo contra o tempo, e no décimo primeiro dia de sua jornada finalmente chegou exausto ao seu destino: A velha ponte no Cânion tapesh.
Quando o jovem Alexander despertou com sonolência, ficou impressionado com o volume de ação em seu sonho. Pensou em até mesmo rabiscar algo em seu caderno, idéia abandonada antes mesmo de regressar do banheiro, com rosto lavado e dentes escovados. A imagem da velha ponte se perdera de seus pensamentos antes mesmo que o dia chegasse em sua metade. "Afinal, foi só um sonho, nada mais!"
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Os esquecidos - Canibais
Meu destino é a estação rodoviária. Por alguns segundos fico na dúvida, sigo pela Voluntários até o viaduto, ou vou pela Garibaldi, trajeto mais simples. Decido fugir dos mendigos, e das prostitutas que decoram a Garibaldi, e sigo pela voluntários, atravessando de forma destemperada seu trânsito de fluxo contínuo e veloz. Quero evitar um trecho mais longo até a faixa de segurança, e logo estou do outro lado, que me dá acesso às calçadas sob o viaduto. O céu está azul, mas o odor de urina é insuportável, e sozinho naquele caminho percebo que ele não é muito utilizado.
Olho para o asfalto quente, e carros passam sem notar minha presença, só acompanhada pelos olhos de uma gente que sequer podem assim ser denominadas. Seus corpos são cobertos por uma pele suja, cheia de cicatrizes, vestindo maltrapilhos, que só por sua imundície são capazes de causar uma infecção. Moram ali imagino. E não são poucos, que me miram com seus olhos esbugalhados, e bocas cujos dentes se perderam, e os que restam estão amarelos, e podres. “Esquecidos”. Assim os denomino. Carros e pessoas que por ali passam, nãos os vêem, ou fingem... Mas alie estão. Famintos, farrapos, cenograficamente se assemelham a zumbis que vimos nos cinemas. Culpo-me por percebê-los. Antes tivesse tomado outro caminho.
Meus passos se tornam mais rápidos, e logo estou prestes a atravessar sobre o asfalto do viaduto. Os veículos vindos dos bairros da capital me ignoram. Afinal, não era para estar ali. Não qualquer sinal que permita minha travessia, mas eu insisto. Sinto apenas a dor do choque de minhas amolecidas carnes contra o duro e vil metal do coletivo que esfacela meu corpo em dezenas de pedaços. Então os “Esquecidos”, por alguma providência são lembrados, e minhas carnes agora jazem em seus dentes carcomidos pelas cáries. Por um instante a sociedade lembrou-se dos “Esquecidos”, frente à chocante cena que assistiam, mas logo esqueceriam, e os habitantes daquele viaduto voltariam à penumbra do anonimato.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
A terra de um homem só.
O ser alado, de feições doces e tão femininas, quanto as mais belas mulheres de fora da floresta encantou-se com o lugar, que lhe parecia tão calmo e amigável. Escadas de madeira elevavam-se até as copas dos fungos que serviam de base á sua arquitetura. Na copa maior, e mais próxima ao solo, um conjunto de chalés cujas telhas em formato de “A” quase tocavam o chão, e seguiam em fileira, culminando seu fim próximo ao caule, onde entre eles restava uma velha casa feita de pedras. Na copa intermediária uma igreja imponente se erguia, e abria caminho para a menor das três copas, onde um velho e pequeno castelo sem impunha sobre a comunidade, com um amplo jardim.
Laurian era o nome do ser que voava perdida pelo bosque. Sua estatura era mínima, mas mantinha a formosura e as curvas de uma mulher comum, e passaria despercebida, não fosse sua pequena estatura, e as asas que a permitiam voar. Desde jovem, quando ainda gozava de seu primeiro centenário, era curiosa. Por isso quis chegar ao estranho vilarejo, do qual jamais ouvira falar.
Resolveu descansar suas asas e pôs-se a caminhar sobre a maciez da copa dos cogumelos. As luzes estavam acesas, nas casas, na igreja, e em uma das torres do castelo, onde dois pontos luminosos podiam ser avistados. Porém não havia sequer um único habitante dali dispostos a enfiarem o nariz para fora da porta. Pelo menos foi o que pensou Laurian, num primeiro momento.
Sua idéia foi logo desfeita ao perceber um dos chalés com as portas abertas. Chamou pelos proprietários até cansar sua voz e não ser atendida. Vencida pela curiosidade invadiu a casa. Estava vazia, sem qualquer habitante. Mas estranhamente, estava organizada como se seus donos recentemente houvessem saídos de casa. Até mesmo a mesa posta para o jantar os aguardava. Foi quando resolveu sair antes que chegassem e a vissem bisbilhotando onde não fora chamada. Percebeu que todos os chalés se encontravam da mesma forma. Aguardando por seus donos.
Devem estar na Igreja. Pensou. Subiu pela escada, e pelas escadarias do templo, mas não ouviu uma oração sequer. Abriu as portas, e nada. Nem mesmo o padre estava lá. O odor do sereno misturado ao do mistério que envolvia aquele anoitecer a impulsionava ir mais adiante. O castelo. Só podiam estar ali. Onde teriam ido senão a um grande baile real.
Com as portas destrancadas, o castelo, que para Lauriam era imenso, construído em pequenas peças de tijolos mais parecia a uma fortaleza, que ao castelo de um rei. Surpreendentemente também estava vazio. Lembrou-se a jovem das luzes acesas, e subiu ao segundo andar, chegando a um corredor ladrilhado por mármores coloridos, e iluminados por grossas velas. Este corredor dava a um grande salão, que ao fundo ostentava um trono cravejado em ouro e prata, em que repousava um ser de aspecto envelhecido e raivoso. Não se podia ver um sorriso sequer nas feições daquele pequeno homem, cuja pele se compunha de um alaranjado capaz de passar uma estranha sensação de calor a nossa pequena Lauriam.
O Rei solitário não respondeu uma pergunta sequer da menina alada. Mantinha seu silêncio e seu rosto fechado. Espantando a curiosidade, e dando lugar ao medo a jovem virou seu corpo para a saída. Foi quando o homem fez seu único gesto, acionando um botão que desencadeou uma série de ações engenhosas, finalizando na prisão de Lauriam numa gaiola construída por pequenos galhos. A gaiola foi levada ao terceiro andar da torre, onde a jovem deveria aguardar por seu inglório destino.
Pedindo por socorro sem ser escutada, Lauriam sequer viu as lágrimas que corriam pela densa barba de seu algoz. Sentia remorso, pelos seus atos. E a visão doce daquela jovem, fazia brotar o resto de bons sentimentos que lhe restavam. Porém sabia o Rei que as águias noturnas eram intolerantes, e não aceitariam que ele quebrasse acordos. Precisava de proteção ao seu reino de um homem só. Reino que na verdade era uma grande armadilha apresentada a viajantes curiosos. Sempre fora apenas ele. Mais ninguém. Era sua vida que dependia daquilo, e or mais remorso que sentia naquela noite, Lauriam seguiria com o restante da carga destinada ao pagamento de seu contrato com as águias. Afinal sua existência solitária dependia da curiosidade dos viajantes da floresta.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
A nova sensação do terror lança o livro A caveira
O reino de um Rei só!
O ser alado, de feições doces e tão femininas, quanto as mais belas mulheres de fora da floresta encantou-se com o lugar, que lhe parecia tão calmo e amigável. Escadas de madeira elevavam-se até as copas dos fungos que serviam de base á sua arquitetura. Na copa maior, e mais próxima ao solo, um conjunto de chalés cujas telhas em formato de “A” quase tocavam o chão, e seguiam em fileira, culminando seu fim próximo ao caule, onde entre eles restava uma velha casa feita de pedras. Na copa intermediária uma igreja imponente se erguia, e abria caminho para a menor das três copas, onde um velho e pequeno castelo sem impunha sobre a comunidade, com um amplo jardim.
Laurian era o nome do ser que voava perdida pelo bosque. Sua estatura era mínima, mas mantinha a formosura e as curvas de uma mulher comum, e passaria despercebida, não fosse sua pequena estatura, e as asas que a permitiam voar. Desde jovem, quando ainda gozava de seu primeiro centenário, era curiosa. Por isso quis chegar ao estranho vilarejo, do qual jamais ouvira falar.
Resolveu descansar suas asas e pôs-se a caminhar sobre a maciez da copa dos cogumelos. As luzes estavam acesas, nas casas, na igreja, e em uma das torres do castelo, onde dois pontos luminosos podiam ser avistados. Porém não havia sequer um único habitante dali dispostos a enfiarem o nariz para fora da porta. Pelo menos foi o que pensou Laurian, num primeiro momento.
Sua idéia foi logo desfeita ao perceber um dos chalés com as portas abertas. Chamou pelos proprietários até cansar sua voz e não ser atendida. Vencida pela curiosidade invadiu a casa. Estava vazia, sem qualquer habitante. Mas estranhamente, estava organizada como se seus donos recentemente houvessem saídos de casa. Até mesmo a mesa posta para o jantar os aguardava. Foi quando resolveu sair antes que chegassem e a vissem bisbilhotando onde não fora chamada. Percebeu que todos os chalés se encontravam da mesma forma. Aguardando por seus donos.
Devem estar na Igreja. Pensou. Subiu pela escada, e pelas escadarias do templo, mas não ouviu uma oração sequer. Abriu as portas, e nada. Nem mesmo o padre estava lá. O odor do sereno misturado ao do mistério que envolvia aquele anoitecer a impulsionava ir mais adiante. O castelo. Só podiam estar ali. Onde teriam ido senão a um grande baile real.
Com as portas destrancadas, o castelo, que para Lauriam era imenso, construído em pequenas peças de tijolos mais parecia a uma fortaleza, que ao castelo de um rei. Surpreendentemente também estava vazio. Lembrou-se a jovem das luzes acesas, e subiu ao segundo andar, chegando a um corredor ladrilhado por mármores coloridos, e iluminados por grossas velas. Este corredor dava a um grande salão, que ao fundo ostentava um trono cravejado em ouro e prata, em que repousava um ser de aspecto envelhecido e raivoso. Não se podia ver um sorriso sequer nas feições daquele pequeno homem, cuja pele se compunha de um alaranjado capaz de passar uma estranha sensação de calor a nossa pequena Lauriam.
O Rei solitário não respondeu uma pergunta sequer da menina alada. Mantinha seu silêncio e seu rosto fechado. Espantando a curiosidade, e dando lugar ao medo a jovem virou seu corpo para a saída. Foi quando o homem fez seu único gesto, acionando um botão que desencadeou uma série de ações engenhosas, finalizando na prisão de Lauriam numa gaiola construída por pequenos galhos. A gaiola foi levada ao terceiro andar da torre, onde a jovem deveria aguardar por seu inglório destino.
Pedindo por socorro sem ser escutada, Lauriam sequer viu as lágrimas que corriam pela densa barba de seu algoz. Sentia remorso, pelos seus atos. E a visão doce daquela jovem, fazia brotar o resto de bons sentimentos que lhe restavam. Porém sabia o Rei que as águias noturnas eram intolerantes, e não aceitariam que ele quebrasse acordos. Precisava de proteção ao seu reino de um homem só. Reino que na verdade era uma grande armadilha apresentada a viajantes curiosos. Sempre fora apenas ele. Mais ninguém. Era sua vida que dependia daquilo, e or mais remorso que sentia naquela noite, Lauriam seguiria com o restante da carga destinada ao pagamento de seu contrato com as águias. Afinal sua existência solitária dependia da curiosidade dos viajantes da floresta.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
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sábado, 12 de setembro de 2009
O Contato
sábado, 29 de agosto de 2009
A moradia do montro!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Projeto de livro vaza na web
Nem mesmo os livros estão escapando das garras da web. "A Caveira" que deverá sair até o final deste ano, acabou tendo histórias que o compõe vazando na web, e ficando disponível para donwload inteiramente grátis par os internautas. O livro com 71 páginas reúne histórias arrepiantes, cujo terror se apresenta de forma renovada. No entanto no livro não encontra-se a obra que dá origem à capa. um verdadeiro mistério.
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
TEMPESTADE DAS ALMAS
Tinha eu, esta estranha predileção. Tempestades me fascinavam. A nossa impotência frente a tal força natural devia ser sempre analisada com carinho e ternura, e eu me dispendia a fazer tal, olhando de forma clínica, como se fosse um especialista a analisar suas formações.
O vento quente soprava do sul, nascente do temporal. As folhas levadas por sua insistência não encontravam obstáculos, e a poeira tradicional de minha cidade, carregada de calcário e cal, nos cobria como um manto poluente. Um ar úmido logo denunciava que os pingos da chuva não tardariam a cair, e os trovões mais intensos e os ráios flamejantes a cada minuto mais próximos interromperam minha contemplação.
Portas e janelas fechadas, o fim de tarde envolveu-se de um crepúsculo assustador. Os ráios em intervalos cada vez menores, e trovões capazes de estremecerem os alicerces de minha pequena moradia, enfim traziam-me medo. O vento sacudia as paredes, e minha doce esposa fazia suas orações pedindo o fim da tempestade que sequer começara.
Eu aguardava pela chuva. Minha mãe me ensinara que após seu início os ventos se acalmam. Mas nem sempre as mães estão corretas, e naquele dia os pingos grossos desciam na direção que os ventos lhes empurravam. Nunca ouvira tal som durante uma chuva. Pensei ser granizo. Mas por uma fresta na janela, percebi que não tratava-se de pedras de gelo.
A chuva incomum, produzia uma sonoridade que aos poucos trouxe frio ao meu coração, pois percebi que não tratava-se de uma tempestade comum. As telhas de fibrocimento são delicadas, e ao menor toque provocam um som característico. Em chuvas comuns, este som fazia-me relaxar, porém, naquele início de noite o pânico invadiu meu corpo.
O primeiro toque da gota à telha produzia o som normal que todos conhecem, porém de forma mais intensa. No entanto, em vez de silenciarem, cada gota que caía ganhava mais vida como se cada gota passasse a caminhar sobre as telhas. Era como se insetos pousassem sobre minha casa.
Quando a energia nos faltou, minha esposa soltou um grito de pavor. Não tinha velas em punho, e tive de socorrer-me com a iluminação do aparelho de telefone celular. Estranhei seu gesto, pois ela sempre se mostrou valente, mas depois de um segundo grito, e um silêncio absoluto, preocupei-me mais, e fui ao seu encontro no quarto.
A luz tênue me revelou seu corpo com espasmos, como sentisse alguma convulsão. Corri para socorrê-la, mas senti algo iniciar uma caminhada sobre meu corpo. Logo veio outro. Depois mais outro. Até me encontrar coberto por uma nuvem de insetos. No entanto, ao ponto que eles atingiram a altura de meu rosto vi que não tratava-se de inseto algum, e sim de seres estranhos, feitos de água, que caminhavam rumo aos orifícios que me proviam o ar, invadindo meu corpo, até que o estranho afogamento levasse minha vida. As chuvas normalmente alimentam-nos, e ao planeta, com sua dádiva da fertilidade, porém aquela era diferente, alimentava-se de nossas almas.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
A nuvem
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
A Companheira.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
A batalha dos miseráveis contra os que não querem morrer...
quinta-feira, 30 de julho de 2009
O Deputado
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Consultório
Há neste mundo algo mais aterrorizador que um consultório de dentista? Seu odor característico, o som dos equipamentos em pleno funcionamento faziam minha pressão arterial descer, enquanto aguardava na sala de espera. O atendimento por ordem de chegada me deixava no meio da fila, tempo suficiente para ouvir gritos pavorosos, e a estridente broca perfurando maxilares mal cuidados. O doutor Ricardo Boaventura era novato, na cidade, e alugara um velho casario, onde montou seu consultório, que era secretariado por uma velha de cara rabugenta, e que jamais olhava-nos nos olhos. Cabisbaixa, anotava nome dos pacientes, e os anunciava ao som de uma campainha apertada dentro da sala do dentista. Estranhamente, os pacientes não retornavam pela porta por onde entraram. Um a um eram chamados, e ao toque da campainha outro entrava sem que o anterior "desse as caras" no saguão. Estranhei o fato, mas supus alguma porta de saída, afinal, era uma casa enorme. A fila foi diminuindo, e torturantemente minha vez ia se aproximando. Já podia sentir a broca raspando minhas cáries, a saliva ensanguentada eclodindo de minha boca... Detestava qualquer dentista, e fosse qual fosse, o odiaria mais que a um inimigo. Mas inevitavelmente me era necessário, e quando a voz empolada da secretária me anunciou, um frio abateu-se sobre meu corpo, e uma vontade de dar meia volta instigava meu pensamento. Só não o fiz por orgulho, pois temia a chacota dos que ainda aguardavam. Cidade pequena, todos comentariam meu medo. Desse modo, muito mais por vergonha em demonstrar fraqueza, do que por coragem de enfrentar a cadeira que me aguardava, entrei no local. Primeiramente procurei pela porta de saída, o que não existia. A única porta era a de metal, que dava acesso a uma espécie de câmara frigorífica. Se já havia medo em meu coração, imagine o leitor após esta constatação. "Por onde saíram os outros?" era a única pergunta que me vinha ao pensamento. Absorto nesta questão esclarecedora, não percebi meus punhos e pés atados firmemente à cadeira. Quando o doutor virou-se, minha ultima visão foram os olhos alaranjados do dentista, que lentamente vinha em minha direção com sua cruel broca, que só saciou seu desejo por sangue após atingir meu cérebro, extinguindo meu último suspiro de vida. Próximo. Gritou a secretária. A fila ainda estava grande, mas o doutor resolveria a dor de dente de muita gente, naquela tarde.
quarta-feira, 22 de julho de 2009
sábado, 18 de julho de 2009
A escolha do Cavaleiro
sexta-feira, 17 de julho de 2009
terça-feira, 14 de julho de 2009
A torre da morte.
sábado, 11 de julho de 2009
Reminiscências.
Não sei por quanto tempo fiquei envolto pelas trevas. Talvez apenas o tempo de passagem que levou-me aquele caminho assustador. Talvez por meus atos em vida, não via a tal luz, e o tempo do outro lado revelou-se carregado e tenso. Seria o inferno?
Um anjo, de penugem negras disse-me que não. Mas o parecia. Fosse pelo calor, ou fosse pelos habitantes infectos e de aparência horrível que moravam do outro lado. Tudo remetia-me ao diabo, mas ele não apareceu para cumprimentar-me.
Já a minha própria vida, regressou após a morte, e cada maldito erro ressurgiu das cinzas para vingar-se dum homem, que em vida escolheu vias tortuosas.
Desde os monstros de minha infância, quando torturava gafanhotos e pequenos pássaros, aos mais temidos inimigos, cuja ordem de morte partiram de minha boca, naquele mundo ressucitavam para torturar-me. Lhes garanto que gafanhotos gigantes, e carrascos sabem muito bem como ser incovenientes num mundo, onde apenas uma pessoa sentia dor: eu.
De todas as formas meu corpo,ou minha alma, sei lá, foi fatiada, feita em pedaços, esmigalhada... De forma que jamais alguém em vida poderá saber que tal dor descomunal possa ser possível.
Enquanto pagava por cada crime naquele traçado tortuoso e longo, apenas uma atitude martelava meus pensamentos, para quem sabe relembrá-los noutra encarnação: Jamais cometeria suicídio novamente.
quarta-feira, 8 de julho de 2009
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Fim.

Quando o televisor saiu do ar, jamais imaginávamos o tamanho do problema que recairia sobre este planeta e seus moradores. Sem sinal de telefone, ou de internet. Ou seja, tudo que dependesse de nossos modernos satélites estavam em pane, e o que deixava qualquer cidadão mais apavorado, era a falta de comunicação, e a ignorância do que acontecia. Mesmo que se nossos governantes tivessem tentado alguma forma de nos informar á calamidade que se debruçava sobre nós, não conseguiriam. Foram dias difíceis até o nosso fim. Sim, estamos todos mortos, inclusive o narrador que voz fala. Fui apenas indicado por um arcanjo para que deixasse esta mensagem, pois havia astronautas em nossa estação espacial, e quem sabe, haverá uma esperança na continuidade dos homens. Quando o sol desapareceu, imaginávamos algum problema com a grandiosa estrela. Enfim ela teria se cansado dos planetas que gravitam em sua órbita. Mas não era bem o que acontecia. Se não estou enganado, foram cerca de três semanas sem que a luz do dia radiasse o hemisfério sul. Depois dos primeiros dias, o temor passou a tomar conta de cada um ser vivente e pensante. O silêncio da Nasa era encarado com mau sinal por leigos como eu que esperavam trancados em suas casas por alguma luz sobre o que estava acontecendo no espaço sideral. Mas nenhuma palavra foi pronunciada. Na terra, tomados pelo desespero, saques, anarquia social, e tantos outros problemas faziam com que as forças militares tomassem as ruas. Mas aqui no Brasil, o exército não foi suficiente para controlar milhões de pessoas acuadas como ratos em sua toca. Eu tentei manter a calma, embora estivesse difícil de controlar. Quando os três ônibus espaciais americanos decolaram ao espaço, e concomitantemente coincidiu com o desaparecimento do presidente Barack Obama e sua família, ninguém mais conseguiu controlar os instintos animais reprimidos em algum lugar de sua mente. Do suicídio, individual ou coletivo, das pregações religiosas, e das inquisições em busca de culpados, das oferendas que remetiam a nossos tempos mais remotos... O planeta transformara-se num verdadeiro inferno. Por isso a pequena Pantano Grande não diferia do resto do mundo. Estavam todos loucos. Por dias fiquei com minha família, trancado dentro de casa e quando ela deixou de ser segura, entramos na camionete se seguimos para o campo. Até este momento meu coração cristão, tomado pelo instinto de sobrevivência levara-me a matar mais de cinqüenta lunáticos. As balas da pistola 38 escassearam com rapidez. Andamos por quase um dia inteiro. Apenas por estradas vicinais, e só paramos quando o combustível terminou. Estávamos longe de tudo. As crianças choravam, e minha esposa caía em desespero. Estava difícil manter a situação. Exaustos dormimos. Fui o primeiro a acordar quando uma das teias da criatura monstruosa atingiu o pólo sul, dizimando em poucos segundos cinco por cento da terra. O desequilíbrio alterou toda a gravidade, e a camionete flutuou por primeiro e em seguida foi nossa vez. Ainda deu tempo de cairmos novamente no chão, até que as patas da criatura, com um diâmetro de área equivalente aos estados do sul e do sudoeste do Brasil nos amassaram como se fossemos bactérias. Sempre pensava na grandiosidade do universo. Fazia parte de minha doutrina como professor de filosofia. Noutras buscava entender a arrogância humana frente a algo tão misterioso, já que sempre soube que não passávamos de uma pequena engrenagem num sistema monumental. Porém jamais poderia imaginar a existência de aracnídeo como aquele. Perdida no espaço, o primeiro ponto para ele se afirmar tinha de ser justamente nosso planeta. Talvez o monstro sequer soubesse o mal que nos cometia, mas a terra literalmente explodia a cada movimento seu. Talvez ele até tenha conseguido afirmar-se para buscar impulsão e voltar para de onde viera. Infelizmente não tenho tal resposta. Apenas deixo esta mensagem para caso tenha havido sobreviventes, para que no futuro tomem muito cuidado com aranhas espaciais.
sábado, 4 de julho de 2009
Naquele dia não me viam

Não sei por qual motivo naquela manha despertara invisível. Sim, meus desejos de meninice se concretizaram em plena sexta-feira. Ninguém podia ver-me, e eu logicamente tornei-me um semideus, louco para realizar meus secretos desejos os quais nunca havia imaginado que poderiam sair do campo da imaginação.
Não que fosse um dia especial. Para uns até podia ser azar, mas a mim, o treze daquela sexta-feira trouxera foi muita sorte. O sol como de costume invadia a janela do pequeno apartamento, onde moro sozinho. Ele deslizava lentamente até chegar a meu rosto, e cutucar-me, fazendo-me acordar.
Da cama ao banheiro, ao quarto novamente, e vestido em menos de dez minutos, estava pronto para ir trabalhar. Até então nada de diferente havia percebido. Tudo ocorria normalmente como aos outros dias. Mas quando passei pelo Seu Valdir, porteiro do prédio percebia que alguma coisa estava diferente. Pela primeira vez em três anos ele se negara em cumprimentar-me. Nunca havia me negado um bom dia. E mesmo quando retornei, para tentar puxar alguma conversa o olhar do velho homem se mantinha distante, como se eu não estivesse ali. “Ficou doido, pobre homem.”
Cismado com o fato segui meu caminho, pois estava atrasado, e por muito pouco não perco o ônibus que me levaria ao trabalho. Quando Cris embarcou no ponto seguinte, fui a sua direção, para comentar o acontecido. No entanto estranhamente, ela também me ignorou. Naquela altura do dia, ainda não sabia da sorte que caía sobre mim, e praguejava aquela data azarada. Era como se todos os meus conhecidos estivessem de alguma forma me pregando uma peça. Eu não simplesmente não existia.
Irritado sequer despedi-me de minha amiga, e fui direto ao escritório. Porém, voltou a ocorrer a mesma situação. Claudete, a recepcionista, que me recebia sempre de sorriso largo – pois afinal não sou de se jogar fora – sequer dirigiu seu olhar esmeraldino em minha direção. Isto foi á gota d’água. O desdém de Claudete não poderia passar em brancas nuvens. Fui até ela, e desejei-lhe bom dia, duas ou três vezes... E nada. Ela não me respondia. Não me olhava. Eu não estava ali.
Como não podia crer que todos os meus amigos pudessem confabular tamanha brincadeira, Claudete fez-me perceber que algo estranho ocorria com a minha pessoa. E logo deduzi que naquela manhã eu amanhecera invisível. Era esta a resposta? Não tinha toda a certeza. Ainda cogitava qualquer brincadeira.
Mas minha mente traquina logo descobriu uma maneira de encontrar uma resposta. Meu Chefe. Se fosse uma brincadeira, por certo que ele não seria um dos participantes. Então sem cuidado algum fui ao elevador, e segui até o décimo primeiro andar. Ninguém me cumprimentou. Não estranhei, afinal, naquele dia, isto já era normal.
Quando cheguei ao temível andar, invadi-o sem cerimônias. A secretária nem me olhou, ou perguntou o que desejava. Nunca em três anos de trabalho, eu tivera tanta liberdade. Entrei na sala do chefe e ele estava lá. Enroscado numa loira que gemia como gata no cio. Pareciam dois contorcionistas, pela quantidade de movimentos que faziam sobre o sofá encouraçado. Para tirar qualquer dúvida, bati palmas. E eles não acusaram minha presença. Então naquele exato momento todas minhas questões se resolveram com uma única resposta. Eu estava invisível. Sorri obviamente.
Nem minhas gargalhadas atrapalharam os dois que prosseguiam o coito de forma muito calorosa. Nunca fui de espiar, mas não é todo dia que se entra na sala do chefe e vê-se aquele tipo de coisa. Fiquei ali observando o desempenho dele, que cá entre nós, falava mais do que fazia. Só mesmo o dinheiro poderia explicar a atração daquela bela mulher por ele.
Com aquela descoberta fascinante, a porção criança, e a porção devassa se apossaram de meu ser. O devasso fez com que pelo dia inteiro entrasse em: banheiros femininos, provadores, e outros locais que apenas mulheres entram. Posso lhes garantir que em um “sexshop” presenciei cenas impublicáveis.
Já a porção criança, me levou a cinema sem pagar entrada. Viajar pela cidade sem pagar passagem, espionar conhecidos, roubar sorvete, etc...
Quando dei por conta a sexta-feira escorria para seu final. Mas antes pude passar na pastelaria, tomar chope sem pagar e comer o pastel do português. Era uma delícia, e caro. Como estava invisível, levei cinco. Na portaria percebia que continuava invisível, pois Manoel, o porteiro da noite também não me cumprimentara.
“Por quanto tempo ficarei assim?” Era uma pergunta relevante, pois imaginava que tal situação fosse transitória. Cansado pelo dia de aventura e traquinagens favorecidas pelo novo dom, debrucei-me sobre o sofá. Tomar ou não tomar banho? Eis minha questão “cheiquesperiana” para aquele final de dia. Estava cansado demais, logo, entre o corredor que levava para o quarto e o que levava ao banheiro, optei pelo primeiro.
Não deveria ter aberto aquela porta. Talvez continuasse a imaginar ser invisível. Porém, já havia o feito, e a maçaneta girando e empurrando a madeira de modo que abria a visão para minha cama revelo-me numa situação embaraçosa, afinal, jamais eu estivera invisível, já que meu corpo permanecia imóvel sobre a cama, gélido, e completamente morto, exatamente como amanhecera naquele dia.